”A Carta de 1988, ao instituir os termos da democracia política no País, deu início a uma mutação em nossa vida republicana, ainda em andamento e não de todo percebida, qual seja a que se expressa na tendência de converter o constitucionalismo democrático em novo paradigma dominante no sistema jurídico-político, afetando as antigas primazias exercidas pelo Código Civil e o poder discricionário das esferas administrativas. A emergência dessa tendência - escorada por institutos próprios, entre outros, o Ministério Público, as ações civis públicas e as de controle da constitucionalidade das leis - modera, quando não inibe, o decisionismo de nossa tradição política.
Pode-se entender o assim chamado processo do "mensalão" como uma tentativa de reação anacrônica do conteúdo contra a forma, pois o que, na verdade, se intentava, embora por métodos nada republicanos, era insular a vontade política dos governantes, no suposto de que somente deles provinha a melhor interpretação dos interesses da Nação. A tentativa se frustrou, foi criminalizada e, agora, chega aos tribunais. Quanto à sorte do seu julgamento, a essa altura se trata de questão menor, confinada às artes dos especialistas em técnica jurídica, uma vez que, no que importa, a sociedade e suas instituições já demonstraram recusar aos governantes o monopólio para decidir sobre quais são os verdadeiros interesses da Nação. No mais, é como se dizia antes da invenção da ultrassonografia: nunca se sabe o que vai sair de barriga de mulher ou da cabeça de um juiz.”
Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisador da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio. O 'mensalão' e a dialética entre forma e conteúdo. O Estado de S. Paulo, 24/6/2012
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