- Folha de S. Paulo
Mesmo nas raras vezes em que vizinho entra no radar, sua tragédia parece pouco importar
A fronteira da Bolívia com o Brasil guarda um povoado que, de tão pequeno, passa anônimo pelo mapa. Surgiu após um incêndio devastar um vilarejo chamado Montevideo. A população reconstruiu as casas num lugar próximo, ao lado de um igarapé. Às margens das ruas de terra, vive-se do comércio de produtos de zona franca.
Quem sai do Acre e chega ali há de ter dificuldade em perceber que atravessou a fronteira. Dificuldade que acaba quando se observa o nome do lugar: Puerto Evo Morales.
Trata-se de homenagem, feita em 2007, ao presidente que assumira no ano anterior. Informado do batismo, ele afirmou: “Companheiros, quero parabenizar-lhes pela decisão”.
A absoluta falta de cerimônia do personalismo político lembra quanto se evoluiu institucionalmente do lado de cá da fronteira, ainda que não pareça —no Brasil, é proibido desde 1977 atribuir nome de pessoa viva a bem público da União.
Mostra também como resulta difícil aplicar princípios gerais sobre certo e errado a quaisquer realidades. É fácil ver um golpe em cada esquina quando o único compromisso é lacrar nas redes.
A Bolívia parece um mundo à parte dentro do realismo já fantástico da América do Sul. Tem área pouco maior do que a de Mato Grosso, mas vive com renda per capita menor do que metade da do estado brasileiro. Cresceu muito para continuar pobre.
Os brasileiros são criticados, com razão, por darem às costas aos vizinhos. O interesse pela Bolívia orbita os temas preço do gás e Libertadores da América. Pior é a percepção de que, mesmo quando o país entra no radar, sua tragédia no fundo pouca importa —o que vale é saber como o que ocorre lá pode ser usado na disputa política daqui.
Os bolivianos foram às urnas em 20 de outubro para escolher entre nove candidatos. Nenhum deles se chamava Jeanine Añez, mas esse é o nome da pessoa que assumiu a Presidência. No fim, mais um sopro de nada para quem já tinha tão pouco.
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