- O Globo
• Precisamos concreta, e não retoricamente, refundar a República
Frente ao nó górdio — há 500 anos impassível esperando quem o desatasse e, segundo a lenda, ao fazê-lo, cumprisse o destino de conquistar a Ásia Menor — Alexandre, o Grande, puxou da espada e o cortou. Uma metáfora sobre como resolver um problema complexo de maneira simples e eficaz.
Meu professor e ex-ministro Pedro Malan observou que, no Brasil, para cada problema complicado, há sempre alguém com uma solução simples, e errada. De fato, a metáfora do nó górdio só funciona baseada em lendas. Afinal, pela espada, a corda não permanece íntegra, mas cortada para sempre.
O Brasil está frente a dois nós górdios, e a visibilidade sobre como serão desatados é nula. Densa neblina favorece os iludidos sobre o poder da espada, seja ela para acabar com a “classe política”, com a corrupção, com as corporações, com o “gastar mais do que se arrecada”, com o rentismo, com as elites ou com o populismo, e assim por diante, cada um puxando seu fio.
Todos esses dibuks estão presentes e devem mesmo ser exorcizados, mas os dois nós górdios amarram de forma inseparável o rabo dos demônios que nos assombram. Afinal, “só existe uma ciência, a ciência da história”, como o velho Karl e seu amigo Engels escreveram, em frase genial da qual não gostaram tanto, pois a riscaram a lápis nos manuscritos da “Ideologia alemã”.
O primeiro nó é a morte da Nova República. Após tudo que veio à tona, só extrema hipocrisia pode admitir a possibilidade de que o atual sistema político-eleitoral recupere a legitimidade com remendos. Se o caminho for esse, a Ásia Menor jamais será conquistada, e o Brasil acabará consagrando a expressão “república gigante das bananas”. Por muitas décadas. Precisamos concreta, e não retoricamente, refundar a República.
O segundo nó górdio é a economia. Estamos no caminho certo para não morrermos (longe da praia). Afinal, em um país com a dívida pública em trajetória insolvente, como a nossa, o poder deve reconhecer o fato, dizer como vai fazer para mudar o rumo e começar a executar. Se não o fizer, cai. Da forma que for, variando com o estilo ou possibilidades de cada sociedade.
Mas, não morrer não é viver bem. Como escapar da armadilha dos países de renda média? Um nó górdio para uma sociedade tão profundamente desigual como a nossa.
O caminho principal é a educação e a valorização do conhecimento, claro. Para a população em geral e para nossas elites. Mas, convenhamos, a defasagem e o estoque de problemas são tão grandes que esse, o maior dos desafios, é estrada para muito tempo.
Precisamos encontrar uma inserção competitiva na economia global. E terá de derivar de visão estratégica, pois hoje a conjuntura da economia mundial está conturbada e imprevisível, ainda nos mares tempestuosos da grande recessão de 2008.
Como desatar dois nós górdios sem cortar a corda com a espada? Feliz 2017. Assuntos não faltarão.
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Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro
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