- Folha de S. Paulo
Enquanto o petista estava na prisão, a democracia brasileira se deteriorou muito
Lula está livre, está em São Bernardo. Em um quadro de radicalização criado pelo bolsonarismo, muita gente tem medo de que a entrada em cena de um líder carismático de esquerda crie a mobilização popular que Bolsonaro sonha reprimir com um novo AI-5.
Antes de discutir se a radicalização vai ou não aumentar, alguns esclarecimentos são necessários. Tem gente razoável com medo de radicalização, e radicalização é ruim mesmo. Mas boa parte dos apavorados é da turma que, nos últimos três anos, apostou em um impeachment e dobrou a aposta elegendo um defensor do Ustra. Se esses forem os moderados, estamos mal.
E a tentativa de dizer que Lula e Bolsonaro representam riscos iguais para a democracia é ridícula. Lula nomeou ministros do Supremo que decidiram contra ele e contra o PT diversas vezes. Sob Bolsonaro, PGR passou a significar “Pra Gaveta Rápido”.
Lula lidou com imprensa hostil por oito anos e, à exceção do episódio vergonhoso contra Larry Rohter, limitou-se a xingar a mídia. Bolsonaro trabalha o dia inteiro para estrangular financeiramente a imprensa livre.
Quando tinha 80% de popularidade, Lula poderia ter facilmente mudado a lei para se eleger uma terceira vez, mas não o fez. Deem 80% de popularidade e um superciclo das commodities para Bolsonaro e vejam o que ele faz com a democracia.
Há mesmo alguns incentivos no ar para a radicalização de esquerda. No poder, o PT foi severamente limitado pelo Congresso, pelos tribunais e pela imprensa. Bolsonaro está tentando destruir tudo isso.
Bolsonaro está corroendo as instituições em que o PT era fraco. Se isso acontecer, pode ser que um futuro governo de esquerda, sem instituições que o limitem, ache o radicalismo tentador.
Mas talvez seja errado ler a semana passada como momento de radicalização. Afinal, Lula não foi solto por pressão da esquerda.
A decisão do STF pode ser mais uma manifestação da reacomodação política em curso no Congresso, do pacto de governabilidade negociado no primeiro semestre. Dias Toffoli só colocou a segunda instância em julgamento porque sabia que era seguro.
Essa reacomodação, diga-se, parece inevitável. Nós, brasileiros, encaminhamos muito mal a Lava Jato politicamente, quaisquer que tenham sido as realizações positivas da operação. Deixamos que se inaugurasse um ciclo de linchamentos seletivos altamente manipuláveis.
A Vaza Jato mostrou que houve abusos. Durante o processo, Lula virou o bode expiatório do sistema, e isso foi errado. Um grande movimento cívico que termina com Moro ministro de Bolsonaro descarrilhou em algum momento.
Lula pode ter todo interesse do mundo em incendiar o bolsonarismo, mas não sei se tem interesse em incendiar a reorganização da política brasileira.
Será necessária uma reflexão depois do reencontro de Lula com a militância. Lula ficou um ano e meio na prisão, e não foi um ano e meio qualquer: a democracia brasileira se deteriorou muito. Xingar a mídia em 2010 era inofensivo, agora não é: a mídia está, de fato, sofrendo perseguição política e econômica do governo Bolsonaro.
Lula vai ter que aprender a fazer oposição nesse novo cenário. Ele não é mais o Lula de 1978, que podia contar com Ulysses conduzindo a transição.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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