Embate prometia MMA, mas entregou mais um Telecatch, com candidatos levantando a bola alheia
Igor Gielow | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - O formato de embate direto entre os presidenciáveis prometia melhorar um pouco o grau de sonolência proporcionado pelo debate promovido pela RedeTV! e a revista IstoÉ. Não deu muito certo, os postulantes não buscaram fazer do círculo central um octógono de MMA.
A exceção ocorreu quando Marina Silva (Rede) deixou Jair Bolsonaro (PSL) sem resposta ao usar de sua condição de mulher para criticar as posições do deputado minimizando a desigualdade de oportunidade no mercado de trabalho. Ela o encurralou fisicamente, aproximando-se do candidato.
Ela ainda engatou uma réplica no campo em que o candidato transita, o dos evangélicos pentecostais, e buscou pespegar-lhe a pecha de intolerante com um questionamento maternal, falando de crianças. Isso mira apoiadores menos firmes de Bolsonaro; se funcionará quando explorado à frente, é outro ponto.
No geral, foi apresentado mais um ringue do Telecatch, o mítico programa de TV de lutas coreografadas do fim dos anos 1960. Ou seja, marmelada em perguntas sem agressividade e destinadas a dar o máximo de tempo para ambos os presentes a expressarem o que consideram planos.
Uma variante para adicionar colorido ao evento foi, como no debate da Bandeirantes na semana passada, a presença de Cabo Daciolo (Patriota). O candidato encarnou um pastor, com uma bíblia na mão e tudo, enunciando a palavra do Senhor praticamente a cada intervenção.
Daciolo é o resumo desse modelo de debate numa eleição fragmentada: apenas o histrionismo corta o bocejo, mas leva a questionamentos sérios sobre os limites da legislação que rege os debates. Oito candidatos não discutem, fazem autoelogios —ou pregação nonsense, no caso de Daciolo, talvez com a única exceção: quando disse que "tudo era um teatro".
O irmão ideológico mais velho de Daciolo, Bolsonaro, teve um desempenho pior do que o zero a zero da semana passada. Além do episódio com Marina, enrolou-se ao falar de orçamento, demonstrando insegurança ao apelar aos indefectíveis "meus economistas". Como na Bandeirantes, falou o que seus apoiadores fiéis e detratores queriam ouvir. Mais do mesmo.
Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) fizeram um ensaio de duelo sobre cobrança de impostos estaduais —um avanço na teoria, assim como uma certa prevalência de temas econômicos, mas expressado de forma ininteligível para o espectador.
No mais, ambos levantaram a bola um para o outro em diversas oportunidades. Cenas para serem exibidas, com o tom professoral, no horário eleitoral que começa no próximo dia 31.
Marina e Alvaro Dias (Podemos) fizeram a outra dobradinha propositiva da noite. Ambos estavam mais soltos do que na semana passada, falando de forma mais articulada. Marina também fez uma troca de amabilidades com Ciro, ambos ex-ministros do governo Lula que são.
De seu lado, Dias foi feliz também ao colar em Alckmin a imagem negativa de sua aliança com o centrão. O tucano, por sua vez, abandonou a defesa da necessidade de coalizão e insistiu na necessidade de uma reforma política, prova de que a vacina testada no primeiro debate não foi considerada eficaz em análise de sua equipe.
Também melhorou o desempenho Henrique Meirelles (MDB), embora o trabalho no campo da dicção e da clareza ainda esteja longe de resolver a questão. E colocá-lo na posição de inquisidor contra Bolsonaro, falando sobre direitos femininos, não funciona: o deputado usou o ex-ministro como escada. Marina foi muito mais incisiva, por motivos mais ou menos óbvios.
Meirelles protagonizou uma suave altercação com Guilherme Boulos, trocando ironias e sorrisos no centro do palco. O candidato do PSOL, aliás, abandonou a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que marcou sua apresentação na Bandeirantes. Apenas protestou, antes do começo do debate, pela ausência do púlpito vazio de Lula.
O petista, largamente ausente no debate anterior, foi citado aqui e ali. Reflexo da exposição que o registro de sua virtualmente inviável candidatura teve nos últimos dias. O alvo ali não era Lula, e sim Fernando Haddad, o poste indicado para tomar o lugar do ex-presidente.
As apresentações iniciais, que respondiam sem responder a perguntas atribuídas ao público, e as considerações finais apenas reforçaram o que cada candidato quer colar como sua marca. Alckmin, o preparado. Bolsonaro, a ruptura. Ciro, o homem do SPC. Dias, o defensor da Lava Jato. Marina, a compassiva. E por aí foi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário