- Folha de S. Paulo
Nomes maiores da campanha levam enquadradas. Mas qual é o programa, afinal?
Militar padrão detesta indisciplina e desleixo. No entanto, a campanha de um capitão candidato a presidente que tem como vice um general é uma série de insubordinações, enquadradas à matroca.
Militar gosta de planejamento. O programa de governo de Jair Bolsonaro, ao menos na economia, ainda parece um conjunto esvaziado por negativas, cala-bocas que o candidato publica em forma de tuítes.
Se não se trata de insubordinação, se os assessores não tomam liberdades indevidas ao divulgar planos de governo, Bolsonaro então ignoraria o programa que seus ajudantes de ordem elaboram em sua cozinha de campanha?
Não é pergunta retórica.
Considere-se a negativa das ideias aventadas pelo seu chefe da Casa Civil, digamos, Paulo Guedes, o responsável pelo programa econômico.
Considere-se a traulitada que levou nesta quinta-feira (27) o chefe da Casa Militar e vice de Bolsonaro, Hamilton Mourão, que coordena os trabalhos de um grupo de generais engajados na campanha.
Em palestra para lojistas de Uruguaiana (RS), Mourão criticou o 13º salário e o adicional de férias, embora não tenha afirmado que Bolsonaro pretenda dar cabo disso. Mas o general disse muito mais e, também, muito menos.
Mourão disse que parte da contenção de despesas do governo virá de alguma “renegociação dos juros da dívida pública”, o que costumava ser um plano da “esquerda jurássica”.
Disse que alguma espécie de CPMF está mesmo em discussão. Também impressionante, nada disse sobre reforma da Previdência.
Bolsonaro negou que seu governo vá elevar impostos por meio de uma CPMF. Mas nem era essa a ideia. O plano era ou é substituir vários impostos por uma CPMF gigante.
O candidato passou a impressão de que não sabia do que se tratava. Dias depois, disse que pediria a Guedes planos de reduzir impostos, o que deixaria o governo ainda mais quebrado.
No discurso de Uruguaiana, Mourão voltou a dizer que, apesar de ter problemas (é um tributo em cascata), a CPMF de seu governo substituiria vários impostos.
Disse ainda que vão acabar, aos poucos, as isenções fiscais (na prática, é aumento de carga tributária); que todo mundo passaria a pagar imposto, mas “pagando menos” (o que lembra propostas de Guedes de criar alíquota única de Imposto de Renda).
Mourão se confunde com alguns assuntos econômicos, como ficou claro na palestra para os lojistas. É compreensível. Mas certas confusões podem causar tumulto, ainda mais em país quebrado como o Brasil.
Seria apenas amadorismo a ideia de “renegociar os juros da dívida pública”? Ele sabe do que está falando?
Isso soa a calote.
Quando o PT sugeria tal coisa, no início dos anos 2000, punha o capital para correr do Brasil. Sim, parece tudo implausível, ainda mais em se tratando de uma campanha em que o tutor econômico foi banqueiro, que está coalhada de ultraliberais e que vem sendo adotada em massa pelos credores do governo, boa parte do “mercado”.
Talvez a Casa Militar não converse com a Casa Civil de Bolsonaro, o que não inspira confiança na arrumação do governo —para não dizer logo que soa como zorra total.
“Renegociar juros” parece maluco ou apenas erro crasso e bruto, está certo. Mas o governo da salada liberal de Fernando Collor confiscou até o dinheiro que estava parado na conta-corrente dos cidadãos, em 1990, assim que tomou posse.
Quem deu uma espécie de calote foi a direita, não a esquerda.
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