- O Estado de S. Paulo
No seu tradicional discurso durante o jantar anual em homenagem aos jornalistas que cobrem a Casa Branca, Barack Obama inovou. Foi além das piadinhas de sempre e introduziu um tradutor que vertia o polido discurso presidencial para o que realmente o presidente gostaria de dizer. Era Luther, o tradutor irado.
A frase "tradições como o jantar dos correspondentes da Casa Branca são importantes", saída da boca de Obama, rapidamente virou: "Sério? Que raios de jantar é este? Por que eu sou obrigado a vir? Ei, Jeb Bush, você quer mesmo fazer isto?". Jeb é o terceiro Bush que concorre a presidente dos EUA.
"Apesar das nossas diferenças, nós contamos com a imprensa para jogar luz sobre os assuntos mais importantes", prosseguiu Obama, para ser emendado por Luther: "E contamos com a Fox News para aterrorizar os eleitores brancos". A Fox é o canal de TV mais declaradamente anti-Obama e pró Partido Republicano.
Foi um sucesso. Não apenas Luther - interpretado pelo comediante negro Keegan-Michel Key - arrancou gargalhadas do público, como Obama manteve a pose, sem rir, até o fim. Mostrou-se, novamente, um artista. Principalmente quando terminou por suplantar a ira de Luther ao criticar os negacionistas do aquecimento global.
Agora, imagine Dilma Rousseff com um tradutor irado. Não, não alguém para traduzir o que ela tentou dizer. Mas, sim, um tradutor que, como Luther, dissesse o que realmente Dilma estava pensando enquanto brigava com o teleprompter. Por certo daria alguns pontos ao ibope das transmissões oficiais.
O que diria o Luther de Dilma quando ela deu posse ao novo ministro do Turismo, o peemedebista Henrique Eduardo Alves, e os dois principais caciques do PMDB no Congresso não compareceram? Quais seriam as referências a Renan Calheiros e Eduardo Cunha?
Qual seria a versão traduzida das considerações de Dilma sobre as entrevistas de seus ex-ministros Marta Suplicy e Carlos Lupi, que desancaram o governo depois que perderam seus cargos?
O que o tradutor irado diria sobre as críticas embutidas à política econômica do primeiro mandato da presidente sempre que o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, abre a boca? Um acesso de sinceridade presidencial acalmaria o mercado? Ou jogaria o Índice Bovespa abaixo do pré-sal? Sem Luther, nunca saberemos.
Fim da crise sem fim? Quando a crise é tão ampla e profunda quanto a do governo Dilma, não há boas novas, só notícias ruins que têm algum efeito positivo. A semana passada alinhou boas más notícias em série para os governistas. Para os desconfiados, isso é ruim - porque pode dar ideias à presidente e ao PT. Apesar do paradoxo, vale examinar o que de pior ocorreu a favor de Dilma.
A publicação do balanço vermelho da Petrobrás formalizou a maior admissão de corrupção e incompetência na gestão de uma empresa brasileira, mas estancou uma sangria desatada há pelo menos oito meses. O balanço admitiu erros, declarou perdas e zerou o jogo. Dá à estatal uma chance. "Um passo na reconstrução da Petrobrás", definiu o ministro Levy - deixando embutido que só se reconstrói o que foi desconstruído. Mas Dilma relevou.
Houve o desentendimento entre Renan e Eduardo Cunha sobre a lei da terceirização. A desarticulação do governo no Congresso é tão grande que um racha entre os presidentes do Senado e da Câmara é bom para Dilma. E houve a novidade de que foram criadas mais vagas do que aconteceram demissões ao longo do mês de março.
Nada disso garante que o pior da tempestade tenha passado. Só mostrou um horizonte. Lá longe há sinais do que pode ser luz - ainda a serem verificados por mais pesquisas de opinião. Confirmados esses sinais, a semana passada terá marcado não o fim da crise, mas o fim da crise sem fim. E se novas pesquisas não apontarem mudança? É porque estamos no olho do furacão.
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