Por Cristian Klein | Valor Econômico
RIO - Nem tanto por Jair Bolsonaro — mas também por causa do perfil do presidente eleito — as perspectivas de um governo federal eficiente, com capacidade de aprovar reformas e retomar o crescimento, nos próximos quatro anos, são baixas. É o que prevê o cientista político Octavio Amorim Neto, professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV-Rio). Autor de trabalhos com repercussão e influência internacional, Amorim é um especialista na elaboração de cenários políticos. Afirma que o mais provável é que Bolsonaro enfrente muitas dificuldades, sobretudo porque terá que encontrar saídas para a crise econômica — fazer ajuste fiscal, reduzir a dívida pública, gerar empregos e manter a popularidade — ao mesmo tempo em que uma nova lógica partidária precisa ser reconstruída, depois da ‘tsunami’ que erodiu o poder dos centristas PSDB e MDB nas urnas. “Se fazer reformas e ajuste é dificílimo num sistema partidário estável — como foi em Portugal e Espanha — imagina num sistema partidário em decomposição ou em reconfiguração”, diz.
Amorim vê como urgente a necessidade de se retomar o que chama de “dinâmica centrípeta” da política nacional, que vigorou entre 1994 e 2013, dando maiorias estáveis seja a governos tucanos ou petistas. Não apenas faltará ao presidente eleito esse ambiente, afirma, como a ascensão do PSL e do bolsonarismo traz à tona representantes mais radicais, que reforçam as tendências centrífugas, polarizadas.
O cientista político ressalva que sua análise se baseia em informações preliminares, mas que dão ordem ao caos de uma conjuntura em que militantes do PSDB aplaudem o nome do ex-ator pornô Alexandre Frota, eleito deputado federal pelo PSL, mas não o fazem para um estadista como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “É absolutamente deprimente. Essa é a nova política brasileira”.
É nesse contexto que Amorim afirma que, por um lado, a indicação do juiz federal Sérgio Moro para o Ministério da Justiça é uma “manobra de deflexão muito bem feita” por Bolsonaro, que o terá como para-raio para se proteger do desgaste com escândalos de corrupção. Por outro lado, a nomeação do magistrado acusado pelo PT de perseguir o ex-presidente Lula, preso em Curitiba, eleva a temperatura em vez de reduzi-la e atrapalha a retomada da dinâmica centrípeta. Pode ainda ter efeito negativo sobre o apoio de parlamentares, suspeitos de corrupção, às reformas, como a da Previdência. “O deputado ou senador acuado não quer fazer marola”, diz.
Amorim acha menos provável tanto o cenário otimista — em que Bolsonaro seria “domesticado” por uma centro-direita majoritária que interaja com a oposição de centro-esquerda — quanto o horizonte mais temido. Neste, Bolsonaro teria um governo minoritário, com paralisia decisória e abriria margem para um processo de queda presidencial ou de ruptura institucional, com apoio das Forças Armadas, ainda que sem se configurar num novo regime militar. “Dizer que há risco zero para a democracia é um erro analítico. A quebra de regime aconteceria caso Bolsonaro não aceite cair como os outros presidentes e aí, como ele tem apoiadores muito radicais no seu movimento bolsonarista, ninguém sabe o que pode acontecer”, diz.
O mais provável seria o cenário intermediário: “Um governo dividido, fraco, caótico e com a presença de militares, mesmo da reserva, em vários ministérios”, afirma Amorim, para quem a militarização de postos-chaves no primeiro escalão é preocupante, pois retrocede o longo processo de controle dos militares pelos civis. “É uma condição fundamental, um dos pilares da democracia. Algo que vinha nos aproximando do padrão das democracias mais maduras. O risco é de termos uma progressiva perda de qualidade democrática”, alerta.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Valor:
Valor: Qual é o efeito da presença de Sérgio Moro no governo Bolsonaro?
Octavio Amorim Neto: Moro vai ser um excelente para-raio para o Bolsonaro, de duas maneiras: a responsabilidade do combate à corrupção, agora, está toda nas mãos do Moro. [Em] Qualquer erro, o Bolsonaro vai dizer: ‘Olha, fiz o melhor que pude’. Também é um para-raio para a reação do PT. Porque o PT agora vai para cima do Moro, e o Bolsonaro pode ficar um pouco de fora do radar do PT — um pouco. Porque, dado que foi o Moro que mandou Lula e outros petistas para a cadeia, o PT vai dizer que aquelas acusações que se faziam de que o Moro tinha um lado político eram corretas. A aceitação do Moro [ao convite] corrobora a acusação de que tinha um lado e agia politicamente.
Valor: A indicação de Moro por Bolsonaro o surpreendeu?
Octavio Amorim Neto: O convite, não. O que surpreendeu foi a aceitação pelo Moro. Para Bolsonaro no curto prazo é só ganho. Isso mostra que o Moro é muito ambicioso, muito vaidoso, e de que está disposto a ir para a política. O Moro disse em entrevistas que jamais iria para a política. O ministro da Justiça é um dos principais membros do primeiro escalão do Executivo federal. A atividade é essencialmente política.
Valor: Tornou-se parte de um grupo político.
Octavio Amorim Neto: Claro, e de um grupo político que não é centrista, amorfo, pelo contrário. O governo é de direita. Todo mundo sabe, até Steve Bannon [ex-conselheiro do presidente americano Donald Trump] reconhece isso. Então, o Moro sabe muito bem das consequências da sua decisão. Ainda assim aceitou. Mas para Bolsonaro e seu grupo, ele é um excelente para-raio. Além disso, colaboradores próximos dizem que já tem um candidato a sucessão. É uma manobra de deflexão muito bem feita.
Valor: Não reforça o clima de polarização?
Octavio Amorim Neto: Faltou um toque de sabedoria política [a Moro]. Jamais esperava que ele aceitasse. Joga mais lenha na fogueira, de um país polarizado. Isso pode ser lido como uma declaração de guerra ao PT. E o PT vai ter que responder. É muito complicado. Agora, é da natureza de um governo populista. Conhecemos isso da nossa história e dos nossos vizinhos sul-americanos. O populismo viceja, no curto e no médio prazo, com a polarização, com a radicalização. No longo prazo, isso é autodestrutivo, como a Venezuela mostra.
Valor: É possível um governo de quatro anos sem escândalo de corrupção?
Octavio Amorim Neto: Isso não existe na história do Brasil, desde 1985. A responsabilidade é enorme, mas a eleição foi vencida em cima dessa bandeira. Não sou contra o combate à corrupção. A questão é: combate à corrupção jamais é programa de governo. Na história brasileira, quem ascende politicamente em nome do combate à corrupção termina tragicamente: Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Fernando Collor, PT. Qualquer erro nessa área será devastador porque isso vai ao âmago da identidade do bolsonarismo. Se qualquer ministro dele for pego em escândalo de corrupção e ele não agir imediatamente, ele vai entrar nos mesmos dilemas de Dilma e de Collor. O eleitorado está com a faca entre os dentes, dinamitou o sistema partidário e continua sedento de sangue.
Valor: Qual é o efeito da presença de Moro no governo para as relações entre Executivo e Legislativo?
Octavio Amorim Neto: O problema é que quem tem problema com a Justiça e tem mandato parlamentar vai ficar mais preocupado e acaba adotando uma atitude muito mais defensiva não apenas em relação ao combate à corrupção mas a várias outras políticas em geral. O deputado ou senador acuado ele não quer fazer marola. Essa é uma das razões pelas quais foi muito difícil para a centro-direita majoritária que ainda apoia o Temer aprovar a reforma da Previdência. Já havia uma série deputados, parlamentares, ministros e o próprio presidente envolvidos em escândalo de corrupção, e este grupo que tinha maioria no Congresso não se sentiu à vontade para dar mais uma chacoalhada na sociedade — positiva, com a reforma da Previdência. [Moro como ministro] É negativo [para as reformas] a depender do tamanho, da relevância do grupo de parlamentares que se sente ameaçado pela Justiça e pela campanha de combate à corrupção.
Valor: Como vê o país sob a administração de Bolsonaro?
Octavio Amorim Neto: O governo Bolsonaro é uma enorme incógnita. O futuro no curto e médio prazo no Brasil está totalmente em aberto. Os parâmetros que haviam presidido a vida política no país nos últimos 20, 25 anos, foram destruídos, isso é gravíssimo! Continuamos com a crise econômica — temos um problema de dívida pública e crise fiscal seríissimo — e no meio disso vamos reconfigurar o sistema partidário. A tarefa vai ser muito difícil no próximo quadriênio! Se fazer ajuste fiscal, aprovar reforma da Previdência, reduzir dívida pública é dificílimo num sistema partidário estável — como foi o caso de Portugal, Espanha — imagina num sistema partidário em decomposição ou em reconfiguração.
Valor: Que parâmetros foram destruídos?
Octavio Amorim Neto: Me surpreendi com a intensidade e a profundidade da mudança. Ela varreu o território nacional. O que aconteceu no Congresso, nos governos estaduais e na ascensão do PSL são absolutamente impressionantes. Há o desabamento do PSDB, que deixou de ser um dos pilares do sistema partidário presidencial, além do substancial enfraquecimento do PT. Havia parâmetros como a eleição presidencial ser monopolizada por PT e PSDB; que depois eles teriam que negociar com os outros partidos, sobretudo o MDB, a formação de uma maioria no Congresso; que havia uma série de instrumentos que facilitavam esse tipo de negociação política, a começar pelos ministérios, a utilização do Orçamento da União...
Valor: Os meios de troca ainda existem...
Octavio Amorim Neto: Sim, mas foi totalmente desmoralizado ao longo dos últimos anos, tanto é que Bolsonaro em seu discurso de vitória, e em outros também, disse que os ministérios não seriam preenchidos por nomeações políticas, mas por nomeações técnicas, o que cria um enorme dilema para ele.
Valor: Além da promessa de um perfil tecnocrata, o ministério terá a presença de militares que compuseram um dos núcleos importantes da equipe de campanha.
Octavio Amorim Neto: A militarização do governo, ou seja, a nomeação de uma série de oficiais, mesmo da reserva, para um número considerável de ministérios importantes — Transportes, Infraestrutura, Defesa — é preocupante, por duas razões. Primeira, porque isso, de maneira informal, significa incremento do poder político das Forças Armadas. E, no nosso processo de democratização, foi muito lento o estabelecimento do controle dos militares pelos civis. Basta lembrar que o Brasil só veio a criar seu Ministério da Defesa em 1999. Durante 14 anos, já sob a Nova República, tínhamos os tradicionais ministros do Exército, na Marinha e da Aeronáutica. O Brasil era um dos pouquíssimos países do mundo que ainda não tinham um ministério da Defesa. O que me impressiona é que no debate político as pessoas têm medo das Forças Armadas e as associam ao regime militar. Não vai haver regime militar de novo.
Valor: Qual é o risco então?
Octavio Amorim Neto: A grande questão diz respeito a um dos pilares da democracia. Uma condição fundamental para a democracia é o controle dos militares pelos civis. Algo que vinha sendo atingido de maneira muito hábil, ainda que lentamente, nos aproximando do padrão das democracias mais maduras, o de completa subordinação dos militares à autoridade civil. A tal ponto que a partir da promulgação da Lei da Nova Defesa, em agosto de 2010, a elaboração da política de Defesa passou a ter uma presença fortíssima dos civis, coisa que não havia tido antes na história da República. Sem esquecer que em 2008 foi publicada a Estratégia Nacional de Defesa (END). É um pilar fundamental no processo de consolidação democrática. Foi um grande avanço, que agora está sob risco. Porque, afinal, quem vai ser o ministro da Defesa é um general de quatro estrelas.
Valor: Ainda que sem a volta de um regime militar, qual são os perigos?
Octavio Amorim Neto: O risco é a degradação da democracia, de termos uma progressiva perda de qualidade democrática. Nós termos um regime democrático de muito baixo nível. As eleições não vão acabar, são uma tradição nacional, desde a época da Colônia. Mas há um risco real de ruptura institucional.
Valor: De que tipo?
Octavio Amorim Neto: O futuro brasileiro, no curto e no médio prazo, está completamente aberto. Isso gera uma incerteza enorme, que não experimentamos há muito tempo. O Brasil até recentemente era tido como uma história de sucesso. Havia parâmetros estáveis regendo a vida política do país. Havia uma alta fragmentação partidária, mas havia uma concentração muito grande no plano presidencial, com a competição entre PT e PSDB, um de centro-direita, outro de centro-esquerda. O que existiu entre 1994 e 2013? Havia uma dinâmica centrípeta na competição política, e aí, nesses últimos cinco anos, passamos a ter uma dinâmica centrífuga. O risco é continuarmos isso. Porque só vai haver um governo Bolsonaro estabilizado, normalizado, domesticado, se ele, em interação com a oposição, forem capazes de gerar uma dinâmica centrípeta.
Valor: O perfil de Bolsonaro favorece essa dinâmica?
Octavio Amorim Neto: Bolsonaro tem que entender isso. Porém, Bolsonaro é uma novidade radical. Apesar de estar no Congresso há 28 anos, sempre foi do baixo clero, nunca deu as cartas na vida política do país e aprendeu a ganhar com o discurso o mais radical possível, gerando a dinâmica centrífuga. Nesse sentido, se a centro-direita se organizar num bloco em torno do presidente eleito, terá um papel não apenas de apoiar, mas de controlar e moderar o Bolsonaro. Um cenário positivo então é esse, uma centro-direita majoritária, que interaja com a oposição de centro-esquerda, e outras instituições ajudando a moderar o Bolsonaro: o STF, o próprio alto comando do Exército e também a participação da sociedade civil, dos movimentos sociais, não no sentido de abdicar de suas críticas a Bolsonaro, mas de recuperar a dinâmica centrípeta, que foi totalmente perdida. Ela contribuiu para aqueles 20 anos virtuosos, que deram ao país coisas que nós nunca havíamos tido juntas antes: democracia, inclusão social, crescimento econômico, prestígio internacional sem precedente, foi tudo perdido muito rapidamente. O cenário otimista é esse, o Bolsonaro domesticado.
Valor: Como recriar essa dinâmica?
Octavio Amorim Neto: O passo do PSL de abdicar de demandar a presidência da Câmara e aceitar a recondução de Rodrigo Maia é correto. O processo vai exigir excelentes líderes políticos, gente que conhece o Congresso por dentro, e para a nossa tragédia esse pessoal foi derrotado. Chega um grupo novo de parlamentares, ávidos por poder, influência, atenção. Será que vão se concentrar nesse trabalho de criação de uma nova maioria de centro-direita, dentro dos parâmetros constitucionais? As pessoas estao pessimistas porque as condições que devem ser satisfeitas para que o cenário otimista se materialize são muito exigentes. É Bolsonaro aceitar jogar o velho jogo do presidencialismo de coalizão que ele tanto denegriu ao longo dos últimos dois anos.
Valor: O PSL não tem esse perfil moderado, como tinha o PSDB.
Octavio Amorim Neto: Veja o estilo dos filhos de Bolsonaro. O rapaz [o filho mais novo, Eduardo, deputado reeleito com votação recorde] que falou aquilo sobre o STF, de que “não precisa mandar um jipe, manda um cabo e um soldado”. Aquilo foi um desastre. É o oposto de uma dinâmica centrípeta, significa partir para uma ofensiva, sobre as instituições estabelecidas. O risco é esse: . não apenas o Bolsonaro, mas o bolsonarismo, expresso pelo PSL, acreditar que isso vai lhe dar vitórias o tempo inteiro, porque governar é totalmente distinto. Vencer partidos carcomidos, desmoralizados, como PT, PSDB e MDB foi fácil, difícil é governar uma nação como Brasil.
Valor: Na falta de experiência, vão dobrar aposta no discurso radical?
Octavio Amorim Neto: Mas aí é que está o papel fundamental do Bolsonaro, ele tem que entender isso e disciplinar suas tropas. Ninguém sabe como Bolsonaro será como líder de uma organização. O que o Bolsonaro liderou até hoje? Era seu grupo de assessores parlamentares e sua família, isso é o que, 20, 30 pessoas, que devem total obediência a ele? A carreira dele foi toda centrada numa estratégia de lobo solitário. Era o representante corporativo das Forças Armadas. Ele teve um radar eleitoral muito preciso ao ver que o antipetismo havia se tornado a principal força da política brasileira e viu que os partidos que faziam oposição ao PT tradicionalmente não sabiam encarnar isso. Mas a gente não pode esquecer a experiência brasileira e a internacional. A coordenação das massas permitida pela internet, pelas redes sociais, é muito boa para destruir, destruir governos, derrubar regimes. Agora, e para governar? Vai se governar por Facebook? Não podemos esquecer que Trump é apoiado por partido que tem maioria na Câmara, no Senado e vários governos estaduais da federação, sem falar da força do Judiciário norte-americano. Sem isso a gente vai degringolar para aquilo que o Samuel Huntington chamava de padrão pretoriano de política. Em vez de decisões no Parlamento, de consultas a conselhos da República, de debates nas comissões, tudo vai ser decidido na rua, comício, xingamento, ofensa, e agora as ruas digitais permitidas pela internet, e que transbordam para as ruas de fato.
Valor: Bolsonaro diz que não haverá indicações políticas para o governo, sem o toma-lá-dá-cá com o Congresso. É factível?
Octavio Amorim Neto: É dar um tiro no pé. Ele já está com as mãos atadas atrás das costas. Esse é um problema clássico do presidencialismo, a separação radical entre eleição e o processo governativo. No parlamentarismo, não. Esses processos estão muito mais intimamente ligados e a formação de governo depende do apoio de maioria parlamentar. O primeiro-ministro é forçado a negociar com a maioria, senão é decapitado por ela. A ideia de abdicar de poder administrativo em troca de apoio parlamentar faz sentido mas, sem os cargos, os parlamentares da possível base de Bolsonaro vão querer algo mais substancial. Se não é o varejo dos cargos, vão querer influência nas políticas. Bolsonaro vai estar disposto a dar isso? O governo Bolsonaro tem um grande potencial de disrupção.
Valor: Bolsonaro pode usar o apoio das Forças Armadas no momento de crise, de forma não democrática?
Octavio Amorim Neto: Esse risco existe se ele entrar na pior dinâmica possível, se ele se tornar um governo francamente minoritário, apoiado pelo PSL e pela direita mais radical, evangélicos, algumas bancadas, e o governo começar a se caracterizar pela fraqueza, pela paralisia decisória. Começa a haver a desconfiança dos empresários, o real cai, a inflação sobe, a popularidade dele cai, e começa a se ver cercado pelos fantasmas que cercaram vários presidentes na nossa história. Vai cair? Vai haver processo de impeachment? Aí qualquer fagulha, como foi o Collor, com a Dilma, qualquer surpresa pode desencadear ou um processo de queda presidencial ou de ruptura institucional.
E esse é o cenário mais temido pelos analistas, que Bolsonaro vá para a ofensiva contra as instituições, para prevalecer, para não cair, e o risco existe, não se pode dizer que o risco é zero. Pode não ser muito alto, mas dizer que há risco zero para a democracia é um erro analítico. A quebra de regime aconteceria caso Bolsonaro não aceite cair como os outros presidentes caíram e aí, como ele tem apoiadores muito radicais no seu movimento bolsonarista, ninguém sabe o que pode acontecer. A questão é se ele aceitaria, tendo a personalidade belicosa que tem.
Valor: Que cenário é o mais provável?
Octavio Amorim Neto: É o cenário intermediário: um governo dividido, fraco, caótico, com óbvios aspectos mambembes, e com a presença preocupante de militares, mesmo da reserva, em vários ministérios.Esse cenário intermediário seria algo muito confuso, mas significaria ausência de uma maioria estável e ele começaria a fazer apelos diretos à população como um clássico lider populista. E aí as coisas começam a se complicar, como Collor. Outra condição seria essa centro-direita disposta a apoiá-lo estar muito dividida, e a oposição radicalizar suas posições com o erro de chamar o governo de fascista o tempo inteiro. A democracia vai se manter sob esse cenário porque o Brasil ainda tem independência do Judiciário, tem imprensa livre, as Forças Armadas não estão interessadas em aventuras autoritárias, querem se preservar como instituição. Mas o que significa? O Brasil vai continuar com governo pouco eficaz, pouco efetivo, apesar de todas as expectativas da população. Mas os prognósticos ainda são frágeis porque ainda não temos informações básicas, mas faz sentido esse tipo de reflexão para dar ordem ao caos que estamos vivendo.
Valor: O fato de haver um presidente conservador com um Congresso também conservador não favorecerá a governabilidade de Bolsonaro?
Octavio Amorim Neto: isso é que há uma oportunidade para Bolsonaro dar certo. Porque o presidente é conservador e o Congresso também. Só que o presidente fez uma carreira contra a política, uma campanha antipolítica. A questão é saber se ele vai aproveitar essa oportunidade. O programa dele ficou claro: condução tecnocrática da política, liberalismo econômico e conservadorismo no plano de valores. O problema é que a implementação de liberalismo econômico e conservadorismo no plano de valores exige amplas maiorias parlamentares. E para isso não pode ter um estilo tecnocrático para a condução das relações Executivo e Legislativo. Tem que ter um estilo político novo. Agora, a política foi tão desmoralizada no Brasil que ninguém falou que é possível fazer política em alto estilo.
Valor: Vê o MDB e o PSDB voltando a ser o que eram?
Octavio Amorim Neto: O MDB como fiel da balança acabou, hoje é um partido em franco declínio. Olha um parâmetro clássico da política brasileira dissolvido, liquidado. Em relação ao PSDB, estou pessimista. Vamos ver. O Doria elogiou o Fernando Henrique Cardoso, no seu discurso de vitória. Mas ninguém aplaudiu quando o nome dele foi mencionado pelo Doria. O nome do Alexandre Frota [ex-ator pornô eleito deputado federal pelo PSL] foi aplaudido e o de Fernando Henrique Cardoso não foi. Isso é o novo PSDB. É por isso que estou pessimista. A militância aplaude Alexandre Frota, mas não aplaude o nome do grande estadista que o partido teve. É absolutamente deprimente. As pessoas estão tão confusas que às vezes não param para atentar a esses detalhes extremamente reveladores. Alexandre Frota foi citado no discurso de vitória do Doria, junto com Fernando Henrique. Essa é a nova política brasileira.
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