- O Globo
Governo abre mão de receita com objetivos sociais, cobrando mais de quem ganha mais, e menos de quem ganha menos
A proposta da equipe econômica, comandada por Paulo Guedes, está sendo acompanhada de uma narrativa política que fez falta nas últimas tentativas de reformar a Previdência. O único segmento em que haverá uma queda da arrecadação é o setor privado, porque o governo está reduzindo a alíquota daqueles que ganham menos, de 8% para 7,5%.
Como são muito mais numerosos, o governo está abrindo mão de receita com objetivos sociais, cobrando mais de quem ganha mais, e menos de quem ganha menos, como será o mote da propaganda de convencimento da opinião pública.
Essa queda de arrecadação é compensada pelo setor público, cujos servidores vão perder privilégios, e reajustes nos benefícios. A reforma é um avanço na equiparação das aposentadorias de servidores às dos demais trabalhadores.
Mesmo servidores que entraram no serviço público antes de 2003, protegidos por outras reformas, vão ter que trabalhar mais para garantir a integralidade do salário ao se aposentar. Outro setor delicado atingido é o dos próprios parlamentares que vão se debruçar sobre as mudanças.
Hoje, deputados se aposentam com 60 anos e 35 de contribuição. A idade mínima vai passar para 65 anos, como todos os brasileiros, limitado ao teto do INSS.
O governo, através de seus membros políticos envolvidos na apresentação das medidas, especialmente o secretário Rogério Marinho, que na quarta-feira deu uma entrevista esclarecedora ao “J10” da GloboNews, bate em uma tecla: investimentos represados em segurança pública, educação, saúde pública, infraestrutura, detonadores das manifestações de 2013 contra a má qualidade dos serviços públicos oferecidos, poderão ser realizados em beneficio do conjunto da sociedade brasileira.
Porque haverá um acréscimo de cerca de R$ 40 bilhões a cada ano, depois da reforma, para gastos do governo em setores que hoje estão à míngua. Além do próprio dinheiro público, o governo conta com efeitos colaterais positivos da reforma, como o incentivo ao investimento privado, brasileiro e internacional.
O governo enviará na próxima semana um projeto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que endurece o jogo contra os grandes devedores da Previdência pública, principalmente aqueles que devem acima de R$ 15 bilhões —quatro mil devedores espalhados pelo Brasil — e que o fazem de forma reiterada, há mais de um ano sem sequer dar satisfação.
A questão dos militares, outro tema sensível que permitiria uma sensação de desigualdade, será tratada em legislação própria, a ser enviada ao Congresso nos próximos 30 dias. É um avanço o anunciado aumento no tempo mínimo de atividade, e o aumento da contribuição, respeitadas as especificidades, assim como se deu com outras profissões, como os professores. Mas enquanto ela não se concretizar, as negociações não andarão no Congresso.
O projeto corrige uma distorção histórica, segundo Rogério Marinho, e pretende enfrentar uma guerra de narrativas em que se defende a tese de que 65 anos de idade mínima é excessivo. Tanto os técnicos, de maneira mais fria, quanto o secretário da Previdência, com tom mais politicamente adequado a essa “guerra”, mostram que quem esgrime contra essa tese está, na verdade, defendendo interesses próprios, se aposenta com 50 anos.
As estatísticas demonstram que os mais pobres, os que ganham até dois salários mínimos, se aposentam hoje já com 65 anos e meio. Outra polêmica que vai dar muita munição aos contrários à reforma é o caso dos trabalhadores rurais e dos que recebem a Prestação de Benefício Continuado (PBC).
O governo considera, na definição de Marinho, que a sociedade brasileira tem um pacto moral, uma obrigação social de amparar aqueles menos favorecidos, os que não têm a capacidade ou condição de se inserir na sociedade de forma mais produtiva.
No caso dos pobres que ganham menos de um salário mínimo de renda familiar, que hoje aos 65 anos têm direito de receber um salário mínimo, o governo interpreta que este rendimento, na verdade, vai ser antecipado para os 60 anos, só que no valor de R$ 400 corrigidos pela inflação. E o salário mínimo passará a ser dado aos 70 anos.
Segundo o governo, 1,1 milhão de famílias que, entre 60 e 65 anos, recebem do Bolsa Família uma média de R$ 129, passarão a ganhar quase 2,5 vezes mais. A diferença é para estimular quem contribui durante 20 anos, para receber aos 65 anos um salário mínimo.
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