• Depois de manifestações gigantescas contra sua gestão, Dilma Rousseff enfrentará dificuldades para reinaugurar seu segundo mandato presidencial
The Economist - O Estado de S. Paulo
A presidente Dilma já esperava que os protestos de 15 de março fossem grandes. Por isso, reuniu um grupo de crise em sua residência oficial, a fim de monitorá-los. Mas ninguém, nem mesmo os organizadores, imaginava que eles teriam as proporções que tiveram. Em São Paulo, pelos cálculos da polícia, mais de 1 milhão de pessoas esteve na Avenida Paulista. Já o instituto Datafolha estima o número de manifestantes em 210 mil. Trata-se da maior manifestação política ocorrida na maior cidade do País desde as Diretas-Já, em 1985. Nacionalmente, a polícia calcula que 2,2 milhões de pessoas compareceram aos protestos em cidades dos 27 Estados do País. É um número superior ao dos que saíram às ruas no auge das manifestações de 2013.
As centrais sindicais, que dois dias antes haviam organizado atos a favor do governo Dilma, acusaram os manifestantes de pertencer à "elite branca". Contudo, havia muitos que não se encaixavam nesse estereótipo. "Sou negro, pobre e quero a Dilma fora", declarou um manifestante, do alto de um dos nove caminhões de som espalhados pela Paulista. Muitos dos que estavam lá vestiam a camiseta verde-amarela da seleção brasileira. Os políticos da oposição se mantiveram à distância. Compreenderam que sua presença ofuscaria a mensagem das ruas e serviria para reforçar as alegações do governo de que por trás dos protestos estavam os perdedores ressentidos das eleições de outubro último.
As queixas veiculadas em junho de 2013 eram difusas. As de domingo tinham dois alvos bem claros: Dilma e o PT. Alguns manifestantes, cerca de 25% dos que estiveram na Paulista, segundo um levantamento, defendiam o impeachment da presidente por conta do escândalo da Petrobrás. Entre os demais, a maioria queria mostrar sua indignação com a corrupção e a má gestão econômica do governo, que fez a inflação subir e deve provocar uma recessão este ano. Um grupo de extremistas clamava por intervenção militar - mas sua gritaria histérica foi abafada.
Implicação. As perspectivas de impeachment são reduzidas. Um presidente em exercício só pode ser deposto em virtude de delitos cometidos durante o mandato em curso. As investigações na Petrobrás têm como foco propinas pagas a agentes públicos num período que antecede o início do atual mandato de Dilma. Além disso, a presidente não foi pessoalmente implicada.
A verdadeira preocupação do governo é que a insatisfação popular, somada a um contexto de obstrução parlamentar, frustre os planos de Dilma para seu segundo governo. A classe trabalhadora, onde se concentra o apoio à presidente, não engole as medidas de austeridade que precisam ser adotadas para combater o déficit fiscal - atualmente em assustadores 6,75% do PIB - e evitar o rebaixamento da nota de crédito do Brasil.
Os participantes dos atos em favor de Dilma, ocorridos em 13 de março, protestaram contra cortes em benefícios sociais e acusaram o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de ser um "liberal infiltrado" no governo. Em fevereiro, caminhoneiros bloquearam rodovias em protesto contra o aumento no preço dos combustíveis e de outros custos do setor. O governo cedeu à pressão e aceitou muitas das exigências dos manifestantes.
As duas casas do Congresso são comandadas por partidos governistas. Mas muitos dos aliados do governo são movidos a oportunismo mesmo quando as coisas vão bem. Com o escândalo da Petrobrás e a queda acentuada na popularidade da presidente - apenas 13% dos eleitores acham que ela faz um bom governo -, é muito provável que esses políticos deixem o governo em apuros.
O Supremo aprovou a abertura de investigações criminais contra 34 parlamentares. Entre eles também estão Eduardo Cunha e Renan Calheiros, presidentes, respectivamente, da Câmara dos Deputados e do Senado, ambos do PMDB. Todos negam qualquer malfeito.
Quanto maior for a preocupação dos congressistas implicados no escândalo em limpar seus nomes, menor será sua disposição de votar a favor de medidas econômicas impopulares. Calheiros, antes um defensor leal do governo, recentemente devolveu ao Executivo uma medida provisória que reduziria a desoneração das folhas de pagamento das empresas. Isso obrigou Dilma a reenviar ao parlamento a proposta, agora sob a forma de projeto de lei e com pedido de urgência constitucional. Na semana passada, o Congresso por pouco não derrubou os vetos presidenciais a dois projetos de lei potencialmente prejudiciais à disciplina fiscal. Os congressistas votaram majoritariamente contra a presidente, mas não em número suficiente para derrubar os vetos.
Na terça-feira, o Congresso aprovou o Orçamento deste ano. Isso ajudará o ministro Levy a manter sua promessa de alcançar um superávit primário de 1,2% do PIB. Mas a série de vitórias apertadas indica que ele terá de agir com cautela e consultar amplamente o Congresso antes de adotar novas medidas econômicas. Assim, o ajuste fiscal demorará mais tempo do que ele gostaria para acontecer e será preciso cruzar os dedos para que a nota de crédito do Brasil não seja rebaixada.
Dilma tem se esforçado para reinaugurar seu governo. Na coletiva de imprensa que deu na segunda-feira, a presidente prometeu "humildade" (nove vezes) e "diálogo" (12 vezes). Anunciou leis anticorrupção severas e se comprometeu com a realização de um reforma política.
Nada disso deve sensibilizar as pessoas que tomaram a Paulista no domingo. Rogério Chequer, do Vem Pra Rua, o maior dos grupos organizadores da manifestação, diz que seu coletivo planeja novos protestos. O Movimento Brasil Livre, de tendência liberal, já marcou uma para 12 de abril. Essa "vai ser maior", promete o grupo. É melhor Dilma encontrar boas razões para que os manifestantes fiquem em casa.
Traduzido por Alexandre Hubner
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