Entre os vários riscos envolvidos na anunciada ida do juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça do futuro governo Bolsonaro está uma possível confusão entre o juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba e a Operação Lava Jato. Quem vai para o Ministério da Justiça é o juiz Sergio Moro, não a Lava Jato.
A Lava Jato é uma operação investigativa e judicial - e foi dentro do respeito a esse âmbito que ela conseguiu produzir seus melhores resultados. Ao longo dos últimos anos, o juiz Sergio Moro foi um árduo defensor do caráter judicial, e não político, da Lava Jato. Reconhecendo as limitações do trabalho da Justiça - “toda justiça humana é imperfeita”, disse no ano passado -, Sergio Moro frisava que a eficácia da função judicial está justamente em respeitar os limites legais. Admitindo a possibilidade de divergências, a resposta do juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba a eventuais críticas era sempre relembrar o fundamento legal de suas decisões.
Não poucas vezes, as manifestações públicas de Moro foram em sentido contrário às pretensões de membros do Ministério Público, que queriam converter a Lava Jato num movimento político. No ano passado, por exemplo, o procurador Deltan Dallagnol, ao comentar a proposta das Dez Medidas Anticorrupção, disse que “a estratégia agora não é mais coletar assinaturas, mas escolher senadores e deputados que tenham passado limpo, espírito democrático, e apoiem o combate à corrupção”. Sergio Moro manteve-se noutra esfera de atuação.
Não há motivo para que, agora, as coisas sejam diferentes. Sergio Moro anunciou uma mudança de posição - sua saída do Judiciário para assumir um cargo do Executivo -, mas a Lava Jato continua sendo uma operação investigativa e judicial, que, como toda outra operação dessa natureza, deve ter início, meio e fim. É necessário que Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário deem o devido encaminhamento à operação, arquivando o que deve ser arquivado, oferecendo denúncia quando for o caso e julgando os processos em tempo hábil, como era a praxe do juiz Sergio Moro.
Ao assumir o Ministério da Justiça, Sergio Moro deixa a Lava Jato. A Lava Jato não o acompanha. Caso isso ocorresse, haveria uma nefasta confusão de esferas institucionais, desmerecendo o trabalho da força-tarefa, como se fosse atividade exclusivamente pessoal de um juiz.
O Estado informou que Sergio Moro pretenderia levar alguns integrantes da força-tarefa da Lava Jato para o Ministério da Justiça. Estudaria convidar funcionários da Polícia Federal e da Receita Federal para compor sua futura equipe. Vale lembrar que, precisamente para respeitar os âmbitos institucionais de cada Poder, muitos desses funcionários, especialmente os procuradores, teriam de pedir, antes, a exoneração de suas funções para que possam trabalhar no Ministério da Justiça.
Longe de ser mero trâmite burocrático, essa medida é exigência do Estado Democrático de Direito, que delimita as esferas de atuação e estabelece competências específicas para cada função. Por isso, o juiz Sergio Moro tem também de se desligar definitivamente da função judicial para que possa assumir o Ministério da Justiça no governo Bolsonaro.
Não se pode confundir a “agenda anticorrupção e anticrime”, prometida por Moro após ter aceitado o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro, com uma próxima etapa da Lava Jato. São coisas essencialmente diferentes, cada uma com suas regras, procedimentos, objetivos e prazos específicos. Misturá-las seria roubar a eficiência que, cada uma, no seu âmbito, pode e deve ter. No caso da Lava Jato, isso representaria também adiar indefinidamente a sua conclusão - o que, para qualquer operação investigativa, é sinônimo de falta de foco, condução inábil e desvio de objetivos.
O trabalho de qualquer ministro da Justiça em prol de um ambiente público com menos corrupção e impunidade é muito diferente do ofício de titular de uma Vara Federal. No Judiciário, Moro exerceu com exímia competência e diligência seu trabalho, mas agora terá uma tarefa completamente diferente. Para ser bem-sucedido na empreitada, é essencial reconhecer essa abissal diferença, começando por não trazer a Lava Jato para o mundo da política partidária, pois é bom não esquecer que o titular de qualquer pasta será representante de um governo eleito e composto por partidos.
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