• Governo Temer é o maior teste do pemedebismo
- Valor Econômico
Num momento em que parece haver certo consenso de que o sistema político se esgotou e que a reputação do Congresso chegou ao fundo do poço, o presidente interino Michel Temer levou para o Palácio do Planalto uma ótica bem mais compreensível, alguns diriam leniente, das relações com Executivo com o Legislativo. Não por acaso. Temer passou 23 anos de sua vida pública na Câmara dos Deputados, que presidiu três vezes, foi constituinte, vice-líder e lider do PMDB, partido que comanda há mais de dez anos, que há muito se considera o grande fiador da governabilidade.
Temer preside o PMDB desde o fim dos anos Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, e dos quatro mandatos do PT na Presidência da República, primeiro às turras com Lula, depois como aliado e por fim vice da presidente Dilma Rousseff, cujo lugar agora ocupa. Talvez só José Sarney (1985-1990), entre os presidentes do pós 64, tivesse tanta experiência parlamentar quanto Temer, ao ocupar o Palácio do Planalto. Com o afastamento definitivo da presidente afastada Dilma Rousseff, o curto governo Temer será o grande teste da "governabilidade" pelas mãos do mais expressivo representante do "pemedebismo" - um achado do professor Marcos Nobre.
A relação de Temer com o Congresso é regida por uma gramática própria. O presidente interino, por exemplo, é incapaz de formular uma crítica a Waldir Maranhão (PSC-MA), o caricato vice-presidente da Câmara dos Deputados que assumiu no lugar do presidente afastado Eduardo Cunha. A jornalista Tânia Monteiro, de "O Estado de S. Paulo", bem que tentou: "Vamos combinar que um Waldir Maranhão na presidência da Câmara é o fundo do poço", ela provocou. "Cada um tem seus atributos, eu não...", ensaiou Temer. "Qual atributo?", insistiu a repórter. E Temer, sem mover um único músculo do rosto: "Ele é parlamentar, não é? Portanto, com todos os direitos do mandato parlamentar".
Se Temer acha que o atual Congresso é pior ou melhor do aquele que encontrou em 1987, na Assembleia Nacional Constituinte, não diz. Conhece todas as críticas feitas ao Legislativo, mas vê nelas também preconceito. Ele próprio, então professor de direito constitucional, quando chegou ao Congresso olhou com certo desdém de preconceito para os colegas. Perguntava-se como eles iriam produzir um novo Estado. Achava então que só um sábio poderia "produzir um Estado".
Até entender exatamente o que era "representação popular", foi um longo aprendizado. Um dia um colega o convidou para uma "churrascada" - o termo é dele - num bairro de São Paulo. Ficou um domingo inteiro. A conversão se deu quando Temer compreendeu que não conseguia vocalizar os anseios das pessoas que estavam na "churrascada". Vocalizava, sim, os anseios das áreas jurídica e universitária, na condição de professor de direito constitucional, e da segurança pública, uma vez que foi secretário de Segurança Pública de São Paulo. Eram os colegas que subestimara, ao chegar à Constituinte, que falavam pelo pessoal de seu domingo na periferia. "Então eu entendi o que é exatamente a representação popular".
O problema, para Michel Temer, não é saber se o Congresso melhorou ou piorou ao longo do tempo, mas saber se todos os setores sociais estão devidamente representados. O que ocorre é o "voto contrariado", mas isto o próprio sistema permitiria corrigir, ao dar ao eleitor a possibilidade de consertar o seu equívoco na eleição seguinte.
Todos os presidentes que antecederam Temer no Palácio do Planalto, em algum momento, falaram de reforma política. Nenhum foi em frente pra valer. Temer seria então "o cara" para finalmente tirar a proposta do papel? Ele mesmo vê de uma forma diferente: a reforma deve ser uma atividade do Poder Legislativo. Mas ele se candidata a ser um grande "incentivador". Acha que é indispensável fazer a reforma e que "a cultura interna do Legislativo" está preparada para isso. Mas como bom entendedor do Congresso avisa: é melhor ir devagar, por partes.
Paulo Bernardo e o PT
Merece atenção a nota que o PT divulgou condenando a ação de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal na sede do partido, na sexta-feira. Não há uma palavra sobre ação semelhante no apartamento da senadora Gleisi Hoffmann, duramente criticada pela bancada de senadores petistas, e muito menos sobre a prisão de Paulo Bernardo, petista de linhagem e ex-ministro dos governos Lula (Planejamento) e Dilma Rousseff (Comunicações).
As notas da direção do PT costumam trazer recados nas entrelinhas. Mais tarde, a direção do PT se solidarizou com a bancada dos senadores em relação à busca e apreensão no apartamento funcional de Gleisi, mas os militantes ouviram com nitidez o silêncio que a direção fez sobre Paulo Bernardo e dois outros companheiros presos na mesma operação da PF, o ex-tesoureiro Paulo Ferreira e o secretário de gestão da Prefeitura de São Paulo, Valter Correia.
"A respeito das acusações assacadas contra filiados do partido, é preciso que lhes sejam assegurados o amplo direito de defesa e o princípio da presunção de inocência", diz a nota, muitos decibéis abaixo de outras emitidas pela cúpula petista em relação a militantes apanhados no curso da Lava-Jato ou do mensalão, tratados como guerreiros do povo brasileiro. Só na segunda prisão de Dirceu o PT baixou o volume. Quando o ex-senador Delcídio do Amaral (MS) foi preso tramando contra a Lava-Jato, recusou solidariedade ao companheiro.
Embora integrante do grupo majoritário que controla o PT, Bernardo sempre teve dificuldades de relacionamento político com a direção partidária. Partido e ministro estiveram em lados opostos, por exemplo, no que diz respeito ao controle social dos meios de comunicação, defendido por amplos setores do PT. Mas não é por isso que silencia o PT. A razão talvez possa ser encontrada na natureza das diversas denúncias contra o PT.
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