- O Estado de S. Paulo
• É melhor defender o plano de segurança do que massacres e linchamentos
Não há como monitorar fronteiras e penitenciárias só com gente e sem tecnologia, tanto como é impossível combater o crime organizado só com tecnologia e sem gente (leia-se: inteligência). Ambos, recursos humanos e tecnológicos, custam dinheiro e exigem tempo até entrarem em ação e adquirirem o mínimo de eficiência num País onde a segurança chegou aonde chegou e faz fronteira com três dos maiores fornecedores de drogas do universo: Bolívia, Colômbia e Peru.
O Plano Nacional de Segurança tem boas bases, mas não se pode esperar que tenha resultados imediatos, e o mais provável é que, depois de Manaus e Boa Vista, mais rebeliões e massacres virão. É justo cobrar providências, mas não culpar o governo Michel Temer. O governo tem culpas, algumas de um primarismo espantoso, como o presidente levar três dias para se manifestar sobre uma matança que abriu o ano no Brasil e ganhou manchetes mundo afora e, tendo perfeito domínio da língua portuguesa, chamar chacina de “acidente pavoroso”.
Erro pior ainda é não só a relação abstrata entre o Ministério da Justiça e o governo de Roraima, mas a relação real entre o próprio ministro Alexandre de Moraes e a governadora Suely Campos (PP). Depois de negar em público que a governadora tenha pedido socorro federal para controlar os presídios, o ministro recebeu de volta na cara cópias de ofícios, agendas de encontros e uma justa indignação comprovando o contrário. Ou ele é mentiroso, ou esquecido ou mais uma das autoridades do “Sul maravilha” que não dá bola para os pequenos Estados do longínquo Norte, ainda mais um ex-território.
O fato, porém, é que seria (ou é) uma injustiça jogar no atual governo a culpa por um descalabro na segurança pública, na violência e no sistema prisional que não vem de hoje, mas de décadas, dos sucessivos governos. Temer, ao contrário, se preocupa com essas questões desde o início e o plano para a segurança já vinha sendo gestado havia meses.
Primeiro, porque ele assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo no rastro do Massacre do Carandiru e leva a questão a sério. Segundo, porque foi convocado a dar prioridade a ela pela presidente do STF, Cármen Lúcia, num encontro de várias horas, num domingo de setembro, no Palácio do Jaburu. Foi daí que surgiu a reunião entre Executivo, Judiciário e Legislativo para tocar o plano conjunto.
Escaldada pela cultura brasileira de anunciar e não fazer, de anunciar sem metas e viabilidade, de anunciar só para fingir que faz alguma coisa, a opinião pública torceu o nariz para o plano, mas se sugere ler as propostas e checar se há a correspondente previsão orçamentária para depois criticar, não pela exaustão com o estado de coisas, mas por de fato querer que elas mudem.
Para mudar, é preciso que a sociedade também mude. Se as redes sociais e o já defenestrado secretário de Juventude do governo, Bruno Júlio, incitam os cidadãos a crer que presos não são pessoas, aí tudo fica muito mais difícil, porque não se trata apenas de não acreditar no Estado e nos governos, mas na própria humanidade. É partir para massacres nas prisões e linchamentos nas ruas. É nivelar trabalhador a criminosos sanguinários. É combater a barbárie com barbárie.
O melhor é agir legal e civilizadamente e analisar com realismo o que fazer, como o general da reserva Augusto Heleno, que pôs a mão na massa como comandante militar da Amazônia e da Força Militar no Haiti: “O formato do plano é bom, isso é indiscutível, mas exige um trabalho muito difícil nas cidades, nas penitenciárias e nas fronteiras. Um trabalho insano e até inédito no País”. A primeira providência é acreditar que é possível.
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