Uma tempestade de incertezas se abateu novamente sobre Brasília, quando tudo parecia que a votação da principal peça econômica do governo Temer tinha data certa e vitória assegurada no Senado. O cenário político entrou em mais uma rota imprevisível, depois que os poderes da República passaram a se desentender e se confrontar, colocando em risco os propósitos do Executivo.
Há várias crises em estado latente ou já em andamento. Uma decisão inesperada do ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, sobre uma liminar do Rede, retirou Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado, por ele ter se tornado réu. A votação de afastamento de cargo sucessório da Presidência em caso de seu ocupante se tornar réu não foi concluída, apesar de consolidada a maioria dos ministros a seu favor. A Mesa Diretora do Senado não aceitou o ato de Marco Aurélio e comunicou ao STF que Renan continuará no cargo até uma decisão do plenário do tribunal.
Renan Calheiros viu a roda da fortuna girar rápido em seu desfavor. Em pouco mais de uma semana, ganhou o status de réu no STF, perdeu o apoio de senadores em manobra para votar a toque de caixa projeto de lei contra o abuso de poder, tornou-se um dos principais alvos da manifestação de domingo em defesa da Lava-Jato e agora foi apeado, ainda que por um par de dias, do comando do Senado.
Renan estava a 9 dias de deixar o cargo, para depois se confrontar com o desenrolar de outros 11 processos contra ele no Supremo. Chamuscado, perderia importância não fosse o prazo apertado para votar a PEC dos gastos (no Senado, a de número 55), marcada para o dia 13, quatro dias antes do recesso parlamentar. Ontem o Senado não realizou sessão e isso afeta os prazos para a votação da PEC. Se o STF referendar o afastamento, o principal projeto do governo poderá vingar só em 2017.
O risco é real, porque, sem Renan no leme do Senado, o comando passa ao petista Jorge Viana (AC), que já comunicou ao PMDB que não tem compromisso algum em votar a PEC este ano, depois de Romero Jucá, líder do governo no Senado, ter afirmado no dia anterior que existe um "acordo partidário" para isso. O PT é contra a PEC e o destino pode lhe dar uma chance de saborosa vingança contra Temer.
Os ventos que sopravam a favor de Temer mudaram de direção após o episódio da saída de Geddel Vieira do governo, que arranhou a imagem do presidente, que se envolveu no caso. Em seguida, o retrato feio da economia delineado pelo PIB do terceiro trimestre acabou com a esperança de recuperação em 2016. Esse foi um sinal para que o mal-estar com a letargia econômica se transformasse em aberto fogo amigo e inimigo contra o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o pilar de sustentação do governo na área. A decisão branda do Copom de cortar o juro em 0,25 ponto percentual jogou o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, na mesma frigideira. Para piorar as coisas, passou-se a discutir a céu aberto a possibilidade de Temer não terminar o mandato.
Após o desgaste com o episódio Geddel, Temer reuniu-se com Fernando Henrique e a cúpula do PSDB, e daí saiu a promessa de ampliar o papel dos tucanos no governo. Não ficou claro que cargo estava em jogo e a articulação coincidiu com uma entrevista de Armínio Fraga ao Valor em que faz avaliação crítica à lentidão do ajuste fiscal. Em seguida, cresceram as especulações de que os tucanos tomariam de assalto o Planejamento para dividir o comando da economia com Meirelles. Temer saiu correndo em defesa do ministro.
Meirelles se livrou de uma armadilha, mas há outras. Dependendo do destino de Renan, a PEC só passará em 2017, o que não é tão trágico para um ajuste fiscal rigoroso, mas em câmera lenta. Mas a aflição política com a pasmaceira na economia já avivou no Planalto e fora dele a necessidade de fazer "alguma coisa" além do ajuste para reanimar as atividades. É aí que mora um dos perigos de desmonte da política econômica.
Após respirar aliviado por ter sido poupado nas manifestações de domingo, Temer passa pelo período de mais concentrada tensão em seu mandato, antes ainda de vir a público a delação da Odebrecht. Há o risco de se instalar um clima de crise quase permanente, agravando as desavenças políticas sem desatar o nó econômico. Esse é o pior cenário.
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