- Revista Época
Com esquerda e direita querendo se aniquilar, as propostas que hoje conversam com o centro terão pela frente uma estrada árdua para se viabilizar
Quando Dias Toffoli confirmou as previsões e votou, na quinta-feira 7, a favor do fim da prisão após condenação em segunda instância, o choro não foi só de quem torcia por um combate mais efetivo à impunidade. João Doria, Ciro Gomes e Luciano Huck, os três presidenciáveis de 2022 que tentam construir uma terceira via para sair do Fla-Flu entre Bolsonaro e PT, também viram ali suas chances minguar. A depender do que julgar o Supremo Tribunal Federal (STF) em breve, o Lula solto pode se tornar um Lula livre e ficha-limpa. Com isso, dificilmente ele não seria candidato. O tom raivoso que o ex-presidente demonstrou na saída da carceragem da Polícia Federal — poderia ter saído conciliador, mas preferiu ser incendiário — só fará aumentar a temperatura de um caldeirão que ferve em fogo alto desde 2013. Isoladas pelos ânimos exaltados, com esquerda e direita (extrema-direita, em nome da precisão) querendo se aniquilar, as propostas que hoje conversam com o centro terão pela frente uma estrada árdua para se viabilizar. Sem contar as pedras que cada uma já tem pelo caminho.
A demora de Jair Bolsonaro para reagir à soltura de Lula não foi à toa. O capitão quis primeiro ver qual Lula sairia da cadeia. Bolsonaro comemorou ao ver que seu agora principal opositor estava com sangue nos olhos, embora dissesse que havia saído dos quase 600 dias de prisão “sem ódio”. A pelo menos dois interlocutores de sua confiança (se é que Sua Excelência confia de fato em alguém), Bolsonaro disse ver no comportamento de Lula o que seu governo precisava para reaglutinar as forças da direita em torno dele. No dia da soltura, o performático Abraham Weintraub postou em seu Twitter uma mensagem falando em “reconhecer os erros, identificar os responsáveis e reagrupar”. A militância logo se mobilizou. Todos juntos por quem conseguiu, depois de quatro tentativas frustradas, derrotar o PT.
Do outro lado do espectro, o engajamento ante o show de Lula não foi muito diferente. Lula atacou a Justiça, o Ministério Público e a imprensa, e os petistas aplaudiram. O ex-presidente repetiu o discurso sobre ter sido vítima de uma conspiração de quem queria vetar o projeto de um Brasil que mudava e sobre, claro, o tríplex, o sítio, o petrolão, tudo não ter passado de uma grande viagem lisérgica de Deltan Dallagnol e Sergio Moro.
“O cara ficou 600 dias preso, não tem como ser diferente. Só saberemos como Lula vai atuar de verdade nas próximas semanas”, apostou um petista da cúpula do partido, numa conversa dias depois do discurso em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos.
O STF não está de olhos fechados para o comportamento de Lula fora de Curitiba. Pelo contrário. A decisão dos cinco ministros da Segunda Turma, que votarão neste fim de ano ou no começo do próximo o caso da parcialidade de Sergio Moro ao julgar o ex-presidente, vai passar também sobre qual Lula está aqui. Se ele mantiver a postura de incendiário, ameaçando fazer do Brasil um Chile, haverá quem mude seu voto. Hoje, o placar que se avizinha é 3 a 2, com Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello a favor de Lula, e Cármen Lúcia e Edson Fachin contra. Mantida essa previsão, os casos do tríplex e do sítio serão anulados e voltarão à primeira instância.
O palanque também atiça os ânimos de Ciro Gomes. O terceiro colocado na eleição de 2018 continua disposto a sair candidato em 2022. Há algumas semanas, começou um embrionário projeto em seu entorno, com PDT, PSB, Rede e PV. Ele e os caciques das quatro legendas se reuniram em Brasília para discutir uma aliança de centro-esquerda para 2020, em que as siglas priorizariam apoios entre si para eleger prefeitos, empreitada que, se desse certo, evoluiria para uma chapa tendo Ciro como cabeça. Em comum, a disposição de não deixar Lula sozinho como única figura competitiva da esquerda e mostrar uma moderação que o ex-presidente não consegue mais transmitir. Faltou combinar com Ciro Gomes.
Nos dias seguintes, numa dura entrevista com os repórteres Sérgio Roxo e Suzana Corrêa, Ciro partiu com tudo para cima de Lula, o que foi visto como um erro por seus aliados. “Ciro está repetindo o erro de Marina Silva, que, por rancor a Lula e ao PT, afastou-se totalmente da esquerda. Você pode não defender o Lula Livre, mas também não precisa execrá-lo”, analisou um entusiasta do pedetista, lembrando que a pecha de virulento já acompanha o presidenciável há um par de décadas.
Longe de ser um entusiasta de Lula — muito pelo contrário —, o apresentador Luciano Huck também penou nos dias seguintes à libertação do ex-presidente. Por coincidência, o PT contratou um avião da empresa de táxi-aéreo de que Huck é sócio para levar Lula de Curitiba para São Paulo. A bolha bolsonarista de teorias da conspiração foi à loucura. Huck explicou o caso num vídeo divulgado na internet, mas o rastilho de pólvora da desinformação até hoje não se apagou. A conjuntura astral não estava boa: postou e, criticado pela esquerda, apagou um posicionamento nas redes sobre a crise na Bolívia, o que não tinha a ver com Lula, mas lhe trouxe dividendos.
João Doria também tem pedras à frente. O governador continua firme em se mostrar como uma direita diferente de Bolsonaro: tem batido nas teclas de que seu governo defende direitos iguais para as mulheres, do crescimento econômico de São Paulo, da inovação e do desenvolvimento de regiões pobres, a exemplo do Vale do Ribeira. Mas, mesmo dentro do PSDB, suas semelhanças com Bolsonaro têm dificultado a adesão de forças a ele. Fernando Henrique Cardoso discorda abertamente da política de “cancelar CPF” de Doria — a filosofia de que bandido armado deve ser morto pela polícia. “Eu acho errada (a postura de Doria). Ou o PSDB assume bandeiras de direitos humanos ou não tem sentido histórico”, disse o ex-presidente, em uma conversa em seu apartamento em Higienópolis. FHC também é cético sobre a capacidade de um “paulista raiz” chegar lá. “Doria é muito paulista. Todo mundo que é muito paulista de alma tem dificuldade na eleição nacional.” Indagado sobre o que é ser paulista de alma, foi direto: “É pensar que o resto é o resto”.
Na oposição, não haverá vida fácil para Lula fora da dobradinha PT-PCdoB. “Lula não é dono da oposição. Foi deselegante se colocar dessa maneira. Até por sua dimensão, ele deveria saber que pode contribuir, mas não se impor”, criticou Randolfe Rodrigues (Rede), líder da oposição no Senado. Nem o PSOL está totalmente no bolso do ex-presidente. O deputado Marcelo Freixo, por exemplo, foi a São Bernardo recebê-lo, mas, no dia da decisão do STF, no Circo Voador, no Rio de Janeiro, ficou em silêncio quando boa parte da esquerda gritava “Lula livre”.
Um comentário:
O problema é que nesse Fla-Flu (Lula X Bolsonaro) não se trata de "esquerda versus direita". Lula como esquerda deixa muito a desejar. Não tem a menor ideia do que seja um projeto de país. Não tem a menor ideia do que fazer com a Amazônia. A sorte nossa será, em caso de vitória, que ele seja bem assessorado. Já o Bolsonaro é direita do pior tipo possível. Também que é Bolsonaro senão um lixinho de 64 que ganhou vida contando por incrível que pareça até com ajuda de LULA que não soube ser esquerda e preparar o povo.
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