O primeiro acordo da Argentina com o Fundo Monetário Internacional não durou um par de meses. O segundo, anunciado ontem, pode durar mais, à custa de uma recessão severa e de uma drástica redução da margem de manobra da equipe econômica do governo de Mauricio Macri. Em 2019 haverá eleições presidenciais e o duro plano acertado com o FMI, se não produzir resultados rapidamente - o que não é certo - pode significar o beijo da morte nas pretensões de Macri de permanecer na Casa Rosada.
A Argentina se enredou em tal encrenca, por herança da política econômica dos Kirchner e por novos erros genuínos da gestão de Macri, que o Fundo recomendou que sua política monetária viajasse pelo túnel do tempo: volta-se à era do controle dos agregados monetários, abandonada por muitos países em prol das metas de inflação.
O eixo do acordo é o controle monetário. A base monetária (dinheiro em poder do público mais depósitos dos bancos no Banco Central) não poderá crescer nada, nas médias mensais, de 1 de outubro até junho do ano que vem. A grosso modo, isso significa que o governo não poderá mais emitir pesos, nem monetizar déficits fiscais, como fez até junho, e terá de controlar a oferta manejando compulsórios bancários. O BCA calibrará a taxa de juros com Letras de Liquidez, de curto prazo, com as quais os bancos tomam dinheiro entre si e ajustam suas posições.
Para se ter ideia da magnitude da tarefa, a base monetária cresceu 36,6% em 2017 e neste ano, até agosto, 21,9%. A inflação disparou, com estimativas para o ano na casa dos 40%. Pelo acordo com o FMI, a taxa de juros de curto prazo terá de ser mantida em 60%, de longe a mais alta do mundo, até que a expectativa de inflação em doze meses recue por pelo menos dois meses consecutivos.
Como o Tesouro não poderá mais se financiar em pesos, terá de reduzir a zero seu déficit fiscal - outro dos pontos do acordo. O governo argentino se comprometeu a antecipar sua meta de déficit primário zero para 2019 (ele ronda hoje 3% do PIB) e também a de superávit nas contas para 2020. Não se conhecem os detalhes das novas metas, mas obviamente serão mais duras que as já acordadas. Os subsídios à energia terão de cair bastante, da mesma forma que o enxugamento da máquina pública e o corte de 50% nos investimentos públicos terão de ser ampliados.
Outro ponto fundamental do acordo é a nova política para intervenções cambiais. Durante as negociações com o Fundo ela fez a primeira vítima, o então presidente do BC, Luis Caputo, que defendia direção contrária à que prevaleceu. Caputo pregava intervenções diretas, uma posição curiosa diante de reservas insuficientes. O FMI, por outro lado, amarrou as mãos do BC argentino, ao colocar como princípio a livre flutuação e aceitar um sistema de banda, cujo piso (34 pesos) e teto (44 pesos) serão corrigidos 3% a cada mês. O teto hoje é 10% superior à cotação do dia, de 40,6 pesos, e o piso, 15% inferior. Caso o teto seja atingido, o BC poderá usar US$ 150 milhões diários para tentar trazer a moeda de volta aos limites. Os pesos obtidos com as vendas de dólar terão de ser retirados de circulação.
O pressuposto, porém, é o de que intervenções massivas não serão necessárias. As necessidades de financiamento externo foram equacionadas com o grande adiantamento dos desembolsos do FMI em relação ao estipulado no natimorto acordo anterior. A Argentina receberá, além dos US$ 15 bilhões já usados, mais US$ 13,4 bilhões, e em 2019, US$ 22,8 bilhões, de um total, até 2021, de US$ 57,1 bilhões. Ou, visto de outra forma, US$ 51 bilhões ingressarão no país até que Macri enfrente as urnas, em outubro do ano que vem.
O FMI garantiu, assim, que a Argentina não entrará em default pelo menos até 2020. Com juros abissais, tenta-se atrair de volta os pesos que migraram para o dólar, a maior parte de investidores domésticos. A rigor, porém, a Argentina não tem moeda, sendo o dólar meio de poupança e refúgio popular aos primeiros vestígios de descontrole da inflação.
Macri fez uma dura aposta contra o tempo, até quebrando paradigmas liberais - por exemplo, no que segue a tradição argentina, acabando com a relativa autonomia que o BC deveria ter. A oposição elevou o tom dos protestos e está a vista forte recessão que, aos olhos populares, vem sob a chancela do malsinado FMI. O governo espera que a inflação mostre quedas significativas e sustentáveis no início de 2019, o que lhe permitiria livrar-se aos poucos do aperto até as eleições. Se não der certo, porém, Macri não só não se reelegerá, como poderá sequer terminar seu governo.
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