Também não precisa de bravatas, mas de engajamento e participação da sociedade
No rescaldo do incêndio que destruiu o Museu Nacional e, consequentemente, um dos acervos históricos e naturais mais importantes do mundo, transcorre um amplo debate que tem o condão de iluminar o problema da gestão, no Brasil, de instituições como esta, que, por diferentes razões, se encontram vinculadas a entidades que não têm dentro de sua missão principal a sua administração —situação agravada pelas diversas amarras dos regramentos excessivos ou da própria burocracia pública.
O museu da Quinta da Boa Vista, como também era conhecido, padece de um dualismo. Está subordinado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), muito acertadamente, por ser inequivocamente um braço da academia, voltado ao ensino, estudo e pesquisa. Mas também se constitui num espaço cultural, aberto a grandes fluxos de visitação, de guarda de diversas memória sede produção de exposições as mais variadas—em torno da história do país. Trata-se de um acervo que começou a ser reunido pela família real, de registros de etnias representativas dos mais diversos aspectos da identidade brasileira e assim por diante. Tudo isso abrigado num prédio histórico, tombado pelos órgãos de patrimônio público. Um contexto que exige uma gestão especializada e vocacionada para sua boa operação, seja esta gestão vinculada a entes públicos com o perfil adequado como o Iphan ou outros no âmbito estadual ou municipal, ou mesmo instituições da sociedade civil sem fins lucrativos, vide o caso das Organizações Sociais da Cultura, com bons exemplos em vários lugares do país.
Não se tem dúvida de que a má administração do museu propriamente dito vem ocorrendo há um longo tempo, fruto da baixa prioridade com que suas diversas necessidades foram consideradas frente ao conjunto de outros interesses e demandas próprias da UFRJ, como uma universidade, independentemente do viés ideológico de sua administração. Cabe destacar ser indiscutível e, ao mesmo tempo inaceitável, a prevenção ou preconceito contra outros organismos da sociedade civil e da própria iniciativa privada, interessados eventualmente em colaborar. Aspecto que não contribui para a constituição de uma ampla aliança em torno da reconstrução deste magnífico museu brasileiro, também patrimônio do mundo. Um exemplo a ser lembrado é odos egípcios, logo após a perda da Biblioteca de Alexandria, quando conseguiram engajar líderes de todo o mundo e congregá-los num comitê liderado por François Mitterrand, coma liderança técnica da Unesco e de vários outros atores de diferentes segmentos e pensamentos.
Os escombros ainda fumegavam, quando o governo federal criou a Agência Brasileira de Museus (Abram), para assumir as funções administrativas do Instituto Brasileiro de Museus, incorporando suas funções e equipes. No caso da Quinta da Boa Vista, vai colaborar na reconstrução do Museu Nacional, enfrentando um intenso embate com a UFRJ, que insiste em se colocar acima de todos os demais envolvidos ou potenciais parceiros como a única gestora deste equipamento que é patrimônio brasileiro e mundial, cabe lembrar. Não parece a melhor alternativa.
Afinal, museus requerem uma administração especializada, não encontrada em universidades. A situação piora quando as finanças dos estabelecimentos públicos de ensino também enfrentam dificuldades, devido à crise fiscal do Estado. Ora, grande parte do orçamento da UFRJ (87% este ano) está comprometida com salários. Não há dinheiro suficiente para investimentos. Inexiste alternativa a não ser a busca de recursos públicos e privados, fora do espaço da universidade. Se o entendimento é que cabe apenas ao Estado cuidar deste patrimônio, novas catástrofes virão.
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