- Valor Econômico
Proteger e salvar a concorrência capitalista dos próprios capitalistas não é tarefa trivial
Economistas, em geral, nutrem apego ao conceito de competição. Considera-se que quando os mercados são competitivos os preços são mais baixos, a produção é mais elevada, os produtos tem melhor qualidade e as empresas tendem a investir e a inovar mais. Um bom exemplo é como a Uber transformou e barateou o transporte dentro das grandes cidades.
A concentração e o poder de mercado, por outro lado, podem também ser eficientes. Podem refletir uma inovação importante, que, sem a expectativa de lucros futuros, as empresas poderiam não investir em pesquisa e tecnologia. Talvez sem as patentes, medicamentos antirretrovirais usados no tratamento da Aids poderiam não ser desenvolvidos.
Há também os casos em que a concentração pode representar economias de escala. Isso acontece em mercados com investimentos iniciais elevados, custos operacionais baixos, quando as empresas podem atender um número maior de consumidores e ao mesmo tempo praticarem preços competitivos que dificultem a entrada de novos concorrentes. Seria talvez o caso da Netflix, mas que agora começa ter a Amazon na disputa.
Na verdade, uma maior concentração não necessariamente implica em poder de mercado exacerbado, sobretudo quando há possibilidade de entrada de novas empresas e custos baixos de entrada. Ou seja, pode não existir problema quando o mercado é aberto e a possibilidade de competição é real. Na linguagem econômica, o mercado é contestável.
Um dos papéis do regulador é definir um conjunto de regras que efetivamente abra os mercados à competição, possibilite baixar os custos de entrada, evite a formação de cartéis e fusões e aquisições de empresas que possam colocar em risco a concorrência. Não serão as empresas líderes, por óbvio, que irão propor e lutar por mais concorrência.
Em livro recente (The Great Reversal: How America Gave Up Free Markets), Thomas Phillipon, economista da escola de negócios da Universidade de Nova Iorque, investiga a evolução de vários mercados nos Estados Unidos e na Europa. O autor mostra, em análise empírica coerente e clara, como alguns mercados americanos ficaram mais concentrados na últimas duas décadas, mesmo em comparação com os similares na Europa.
Vários setores nos Estados Unidos são agora dominados por um pequeno número de grandes empresas e baixa taxa de entrada de concorrentes. A consequência dessa maior concentração tem sido negativa para os consumidores. Como a teoria econômica sugere para os casos em que a concentração é problemática, o maior poder de mercado tem levado as empresas a cobrarem preços excessivamente elevados e a aumentarem em demasia suas margens de lucro. O impacto tem sido negativo também no longo prazo, já que o investimento e a produtividade tem caído. A taxa de investimento das empresas americanas nas últimas duas décadas foi metade da observada nos anos 80.
Na era do Vale do Silício, economia digital, startups e trajetória exponencial de crescimento de algumas empresas, os resultados do Phillipon são surpreendentes. Além disso, ao contrário da explicação usual, que as mudanças tecnológicas geraram a concentração atual, Phillipon mostra que a principal razão é de economia política.
Gastos com lobbying e com campanhas políticas cresceram substancialmente nos EUA durante as últimas duas décadas. Há vários estudos que identificaram a causalidade entre esses tipos de gastos com maiores barreiras à entrada, em termos de regulação excessiva em certos setores, fusões e aquisições que elevaram o poder de mercado de algumas empresas.
O livro do Thomas Phillipon não só contém informações relevantes, mas também serve de lição para várias sociedades, inclusive a brasileira. Interessante notar que o setor financeiro lidera os gastos com lobbying nos EUA. Enquanto o valor adicionado dos bancos e seguradoras é aproximadamente 8% do PIB nos EUA, o gasto com lobbying do setor financeiro corresponde a cerca de 15% do total desses gastos entre 1999-2014.
O lobby tende a ser efetivo nos EUA. Uma subsidiária do Walmart, maior empresa de varejo do mundo, teve recusada sua licença para operar como banco. Uma das justificativas contra o possível banco do Walmart é de que o mesmo poderia fazer empréstimos indevidos à empresa titular. Mas outras empresas menores que o Walmart, como a Target, que também é uma rede de supermercado, conseguiram a licença para operar como bancos.
Os bancos oferecem serviços essenciais de intermediação financeira entre as empresas, as famílias e o governo, além de outras expertises. Contudo, não me parece que contas bancárias, cartão de débito, cartão de crédito e alguns empréstimos sejam produtos complexos que mais empresas não possam oferecer tais serviços.
Se a concentração bancária nos EUA tem crescido nos últimos anos, o caso brasileiro é ainda mais extremo, com a presença forte combinada de bancos públicos e privados. A fração do total de empréstimos dos 5 maiores bancos no Brasil é cerca de 85%, ou aproximadamente 2 vezes do valor observado nos EUA.
É essencial o regulador ficar atento também às fusões e aquisições no setor bancário e em outros setores. Com a justificativa de adotar e implementar novas formas de atuação, os bancos tradicionais estão cercando agressivamente as nascentes fintechs, assim criando formas de, na prática, manter o controle do mercado financeiro.
O lobby pode ser forte. Não que a atividade de lobby se revele sempre prejudicial, já que pode informar melhor os consumidores, juntamente com os agentes sociais e políticos. Mas o lobby pode ser explicado por um comportamento estratégico das empresas em busca da preservação do poder de mercado e lucros excessivos.
O problema é que, como argumentaram os economistas Gene Grossman e Elhanan Helpman alguns anos atrás (Protection for Sale), os reguladores podem ser capturados pelas empresas estabelecidas. Proteger e salvar a concorrência capitalista dos próprios capitalistas, como nos ensina o livro seminal dos economistas de Chicago Raghuram Rajan and Luigi Zingales (Saving Capitalism from Capitalists), não é tarefa trivial. Sobretudo no Brasil onde o capitalismo de laços com forte participação do Estado é vigente.
*Tiago Cavalcanti é economista, professor da Universidade de Cambridge e da FGV-SP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário