- O Globo
Após muitas derrotas no Congresso, Bolsonaro reconheceu que enfrentava problemas na articulação política e decidiu “retornar ao que era feito no governo anterior.” Como há tempos diz que o que era feito antes era a “velha política”, isto é, a roubalheira, soou estranho: será que o presidente pretendia abraçar a corrupção?
Como não é o caso, seria de se esperar que pedisse desculpas ao Congresso, abandonasse o confronto e passasse a fazer política como adulto. Em vez disso, entregou a articulação política a um general da ativa, seu amigo há 40 anos. Se Lorenzoni, que é político profissional e conhece todo mundo, tinha dificuldade de articular, imagine-se como será com um militar de carreira que não conhece ninguém.
De volta à “nova política”, o presidente pressionou pessoalmente a Câmara para influenciar o relatório da reforma da Previdência. Só que contra: tentou aumentar os privilégios, já altos, dos policiais federais. O presidente não está sozinho no esforço de desidratar o projeto mais importante de seu governo: seu partido, o PSL, luta para estender os privilégios dos militares a todos os profissionais de segurança.
Dar uma no cravo e outra na ferradura parece um método. Bolsonaro apresenta a segurança como prioridade, mas não defende o pacote anticrime de Sergio Moro, não se incomodou de passar o Coaf para a Economia, baixou um decreto de armas que é um presente dos céus para as milícias. E, num país que é campeão de mortes no trânsito, luta para acabar com o exame toxicológico, reduzir a fiscalização de velocidade e dobrar o número de infrações permitidas.
A política externa não é menos contraditória. Pretende-se nacionalista, mas se submete aos EUA. Queixa-se de que outros países dão palpite no Brasil, mas dá palpite nos outros países (Bolsonaro acaba de declarar apoio à reeleição de Trump).
O governo opõe-se ao “globalismo” e ao Acordo de Paris, desmonta o Ministério do Meio Ambiente e despreza o Mercosul, mas assina e comemora (como se fosse conquista unicamente sua) um acordo comercial que exige a preservação ambiental entre o Mercosul e a União Europeia.
O único aspecto coerente no governo parece ser o tratamento dispensado a seus principais colaboradores. Bebianno foi caluniado pelo Twitter. Ricardo Vélez, o general Paula Cunha (presidente dos Correios) e Joaquim Levy foram demitidos pela imprensa. Santos Cruz foi detonado pelo Twitter. E a fritura de Lorenzoni está tão avançada que o governo já precisa negar que vá demiti-lo.
Quanto a Sergio Moro, Bolsonaro obrigou-o a desnomear uma auxiliar, esnobou seu pacote, obrigou-o a assinar uma carta abrindo mão do Coaf, constrangeu-o a defender o decreto das armas. Até quando o prestigia, o presidente o diminui. Após o affair Intercept, Bolsonaro demorou dias (para ver se o apoio popular a Moro continuava firme) para declarar que confia no ministro, e ainda avisou que “confiança 100% é só em pai e mãe”.
Esta semana, o presidente reiterou que vai “honrar o compromisso” de indicar Moro para o Supremo: semanas atrás, uma declaração parecida abriu margem para se especular se a condenação de Lula teria sido em troca do cargo, causando danos à imagem do ministro. O “compromisso” não garante nada, nem impede Bolsonaro de dizer que o Supremo “deveria ter um ministro evangélico” (sugerindo que pode indicar Marcelo Bretas), mas lembra a todos quem manda e quem obedece.
Sergio Moro ainda é uma peça indispensável para o governo, mas o presidente faz o que pode para que não seja assim para sempre. Da mesma maneira, talvez Paulo Guedes não seja tão intocável depois da reforma da Previdência. Afinal, o inabalável general Augusto Heleno acaba de se tornar alvo de Carlos Bolsonaro, o que demonstra que firmes mesmo, no governo Bolsonaro, só os filhos.
*Ricardo Rangel é empresário
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