quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Distritão cria dilemas insuperáveis para partidos | Marcus Melo

- Folha de S. Paulo

Distritão incentivaria as legendas a pedir que eleitores não votem em massa em candidatos de maior potencial

O distritão é péssimo, mas não pelas razões frequentemente apontadas.

O distritão, ou SNTV (voto único não transferível, como é conhecido internacionalmente), não levará a campanhas mais caras, desperdício massivo de votos. Tampouco levará a uma redução no número de partidos, nem garantirá apenas a sobrevivência dos partidos maiores.

O cientista político americano Gary Cox, em contribuição seminal para a matemática dos sistemas eleitorais, apresentou a prova formal de que o SNTV e a representação proporcional baseada no sistema D'Hondt para o cálculo das sobras do quociente (utilizado no Brasil) produzem resultados equivalentes.

Ou seja, como temos distritos eleitorais gigantescos (variando de 8 a 70), o distritão na prática levará aos mesmos resultados do atual sistema.

Os partidos pequenos não serão afetados pelo distritão, salvo se uma cláusula de desempenho for também aprovada. O distritão inibe a renovação dentro dos partidos, mas não afeta a viabilidade de pequenas legendas.

Numerosos trabalhos acadêmicos já foram realizados sobre o distritão. As causas de sua ineficiência são conhecidas e pouco têm a ver com as apontadas no debate público. A mais importante é que o sistema cria dilemas de coordenação quase insuperáveis para os partidos.

Um caso hipotético para ilustrar. Se indivíduos muito populares (por exemplo o juiz Sergio Moro ou o ex-presidente Lula), capazes de atrair o sufrágio de 10 ou 20 vezes o quociente eleitoral do Estado de São Paulo (300 mil), fossem candidatos, suas legendas seriam instadas a convencer seus eleitores a não votar neles, sob o risco de não eleger vários de seus parlamentares e no limite ver o número de eleitos se reduzir.

Qualquer voto adicional será um voto perdido, e o número ideal de votos para cada candidato é muito difícil de ser estimado. O partido teria um dilema entre promover certas candidaturas muito populares e ao mesmo tempo reduzir seu apelo.

Essa consequência bizarra –um partido instruir seus eleitores a limitar os votos nos seus candidatos– cria problemas severos de responsabilização e de comunicação.

Apenas partidos muito fortes como o Kuomintang de Taiwan ou LDP do Japão, onde o sistema foi adotado entre 1948 e 1993, puderam mitigar os problemas.

O Kuomintang instruiu seus eleitores a votar nos 5 candidatos de um distrito, segundo os últimos números de suas carteiras nacionais de identidade (se 1 ou 2, vote no candidato X etc.). O risco de subestimação das respostas é alto e dependerá de disciplina enorme dos membros.

Esse esforço de coordenação em distritos de grande magnitude como no Brasil criaria problemas insanáveis.

A segunda fonte de ineficiência é a inexistência de agregação de votos, cujos efeitos sobre os partidos são positivos. As estimativas de votos desperdiçados que têm sido apresentadas no debate público exageram enormemente o problema ignorando dois aspectos fundamentais.

Em primeiro lugar, o distritão, se adotado, produzirá uma gigantesca redução no número de candidaturas (dos quase 7.000 candidatos a deputado federal para cerca de 700), o que baratearia provavelmente as campanhas.

Muito provavelmente o número de votos desperdiçados sofreria uma redução proporcional de em torno de 90%, e consequentemente o número de votos desperdiçados seria muito baixo.

Em segundo lugar, a mudança da regra eleitoral também produzirá alteração no comportamento dos eleitores. Eles irão votar apenas em candidatos viáveis e ajustarão seu comportamento estrategicamente. O suposto de que as regras mudarão, mas os eleitores não, focaliza o equilíbrio parcial ignorando o equilíbrio geral do sistema.

Acontece que o distritão não vem sozinho. A proposta também inclui o megafundo eleitoral e cláusula de desempenho. Combinados, os seus efeitos são a fórmula perfeita para garantir a perpetuação dos atuais titulares dos cargos.
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Marcus Melo é professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

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