terça-feira, 28 de junho de 2016

Brexit abre novo capítulo na crise política europeia – Editorial / Valor Econômico

A cadeia da globalização foi rompida não em seus elos mais fracos, mas em um dos mais fortes: o Reino Unido. A agonia da Grécia quase estilhaçou a zona do euro e contribuiu para o lançamento de experimentos monetários radicais no continente europeu. A Brexit traz um golpe político mais amplo - a necessidade da União Europeia -, desferido pela segunda maior economia do bloco. O rompimento marca um ponto de inflexão na trajetória do bloco europeu, em um capítulo que mistura ironia e tragédia escrito pelo Reino Unido.

O primeiro-ministro David Cameron se comprometeu com o plebiscito para resolver questões paroquiais do partido conservador e sair vencedor na disputa para chegar ao poder. Um brutal erro de avaliação fez com que um dos países que mais encarnava as posições liberais na UE saiu dela fazendo coro com forças mais protecionistas, retrógradas e demagógicas da nação.


O passo rumo ao abismo de Cameron não tem justificativas, pois o perigo já se manifestara com clareza. O Partido Independente (Ukip), que pregou a separação, já fora o mais votado do país nas eleições para o Parlamento Europeu, vencendo trabalhistas e conservadores. Na questão da Brexit as duas legendas tradicionais racharam, acumulando desgaste em seu prestígio pela austeridade, com corte sociais e queda do emprego para enfrentar a crise de 2008, pela onda migratória, principalmente de pessoas de países da UE, e pela animosidade generalizada contra a invasiva "burocracia" de Bruxelas.

O Reino Unido não era uma ilha no ambiente de insatisfação, apenas espelhava a seu modo o mesmo fenômeno que se disseminava pela UE, como mostra há tempos o avanço dos partidos de direita nacionalistas e anti-imigração e dos eurocéticos de vários matizes. Os britânicos sempre mantiveram um pé atrás em relação ao arranjo político continental e a manobra suicida de Cameron deu-lhes a chance de livrar-se daquilo que populistas e nacionalistas apontavam como o mal maior. Com isso, abandonaram uma construção política cinquentenária.

Do lado econômico, a Brexit vem em péssima hora, ao somar mais incertezas a uma economia global que ainda se recupera lentamente da crise de 2008. As ondas de choque do plebiscito britânico suscitam possíveis novas intervenções monetárias expansionistas do Banco da Inglaterra, Banco Central Europeu e Banco do Japão, além de sepultar por bom tempo nova alta de juros nos EUA. A economia do Reino Unido sairá machucada, com o risco maior de perda de influência de seu poderoso centro financeiro. A UE perde 14% de seu PIB de US$ 19 trilhões, deixa de ser o maior bloco econômico do mundo e sua riqueza fica do tamanho de um só país, os Estados Unidos.

A instabilidade colocará à prova problemas mal resolvidos ou sem solução completa na própria UE. Os bancos, a começar pelos britânicos, estão levando uma surra nas bolsas, alguns com perdas acima de 30% em dois pregões. As bolsas caem mais, e os bancos também, nos países que na crise do euro eram os vulneráveis: Itália, Espanha e Grécia. De passagem, ao valorizar o iene, traz mais um revés para o já problemático "abenomics".

Mas a crise política gerada pela Brexit na Europa, e seu estímulo ao isolacionismo para o candidato Donald Trump, nos EUA, pode ser profunda, desestabilizadora e mais demorada que os efeitos econômicos. As forças separatistas na UE se sentem confiantes para imitar o Reino Unido. Marine Le Pen, da Frente Nacional, disse que a França "tem mil razões a mais para deixar a UE", acenando com a possibilidade de plebiscitos que contam com simpatia de forças políticas espalhadas por todo o continente.

Até que ponto se pode ceder a soberania nacional em nome de objetivos que a transcendem? O Reino Unido traçou seus limites e outros países podem fazer o mesmo. As instituições políticas da União Europeia foram abaladas e elas já não eram populares - pesquisas mostram que parcelas significativas dos europeus não a avaliam positivamente. O choque britânico pode despertar uma burocracia morosa, mas há dúvidas sobre isso, se o passado recente for considerado. A reação à crise da dívida soberana e do euro foi marcada por uma sucessão de ações protelatórias e não decisivas, que prorrogaram o sofrimento econômico. Não há clareza sobre o que a UE deve fazer para amortecer a maré de tensão e encontrar saída positiva para o futuro. A união europeia está perigosamente em xeque.

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