- Blog do Noblat
Sem descer do palanque
Apenas nas últimas 24 horas a tomar-se a meia-noite como limite, Bolsonaro torpedeou a reforma da Previdência, deixou mal seus ministros cinco estrelas Paulo Guedes e Sérgio Moro, voltou a irritar os países árabes, desgostou Israel, pôs em risco a credibilidade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e estimulou o denuncismo de alunos contra os professores.
Em entrevistas a emissoras de televisão, Bolsonaro deixou o mercado financeiro em sobressalto ao dizer que ainda não “está batido o martelo” sobre a reforma da Previdência. Ele não só vê com desconfiança a ideia de substituir o modelo atual por um que pressuponha uma poupança individual do trabalhador, como não parece convencido sobre a própria reforma em si.
“Nós temos um contrato com o aposentado, você vai mudar uma regra no meio do caminho?”, perguntou o presidente eleito há pouco mais de uma semana. Para ele mesmo responder: “Não pode mudar sem levar em conta que tem um ser humano que vai ter a vida que será modificada”, disse. Bolsonaro descarta qualquer modelo de reforma que atinja os militares.
Do laboratório onde futuros auxiliares deles testam fórmulas para financiar gastos públicos havia saído a ideia de se recriar um tipo de novo imposto em tudo semelhante à antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), vulgarmente conhecida como “imposto do cheque”. Bolsonaro voltou a repetir que isso jamais acontecerá.
Bolsonaro afirmou ter dado “carta branca” ao juiz Sérgio Moro para tocar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, mas em seguida admitiu que não será bem assim. No que ele e Moro divirjam, os dois terão que fazer concessões. Bolsonaro, por exemplo, não abre mão de favorecer a posse de arma “pelos brasileiros de bem”. Moro não está alinhado com ele.
Sobrou para o IBGE. “Vou querer que a metodologia para dar o número de desempregados seja alterada no Brasil. O que está aí é uma farsa”, disparou o capitão. A metodologia do IBGE baseia-se em outras adotadas universalmente e no conhecimento acumulado pelo instituto desde sua fundação. Só desperta dúvidas em quem pouco ou nada entende do assunto.
Sobrou também para os professores. Em defesa do controverso projeto Escola Sem Partido, preste a ser enterrado em breve por decisão do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro aconselhou os estudantes a gravarem às aulas que assistirem para, se for o caso, denunciar professores que tentem ensiná-los a pensar politicamente assim ou assado.
A propósito de sua decisão anunciada de mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, e no dia em que o Egito, em retaliação, cancelou a visita ao Cairo do ministro Aloysio Nunes, das Relações Exteriores, Bolsonaro aparentemente recuou. “Não é uma questão de honra”, disse. Mas voltou a defender o direito de Israel sobre Jerusalém.
O recuo incomodou o governo de Israel. Apenas os Estados Unidos e a Guatemala já decidiram transferir seus embaixadas de Tel Aviv para Jerusalém. O Brasil seria o terceiro país. A defesa feita por Bolsonaro do direito de Israel sobre Jerusalém aumentou a revolta dos países árabes, mercado próspero para produtos brasileiros.
A governar sem descer do palanque de candidato, o capitão reformado Jair Bolsonaro arranjará mais encrencas para seu lado do que possa imaginar.
Ou Moro é bobo ou se faz
Juiz em trânsito
Esta tarde, em entrevista coletiva de imprensa convocada por ele, o juiz Sérgio Moro, em transição para o governo Jair Bolsonaro, poderá explicar melhor o que disse ontem em meio a uma palestra que deu em Curitiba.
Moro disse:
– Eu, aqui, faço uma respeitosa divergência, não me vejo ingressando na política, ainda como um político verdadeiro. Para mim, é um ingresso num cargo que é predominantemente técnico.
E em seguida reforçou:
– Não pretendo jamais disputar qualquer espécie de cargo eletivo. Mas Ministério da Justiça e de Segurança Pública, pra mim, eu estou em uma posição técnica, pra fazer o meu trabalho.
Ministério algum é só técnico ou eminentemente técnico. Muito menos o da Justiça. Ali, Moro terá que tomar decisões políticas e atender a políticos que irão lhe pedir ou se queixar de um monte de coisas.
E o ministro não terá como dizer: “Não, isso não é comigo”. Não poderá delegar decisões que unicamente lhe competem. Salvo se preferir ser chamado de omisso ou pretender durar pouco no lugar.
Ou Moro não entendeu ainda o papel de ministro de Estado ou está se fazendo de desentendido. Ou é bobo ou se faz de bobo. Ou melhor: pensa que que o distinto público bobo é.
Quanto à promessa de “jamais disputar qualquer espécie de cargo eletivo”, o melhor é Moro não prometer mais nada. Ele também havia dito que não despiria a toga para servir a governos. É o que fará.
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