- Valor Econômico
O quadro eleitoral está longe da dar aos investidores garantia de responsabilidade macroeconômica
O humor dos mercados globais em relação às economias emergentes tem piorado nos últimos meses em razão principalmente da normalização da política monetária nos Estados Unidos e do receio das consequências negativas das medidas protecionistas da administração Trump. Ocorre que o fim do chamado "interregno benigno" do cenário externo pega o Brasil de calças curtas, notadamente em razão da fragilidade fiscal e do alto grau incerteza em relação às eleições presidenciais de outubro próximo. Este cenário, agravado pelos erros grosseiros do governo Temer na administração da crise dos caminhoneiros, já prejudica o desempenho da economia brasileira em 2018.
As mudanças no contexto global trazidas pela ação do Fed eram de se esperar. Afinal de contas, cedo ou tarde, a autoridade monetária dos EUA teria que lidar com o fato de que a permanência dos juros em níveis muito baixos traria riscos inflacionários. A necessidade da elevação dos juros acentuou-se pela política fiscal mais expansionista que passou a ser praticada pela administração Trump. Nesse contexto, o debate sobre a política monetária do Fed sempre foi muito mais sobre o "timing" e amplitude da alta de juros, pouca gente acreditando na permanência das taxas em níveis próximos a zero como uma situação sustentável no médio prazo. O próprio Fed, em seus comunicados e em declarações de membros de seu "board", já vinha sinalizando explicitamente na direção da alta de juros.
Os ciclos de expansão e contração da política monetária nos EUA são eventos normais e fazem parte do cenário em que as economias emergentes sempre operam. No passado, o Brasil esteve muito exposto a tais ciclos em razão de seu elevado endividamento externo e do regime de taxas de câmbio fixas, como ocorreu na crise da dívida de 1982. Hoje, com reservas internacionais de US$ 380 bilhões e um regime de flutuação da moeda, o risco de crise cambial causada por mudanças nos juros dos Estados Unidos é praticamente zero. Entretanto, a posição externa mais sólida não imuniza o país das ondas de choque causadas pelos ciclos monetários que afetam o dólar norte-americano, como a situação atual atesta bem.
Contudo, o aspecto mais grave e preocupante do atual cenário externo são as incertezas provocadas pelas iniciativas protecionistas patrocinadas pelo governo Trump que já deflagraram medidas retaliatórias por parte da China, União Europeia e mesmo do Canadá, país tradicionalmente aliado dos EUA e integrante do Nafta. Ninguém aposta quando e como a guerra comercial iniciada por Trump acabará. O que se sabe com certeza é que a economia e o comércio mundial sofrerão impactos negativos, o que é uma péssima notícia para os países emergentes. No caso do Brasil, os mais imediatos impactos são sofridos pelo aumento da aversão de risco entre os investidores globais que fogem em busca de ativos menos arriscados.
Esse cenário internacional crescentemente desfavorável coincide com o agravamento da conjuntura doméstica, tanto em seus aspectos políticos quanto econômicos. Após a delação premiada de Joesley Batista, o consequente enfraquecimento político do governo Temer afastou qualquer possibilidade da adoção de medidas de ajuste estrutural das contas públicas antes das eleições de outubro próximo. Esse fato colocou mais relevo ainda no processo eleitoral, já que não há como procrastinar para além de 2019 a realização de reformas que levem à reversão da trajetória não sustentável de crescimento da dívida pública. Em particular, a reforma da previdência social - que exige elevado capital político - é de fundamental relevo, tendo em vista a tendência de crescimento das despesas com o pagamento de benefícios por razões principalmente demográficas. Cabe ressaltar que se tal tendência não for revertida urgentemente não haverá como sustentar o teto de crescimento da despesa pública fixado por Emenda Constitucional.
Infelizmente, o quadro eleitoral está longe da dar aos investidores alguma garantia mínima de responsabilidade macroeconômica e de iniciativas de reformas no próximo governo. De um lado, as pesquisas eleitorais apontam até aqui alto grau de indefinição, com a maioria dos eleitores não manifestando qualquer preferência entre os pré-candidatos. De outro, alguns dos principais contendores têm posições públicas, atuais ou pretéritas, francamente contrárias às reformas e à responsabilidade macroeconômica.
Com o início da campanha eleitoral, é possível que as incertezas diminuam um pouco, mas a eventual cristalização do favoritismo de candidatos com discursos que flertam com o populismo econômico pode azedar ainda mais o humor dos mercados. Num quadro como este, a economia se desacelera ainda mais e as pressões cambiais se avolumam. Para o Banco Central, é o pior dos mundos para a gestão monetária, pois pode haver o descolamento para cima das expectativas futuras de inflação numa conjuntura de fraca atividade econômica. Neste caso, subir ou não subir os juros será uma escolha de Sofia.
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Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, é ex-presidente do BC e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
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