A proposta de reforma da previdência enviada pelo governo ao Congresso traz mudanças institucionais importantes, para além das modificações de elegibilidade, mecanismos de transição, valores de contribuição e direitos. Praticamente tudo que se refere às aposentadorias e pensões dos regimes próprios de previdência (RPPS) dos servidores públicos deixará de ser inscrito no texto constitucional e passará a ser objeto de projeto de lei complementar, o que exigirá um quorum de votação em um único turno, por maioria simples (50% mais 1) no Congresso. Com isso elimina-se a barreira forte dos 308 votos favoráveis, com dois turnos nas duas Casas, que desencoraja e dificulta alterações no regime que beneficia o funcionalismo em relação aos demais contribuintes, que lhes pagam a aposentadoria, sem, no entanto, usufruir de suas benesses.
A PEC, porém, extrapola objetivos para fora do campo da previdência. Propostas periféricas ao núcleo reformador, elas poderão ser derrubadas ao longo do caminho, sem retirar muito da potência da reforma, que pretende obter economias de R$ 1,074 trilhão em dez anos. Um dos exemplos é a dispensa do pagamento de multa de 40% do FGTS para o trabalhador que já se aposentou e continua empregado. A empresa não necessitará mais realizar o depósito mensal de 8% do Fundo para o aposentado. A medida nada tem a ver com o INSS, reduz custos das empresas e atinge cerca de 5 milhões de aposentados que trabalham.
O projeto aumenta a transparência do sistema ao prever a segregação do orçamento entre saúde, previdência e assistência. Propõe também o fim da Desvinculação de Receitas da União (DRU) da seguridade social, mecanismo que permitia ao governo usar parte dos recursos para outras finalidades. É peremptório ao acrescentar que nenhum benefício social poderá "ser criado, majorado ou estendido por ato administrativo, lei ou decisão judicial" sem que exista a correspondente fonte de custeio.
Há redução de benefícios sociais que serão alvos de contestação certos. Bancadas dos Estados do Norte e Nordeste, que somam praticamente a metade da Câmara dos Deputados, já reclamaram da mudança no benefício de prestação continuada, que começará a ser pago antes (60 anos, R$ 400), enquanto que o salário mínimo, antes concedido aos 65 anos, só o será aos 70.
E, em um campo minado politicamente, a PEC leva a definição da idade da aposentadoria compulsória do funcionalismo público, de 75 anos, para a lei complementar, com quórum menor do que PECs. Atribui-se ao PSL a intenção de diminuir essa idade para 70 anos, permitindo que o presidente Jair Bolsonaro indique de 2 a 4 juízes da Corte em seu mandato.
A proposta de reforma de Bolsonaro, no fim das contas mais dura que a elaborada pela equipe do presidente Michel Temer, exigirá um esforço coordenado e definição estrita de prioridades sobre os pontos que são acessórios e podem ser mudados ou eliminados por negociação, e os que constituem o núcleo da reforma, nos quais deve-se evitar ao máximo mudanças - como tempo da transição, idade mínima e uniformização de RGPS e RPPS.
Um governo com autoridade, e Bolsonaro tem a das urnas, possui condições de aprovar uma reforma dura ou impopular. O presidente Fernando Collor arrancou do Legislativo até mesmo um inacreditável confisco da poupança dos brasileiros. Precisará para isso, porém, de uma costura política hábil e de uma coordenação política à altura da tarefa, que estão em falta, mas que podem ser construídos no caminho.
Caberá à coordenação política a tarefa de afastar turbulências que possam turvar a reforma. Uma delas: as demandas dos governadores. A maioria deles queria a inclusão dos regimes de Estados e municípios na PEC, com receio do desgaste que sofreriam em seus Estados se o fizessem por sua conta. Foram atendidos. Outros, porém, acham que isso não resolve o problema de curto prazo. Em suma, querem dinheiro. Isso não tem nada a ver com a reforma, mas pode atrapalhá-la. A questão é importante e uma solução terá de ser esboçada.
Outro alarido geral vem dos partidos, inclusive aliados, que querem que o governo libere cargos vagos nos Estados e emendas parlamentares. O governo, ao criar o eufêmico "banco de talentos" vai atender parte das demandas. A única coisa que o Planalto tem de deixar de fazer é dar tiros no próprio pé e encarar a reforma como a batalha inaugural que ditará seu destino ao longo de 4 anos.
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