Após longa recessão, a economia brasileira começa o ano com quase todos os fatores apontando para uma boa recuperação, com exceção de um: o ambiente político. Dificilmente as turbulências, inevitáveis naquela que tende a ser uma das mais imprevisíveis campanhas presidenciais, poderão colocar a retomada em marcha ré. O cenário externo pode ter esse poder, caso o gradualismo da alta dos juros nos EUA seja desviado de sua rota pelo pacote de estímulos fiscais de Donald Trump e por fatores geopolíticos. Não há sinais importantes de que a probabilidade de o Fed mudar logo de posição seja significativa.
O ano novo, segundo o boletim Focus, promete inflação comedida (3,96%), PIB crescendo a 2,68%, taxa de juros básica estacionada em 6,75%, investimentos externos diretos com o mesmo ritmo (US$ 80 bilhões) e saldo da balança comercial em queda, mas ainda enorme (US$ 52,5 bilhões), com déficit em conta corrente ainda pequeno. A taxa de desemprego, pelas estimativas privadas, recuará mais um pouco e a melhoria gradativa no salário real deve persistir, dando sustentação ao consumo das famílias, que impulsiona a recuperação.
O motivo maior de desarrumação e risco para a economia são as contas públicas, para as quais não há solução de médio prazo antes das eleições - e nem depois, dependendo do vencedor. Há chance muito pequena de que a reforma da previdência seja aprovada em março, mais desfigurada. Alguns dos principais atores, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), querem favorecer quem ingressou no serviço público antes de 2003, impedindo que a reforma proposta restrinja um pouco algumas de suas injustificáveis regalias, como aposentadoria pelo salário integral, com direito à equiparação com os da ativa. Nada muda no ano, com ou sem a reforma, pois seu efeito de curto prazo é pequeno, embora decisivo no longo prazo.
As incertezas políticas darão o tom. Do Congresso pode-se esperar a letargia regulamentar em ano eleitoral, agravada pelos estímulos adicionais que os parlamentares têm este ano para se lançar com afinco às urnas - a Lava-Jato no encalço e o fim do foro privilegiado que a derrota acarretará.
Com isso, o ativismo do Executivo deve perder tônus. A base governista poderá se desagregar de alguma forma diante da proximidade da disputa eleitoral. A hesitação de Rodrigo Maia em se candidatar e levar o DEM a um rompimento manso com o governo e as insatisfações que surgem aqui e lá com a possível candidatura do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, são presságios de desconcertos e sinais de que talvez o governo Temer tenha chegado ao auge de sua produtividade em 2017. Esse esgarçamento da base, por outro lado, pode elevar o custo das barganhas pela aprovação de projetos do Executivo, o que não traz bons augúrios para o controle das contas públicas.
Até agora, o Planalto não tem o fio condutor da narrativa da sucessão, como teve desde Fernando Henrique, nem criou um polo de referência atraente para a nebulosa de partidos que estavam aglutinados por interesse ao redor do poder. PSDB e DEM, os aliados do PMDB na sustentação de Temer, podem deixar de ter esse papel por cálculo eleitoral. Essas legendas e o governo tateiam um terreno movediço também por um motivo básico: não se sabe contra quem se baterão. O destino de Lula, que dá o norte do pleito, não está definido e pode não estar até outubro.
A situação da economia tende a preponderar sobre clamores éticos na escolha do presidente. Isso favorece um candidato governista, até certo ponto. Da redemocratização até a reeleição de Fernando Henrique, vencer o caos da inflação esteve no centro das preocupações do eleitor. A distribuição de renda e a desigualdade renderam duas vitórias a Lula. Dilma Rousseff desorganizou a economia de tal forma que a volta do crescimento será um feito já visto recentemente, em outra gestão.
O discurso das reformas pode fazer a diferença, mas aí a ética entra de novo em cena. Elas são mais que nunca necessárias, mas seu poder de convencimento decai bastante se forem acenadas por partidários de um governo acossado por acusações de corrupção. A oposição não pode defender com a cara limpa a luta contra a corrupção e rejeita as reformas. Quem poderia unir os dois com chances de vencer ainda não apareceu, nem é certo que apareça.
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