- O Globo
Estudos mostram que os cidadãos, e não apenas aqui, estão cada vez mais abertos a soluções autoritárias
Tanto a democracia quanto o capitalismo estão postos, não de hoje, em discussão em diversos livros e estudos acadêmicos. Com o surgimento do “capitalismo de Estado”, capitaneado pela China, a relação direta entre democracia e capitalismo já não é mais uma variável tão absoluta quanto parecia nos anos 80 e 90 do século passado.
O caso brasileiro, quando chegamos às vésperas da eleição geral em nível de radicalização política exacerbado e uma perspectiva de o não voto superar o primeiro colocado nas pesquisas, já vinha dando sinais há tempos, e foi objeto de análise do centro de estudos (think tank) independente, baseado em Washington, New America Foundation, em reportagem sobre o declínio da confiança nas instituições políticas no mundo.
Eles focaram a tendência crescente de soluções autoritárias no Brasil. Estudos mostram que os cidadãos, e não apenas aqui, estão cada vez mais abertos a soluções autoritárias. Uma situação considerada perigosa, pois os cidadãos em democracias supostamente estabilizadas mostram-se cada vez mais críticos aos líderes políticos e mais cínicos quanto ao valor da democracia como sistema político.
Há pesquisas que mostram que a democracia era um valor muito mais respeitado entre as gerações mais velhas, ao passo que na geração dos millennials, os que chegaram à fase adulta na virada do século XX para o XXI, apenas 30% nos Estados Unidos consideram que a democracia é um valor absoluto. O mesmo fenômeno é constatado na Europa, em números mais moderados.
A democracia está posta em xeque também pela desigualdade econômica exacerbada em países como o nosso. O economista e acadêmico Edmar Bacha levou a debate na Academia Brasileira de Letras o futuro do capitalismo e da democracia, em função da concentração de renda no topo da pirâmide social e dos avanços do autoritarismo e do populismo mundo afora.
Citou o professor Richard Freeman, do Departamento de Economia de Harvard, que propõe, diante do futuro do emprego e da distribuição de renda face à automação e à inteligência artificial, lidar com a desigualdade de renda gerada pela tecnologia moderna através da participação direta dos trabalhadores no capital das empresas.
Outro livro publicado pela Princeton University Press, denominado “Mercados radicais: desenraizando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa”, do economista da Microsoft e da Universidade de Yale Glen Weyl e do jurista da Universidade de Chicago Eric Posner, trata da desigualdade de maneira mais radical.
Foi motivado pelo contraste que constataram visualmente entre a riqueza do Leblon e a pobreza da Rocinha. Bacha adverte que eles temem que os países industriais também estejam caminhando nesse sentido, numa espécie de Belíndia mundial, numa alusão ao país imaginário que criou nos anos 1980 para ressaltar a desigualdade brasileira, que tem traços de Bélgica com a pobreza da Índia, pedaço este que cresce mais intensamente do que a prosperidade da parte belga de nosso país.
Os economistas propõem no livro superar a propriedade privada tal como a conhecemos, que identificam com o monopólio. Mas eles não propõem o Estado substituir os capitalistas, advertiu Edmar Bacha. “Buscam, sim, dissociar a propriedade privada do mercado, e aí está a grande novidade do livro”. Sua proposta consiste em que os proprietários de bens de capital (terras, máquinas, estruturas) tenham que declarar em registro público os preços desses bens.
Sobre os valores declarados, pagariam um imposto semelhante ao IPTU, a uma taxa média de 7% ao ano. Esse imposto sobre o capital geraria uma arrecadação de cerca de 20% do PIB, suficiente para garantir uma renda básica digna a todos os cidadãos. Mais importante, destaca Bacha: ao preço declarado, qualquer pessoa poderá deles comprar os bens de capital, uma maneira de obrigar os proprietários a declarar o preço honesto dos bens, em vez de desvalorizá-los para pagar menos imposto. Edmar Bacha indica que esse livro, no objetivo de repensarmos o capitalismo, rivaliza com o best-seller de Thomas Piketty, “O capital no século XXI. (Amanhã, o individualismo do cidadão)
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