- O Globo
O problema é a ambiguidade de Bolsonaro e os motivos que o levam a alvejar seu próprio governo, como se a ele fizesse oposição
O importante nos episódios recorrentes de ataques do mentor ideológico do presidente e dos seus filhos aos ministros militares é a revelação do estilo deste governo de alimentar polêmicas desgastantes, usar o tom inadequado na comunicação e de queimar os seus próprios quadros. O presidente Jair Bolsonaro emite mensagens duplas. Avisa pelo porta-voz que as discussões devem ser encerradas, e em seguida as realimenta pelas redes sociais ou em falas ambíguas.
O debate estéril que atravessou a semana inteira, e na qual teve que se envolver até o general Villas Bôas, tem que ser entendido porque é revelador. Quando Olavo de Carvalho ataca alguém, ele desqualifica a si mesmo, porque não é um debate de ideias, mas uma coleção de palavras chulas e ofensas grosseiras. Ele não tem relevância alguma, passa a ser assunto porque o presidente o colocou em um panteão particular. Lá, Bolsonaro, seus filhos e seus seguidores mais fanáticos prestam-lhe homenagens tão frequentes quanto imerecidas. Fica pior quando essa adoração envolve símbolos nacionais e recursos públicos.
A grã-cruz da Ordem de Rio Branco não é propriedade do presidente da República. O mandato acaba um dia, e a insígnia continua para ser dada pelo Ministério do Exterior a pessoas que tenham relevância. Não é definitivamente o caso em algumas das escolhas deste ano. Na Ordem de Rio Branco, o presidente foi ajudado por seu ministro do Exterior, Ernesto Araújo, cujo desequilíbrio se mede pela comparação que fez entre Bolsonaro e Jesus Cristo. Pessoas que deliram a esse grau não podem ser levadas a sério.
Carvalho já estava atacando os militares do governo, quando o presidente mandou fazer um jantar em torno dele na embaixada em Washington, que custou, claro, recursos públicos.
O alvo durante vários dias foi o chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz. O ministro tem um currículo militar impressionante, e uma história pessoal de superação. Fez sua carreira com brilho incomum e teve destaque internacional no comando de tropas da ONU, de paz e de guerra. Assumiu com planos de diálogo mesmo com quem tem pensamento oposto ao seu. Nesse papel ele encontra com frequência os limites do próprio governo, que tem um entendimento muito primitivo de como lidar com divergência de pensamento. Os disparos contra Santos Cruz poderiam ser ignorados, mas ganham destaque porque são feitos por aquele que o presidente elegeu como sendo seu mentor ideológico. Se Olavo de Carvalho recebe tantas homenagens do governo e ataca desta forma um dos ministros, a dúvida recai sobre o próprio presidente: o que ele quer com essa automutilação?
A fritura neste governo começa de forma gratuita e é mais violenta. Desta vez foi usada uma frase de entrevista antiga dada pelo ministro. O que transformou esse pequeno truque em onda forte foram os comentários que o presidente e seus filhos fizeram nas redes sociais. Mesmo quando as postagens não faziam referência direta ao assunto ajudavam a inflamar toda a torcida que se formou. Ela é minoritária, mas a histeria é sempre barulhenta.
A ambiguidade do presidente é que é o problema. E as anomalias que ele estimula. Bolsonaro permite que pessoa em tudo desimportante, alheia ao debate nacional, imersa em ressentimento, imiscua-se em assuntos de um ministério estratégico como o da Educação, indique o chanceler e ofenda os militares que ele nomeou para o governo. É Jair Bolsonaro que está em questão, dado que ele é o presidente eleito para administrar o Brasil por quatro anos. Quatro meses se passaram e com atos e palavras ele atinge o seu próprio governo, como se a ele fizesse oposição. O presidente pode demitir o ministro Santos Cruz da Secretaria de governo, mas é estranho que condecore e renda homenagens a uma pessoa que ataca quem ele mesmo nomeou. E após as agressões continue a cultuá-lo.
Eu já escrevi aqui que o movimento mais arriscado dos militares brasileiros foi a simbiose com o atual governo. A ditadura foi uma exceção, mas as Forças Armadas sempre tiveram por missão unir o país. E este governo investe em conflitos. Nos episódios desta semana, em que generais foram alvo, ficou evidente a confusão mental do presidente da República e seus métodos estranhos de governar.
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