- Valor Econômico
• Risco de "perdas permanentes" no PIB pode ter movido o BC
O governo Temer estava convencido de que, se o Banco Central (BC) mantivesse a postura excessivamente cautelosa que vinha mostrando na condução da política monetária, a economia brasileira não cresceria em 2017 ou registraria mais um ano, o terceiro consecutivo, de crescimento negativo. Pior: o setor privado sairia tão machucado que a esperada recuperação seria irremediavelmente fraca e ainda mais lenta.
As projeções de inflação do BC vêm apontando para um IPCA, o índice de preços oficial do regime de metas, em torno da meta de 4,5% no fim do próximo ano, algo que não ocorre desde 2009. O problema é que o custo dessa convergência está sendo muito alto e aumentaria nos próximos trimestres, caso o Comitê de Política Monetária (Copom) conservasse o ritmo atual de redução da taxa básica de juros (Selic), de 0,25 ponto percentual a cada reunião.
No boletim Focus, as expectativas do mercado vêm mostrando queda acelerada nas projeções do Produto Interno Bruto (PIB) para 2017. Neste momento, a mediana dessas expectativas está em 0,80%. O próprio Ministério da Fazenda recentemente reduziu sua projeção de 1,6% para 1%. Fontes credenciadas do governo dizem que essas previsões são otimistas.
Tudo isso deriva da percepção de que o BC está sendo muito conservador. "Como a queda do PIB esperada para este ano já é de 3,5%, o BC está forçando a convergência da inflação para a meta em 2017 de qualquer jeito", diz uma fonte oficial. O risco é aprofundar e prolongar a recessão - que já dura quase três anos -, fragilizando ainda mais a situação já delicada de muitas empresas, o que inviabilizaria a retomada em 2018.
O governo teme a ocorrência de "perdas permanentes" no setor privado, afinal, muitas companhias já estão em recuperação judicial. "Empresas que quebram provocam desorganização na economia", observa um assessor. Alega-se também que, em países como Estados Unidos e Inglaterra, os bancos centrais não deixam a atividade cair por tanto tempo.
O desconforto com a política monetária no momento atual não é uma expressão da velha "coalizão inflacionária" que reúne representantes da classe política e mesmo do setor produtivo. Respeitáveis economistas de perfil liberal também têm defendido uma ação mais ousada do BC.
A tarefa do Copom não é fácil. O IPCA chegou a dois dígitos em 2015, deve cair para algo em torno de 6,69% neste ano e recuar para 4,93% em 2017 - conforme as medianas do Focus. Para muitos analistas, o BC deveria forçar a convergência para a meta num prazo mais longo (2018). Isso permitiria cortar juros de forma mais rápida, permitindo à atividade ganhar um pouco de fôlego no curto prazo.
Pouco depois de Ilan Goldfajn assumir o comando do BC, em junho, Armínio Fraga, ex-presidente da instituição, sugeriu que o Conselho Monetário Nacional adotasse uma meta ajustada para 2017, acima de 4,5%, justamente para moderar os efeitos do processo de desinflação. Ilan rejeitou a proposta. Em 2003, coube a ele, diretor de Política Econômica na gestão de Armínio no BC, propor meta ajustada, quando o quadro inflacionário lembrava o atual.
Com a ata do Copom divulgada ontem, Ilan e sua diretoria sinalizaram mudanças. Muito provavelmente, a Selic será reduzida em 0,5 ponto percentual em janeiro. Há, inclusive, quem aposte num recuo maior - de 0,75 ponto percentual.
Terá o BC se movido por pressão política? Não necessariamente. O mercado, pelo menos, não entendeu dessa forma.
Sabe-se que o Brasil parou de crescer em 2014 porque a Nova Matriz Econômica, a política econômica de Dilma, cometeu tantos equívocos que destruiu a confiança dos empresários, num primeiro momento, e dos consumidores no seguinte. A posse do novo governo, em condições muito adversas, e a escolha de uma equipe econômica com ótima reputação foram suficientes para tirar os índices de confiança do vale.
Sem confiança, não há investimento. Sem investimento, não há compra de máquinas nem ampliação de instalações. Portanto, não há também geração de empregos nem de renda. Mas confiança não é tudo. Havia a expectativa de muitos de que o fundo do poço da recessão tinha sido no segundo trimestre e que, no terceiro, a economia já não estaria em terreno negativo e que, no quarto, começaria a recuperação. Esse cenário não se materializou.
O Brasil viveu, nos últimos três anos, combinação perversa de encolhimento do PIB com aumento da inflação. A crise teve origem no Estado: uma política fiscal absolutamente irresponsável desorganizou as contas públicas, elevando de forma insustentável a dívida do governo, o que levou as agências de classificação de risco a tirarem do país o selo de bom pagador.
A queda da confiança paralisou investimentos. Sem estes, a atividade desaqueceu e as empresas começaram a demitir. Firmas que se endividaram durante o último ciclo para expandir a capacidade de produção entraram em período de dificuldade extrema. Algumas fecharam as portas e muitas pediram recuperação judicial. Outras tantas - talvez, a maioria - passaram a postergar o pagamento de impostos.
O efeito sobre as contas públicas foi devastador: a arrecadação entrou em espiral negativa, comprometendo a prestação de serviços públicos e, mais recentemente, o pagamento dos salários dos servidores. As próximas colateralidades desse círculo vicioso, se nada fosse feito, seriam a volta da inflação crônica e um possível calote no pagamento da dívida pública.
Sem credibilidade, a gestão anterior do BC deixou herança pesada para a atual. Mesmo com juros elevados, não conseguiu reduzir o custo de vida. Na verdade, contribuiu, com sua política errática, para a volatilidade e mesmo para o aumento da carestia.
Ilan Goldfajn mirou os erros do antecessor para fazer o oposto e reconquistar a credibilidade. Comprometeu-se com a busca da meta de inflação - que é 4,5% e não 6,5%, como quis fazer crer o governo Dilma -, rejeitou artificialismos na política cambial e melhorou a comunicação com o mercado. Resultado: rapidamente, as expectativas começaram a melhorar, o que facilita sobremodo a tarefa da política monetária.
"A discussão que se tem agora é extraordinária: o BC não precisa destruir a economia para ter credibilidade", diz uma fonte credenciada.
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