- Folha de S. Paulo
Plano do governo é controverso e não conversa com projetos que andam no Congresso
Quem procurar saber o que é a reforma tributária vai encontrar chifre na cabeça de um cavalo que na verdade é um centauro com rabo de sereia.
Duas propostas tramitam no Congresso, mais ou menos da mesma espécie. No laboratório do governo, rascunha-se um plano que faz parte de outro reino da natureza tributária. Não há como casá-las sem produzir uma aberração, se é que a tentativa não vai produzir um divórcio político paralisante.
Mais do que uma reforma tributária, o governo pretende que a mudança nos impostos seja parte dos seus planos de revolução social. No fim das contas, essa reforma da natureza embutiria uma reforma trabalhista terminal e uma reforma da Previdência radical.
Os economistas de Jair Bolsonaro de fato querem criar uma CPMF, que daria dinheiro bastante, acreditam, para dar cabo da contribuição patronal para a Previdência, para o INSS. A intenção transparece em palavras e números.
Depois de um tempo de transição, a alíquota da Nova CPMF chegaria a 1% (o governo chama o imposto de CST: Contribuição Social sobre Transações). Nos tempos em que se cobrava 0,38% (2002 a 2007, por exemplo), a receita equivalia regularmente a 1,35% do PIB, por ano. Fazendo uma conta no guardanapo, a nova alíquota daria uma receita de uns 3,5% do PIB. É um pouco mais do que a contribuição total das empresas para o INSS, o imposto sobre a folha de salários.
Essa conta de guardanapo não presta, claro, embora sugestiva. Para começar, o que sobrou da economia brasileira mudou muito, depois de uma década. Além do mais, uma alíquota tão alta vai assustar a caça, a base tributária. Quem paga imposto vai inventar estratagemas para fugir da paulada, que deve de resto incentivar reestruturações ineficazes de negócios (como verticalização), o que pode prejudicar ainda mais a receita, entre outras distorções.
Paulada? Sim. Atualmente, a taxa de juro real básica anda pela casa de 1,8% ao ano, por exemplo. A alíquota de 0,38% em tempos de juros de mais de 10% já causava distorções e malabarismos.
No começo, a alíquota seria menor, perto de 0,4%. Compensaria parte da receita perdida pelas empresas que deixariam de contribuir, se contratarem empregados com a “carteira verde e amarela” (emprego lipoaspirado de direitos trabalhistas), parte de um projeto de criar um sistema de capitalização para a Previdência.
O dinheiro talvez sirva também para cobrir as perdas com a arrecadação do Imposto de Renda da pessoa física, projeto querido de Jair Bolsonaro. Para ricos ou para pobres, a alíquota máxima seria de 25% (hoje 27,5%), e a renda tributável seria menor.
Gente do governo diz que a perda de receita seria compensada com a redução das deduções com despesas de saúde e, talvez, educação, de fato socialmente injustas (pobre não paga escola privada e plano de saúde). Mas não vimos as contas, de resto sempre aproximadas e incertas, ainda mais em tributação.
Mais interessante, diz o governo que vai cobrar imposto sobre o lucro de acionistas de empresas. Já sabido, quer unificar três impostos federais (Cofins, IPI e IOF). Ok, mas deixa de fora o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), que seriam unificados no projeto que tramita na Câmara.
Como essas propostas vão conversar, técnica e politicamente (fora as emendas e lobbies que virão)? Que bicho vai dar em uma reforma que mantém a demência do ICMS, mumunhas do ISS e uma CPMF (CST) com a extravagante alíquota de 1%?
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