- Valor Econômico
Fundo eleitoral naturaliza a desfaçatez
O presidente Michel Temer dispõe da maior base parlamentar e da pior popularidade de que se tem notícia. Esses dois recordes explicam, em grande parte, porque a Câmara dos Deputados está para aprovar o maior financiamento público de campanha da história.
O apoio a este governo tem sido um bom negócio. Procuradores e policiais, que antes não saíam do encalço dos políticos, agora dedicam uma parte do seu tempo à cizânia interna e a indispor uma corporação contra a outra. Suas empresas e a de seus financiadores vão poder contratar mão de obra mais barata e se livrar de suas dívidas por uma mixaria. Em breve, o desmonte do Estado ainda vai declarar a extinção de fiscais que tanto incomodam a vida da nação.
O problema veio com a aproximação da data em que expira o contrato. A filiação a um governo impopular inflaciona a renovação do mandato. Quem consegue voto para parlamentar é vereador e prefeito, em pequenos e médios municípios, e liderança comunitária de grandes cidades. Quando se aproximam as eleições gerais, esses grandes cabos eleitorais fazem a varredura das cotações e fixam seu preço. No mítico 2010, um craque deste mercado, hoje preso em Curitiba, calculava que não se conseguia um bom vereador para campanha por menos de R$ 60 mil.
Se a proibição da contribuição empresarial deprimiu este mercado, o conjunto da obra do governo Temer o inflacionou. A clientela parlamentar ouvirá dos cabos eleitorais que não vai ser fácil arrumar voto de eleitor que recebeu, na tela ou no papel, as listas de como votaram os cândidos postulantes à renovação de seus mandatos. Se Francisco Adão não aceitar o preço, Adão Francisco vai pagar.
Esta é uma explicação para a criação do fundo eleitoral, mas não é a única. Não dá conta, por exemplo, do entusiasmo do PT com este fundo. Os petistas defendem o fundo em grande parte porque na época em que o dinheiro empresarial corria solto, o receberam sem limite ou critério. Desaprenderam a fazer campanha com pouca grana na mesma velocidade em que esqueceram como se faz política na oposição.
Deve-se ao professor Jairo Nicolau o cálculo de que o fundo eleitoral distribuirá, para cada parlamentar, R$ 1,1 milhão, mais do que o dobro do valor recebido por eles em contribuições privadas oficiais nas últimas eleições. Pois o Fundo Especial da Nota Fria funcionará assim: para conseguir 10 mil votos, um prefeito pede R$ 100 mil. Como o deputado não pode repassar o dinheiro do fundo diretamente, pedirá nota de R$ 300 mil para uma gráfica que lhe prestou serviços orçados em R$ 200 mil. Tudo em dinheiro vivo.
É a sobrevivência da velha lavagem de dinheiro já escancarada em operações policiais. O crime, desta vez, é mais perfeito do que aquele que se identificou no caixa um das últimas eleições porque já não há nem mesmo uma triangulação de fornecedores do Estado a ser investigada.
A criação de um fundo R$ 1 bilhão mais caro que o programa Farmácia Popular e mais do que o dobro de todo o orçamento do Ministério dos Esportes, não vai por fim ao caixa dois. O vicejante mercado de jabutis nesta legislatura demonstrou que o investimento em bancadas parlamentares ainda vale a pena.
Mas o problema do fundo não é apenas o valor, mas a falta de transparência dos comandos partidários e o desaparelhamento da Justiça Eleitoral para sua fiscalização. Ao fomento de notas frias some-se o incentivo ao surgimento de pseudo candidatos. O fundo permitirá aos caciques partidários se valer dos mesmos subterfúgios dos parlamentares no manejo de suas verbas de gabinete.
Até o juiz que mais intimidade hoje tem com o tema, Sergio Moro, defende o restabelecimento do financiamento empresarial, desde que limitado, por reconhecer que não dá para tirar da política seu leite materno. Só não convence ao propor que se excluam setores com contratos com o governo, como se aqueles que não são fornecedores diretos, como os bancos privados, não tivessem interesses em jogo no parlamento.
Não foi a proibição do financiamento empresarial pelo Supremo Tribunal Federal que levou os parlamentares a enfrentar o desgaste da criação do fundo eleitoral. A mesma proposta de emenda constitucional que o cria poderia ser usada para restabelecer a proibição decretada pela toga suprema.
Os parlamentares não trazem o financiamento empresarial de volta porque temem não serem capazes de convencer grandes empresas a doar depois que, junto com Odebrecht e JBS, escreveram páginas infelizes da história. Até haveria empresários dispostos a fazer doações abertamente, mas não aos parlamentares que lá estão. Este é o ponto.
A volta do financiamento empresarial, desde que estabelecidos limites mais estreitos, prestação online de receitas e despesas das campanhas e melhor aparelhamento da Justiça Eleitoral para sua fiscalização, possibilitaria a renovação da Câmara que os parlamentares tanto temem. Tem sangue novo disposto a entrar na política, de ativistas sociais a empresários. Com a criação do fundo público, de um lado, e a proibição empresarial de outro, a competitividade dos novos postulantes ficará prejudicada.
Os parlamentares costumam dizer que nada é mais poderoso do que a ideia cujo tempo chegou (Victor Hugo). A proposta de reverter emendas parlamentares para o custeio do fundo eleitoral é, definitivamente, uma ideia da era Michel Temer. Joga por terra o argumento eternamente cultivado no Congresso em defesa das emendas de que estas não são a emenda não é do parlamentar, mas daquele que o elegeu e tem demandas a serem satisfeitas. Se a emenda é do eleitor, o parlamentar não pode se valer dela sem seu consentimento para custear o Fundo Especial da Nota Fria.
É a naturalização da desfaçatez. É este o motor da República. Por ele se movem desde um presidente da República que avaliza comportamento de um empresário corruptor, porque sempre foi assim, até agentes econômicos que, diante de um governo incapaz de fazer a prometida lição de casa para reduzir o rombo de suas contas, dizem amém.
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