- O Globo
O ministro Paulo Guedes trava com o presidente Bolsonaro um jogo bruto que se revela na gíria futebolística que ambos usam para dar seus recados. Ontem o presidente anunciou através das redes sociais que daria um cartão vermelho a quem lhe propusesse congelar as aposentadorias e cortar o auxílio a idosos e deficientes para criar o Renda Brasil.
Semanas atrás, fora a vez de Guedes mandar seu recado a Bolsonaro, ao queixar-se de uma crítica feita sobre a proposta de extinção do abono salarial para abrir espaço orçamentário para a ampliação do Bolsa-Família.
Bolsonaro avisou em público que a proposta não seria enviada ao Congresso naqueles termos, pois não tiraria “dos pobres para dar aos paupérrimos”. O próprio Guedes revelou sua conversa com Bolsonaro: “Pô, presidente. Carrinho, entrada perigosa, ainda bem que foi fora da área, senão era pênalti”.
Toda essa linguagem cifrada traduz uma disputa que se desenrola entre dois projetos de poder, a reeleição para Bolsonaro, e o de salvador da economia para Guedes. A reeleição daria mais tempo a Guedes para implantar seu projeto, mas a pandemia tirou o pouco fôlego que a economia tinha para se reerguer, e com ela surgiu o auxílio emergencial, que mudou a história.
Salvo pelo Congresso, que aumentou para R$ 500 a proposta de R$ 200 apresentada pelo governo, Bolsonaro mandou dar R$ 600 e ficou com os louros da popularidade elevada. Recuperou no nordeste o que perdeu nas grandes cidades e capitais devido à sua negligência no combate à Covid-19 e a atitudes antidemocráticas.
A austeridade proposta pelo seu Posto Ipiranga foi atropelada pela mágica da popularidade fácil, e Bolsonaro resolveu criar o Renda Brasil, um Bolsa-Família turbinado. Diferentemente de Lula, que pegou uma fase áurea do preço das commodities, não há hoje sobra de caixa para uma renda básica que seria, na melhor das hipóteses, três vezes menor que o auxílio emergencial, embora um pouco maior que a Bolsa-Família.
Não há quem acredite que Bolsonaro tenha desistido do Renda Brasil, mas será preciso descobrir de onde tirar o dinheiro sem que os pobres se voltem contra o presidente. Repete-se com o secretário Waldery Rodrigues, secretário da Fazenda, o mesmo que aconteceu com Marcos Cintra, da Receita Federal, que defendia o imposto sobre transações financeiras digitais e acabou sendo demitido porque Bolsonaro não queria saber de recriar uma espécie de CPMF.
A proposta voltou à mesa, depois que o presidente foi convencido por Guedes de que seria preciso aumentar a arrecadação, mas continua tendo resistência no Congresso. Da mesma maneira, os cortes em programas sociais para viabilizar o Renda Brasil são a única solução sem furar o teto de gastos.
Pode ser que o secretário Waldery Rodrigues, considerado um dos importantes suportes técnicos de Paulo Guedes, resista à pressão, mas é inevitável que o assunto volte à discussão política, pois a desindexação dos gastos do governo, um dos pilares do pacto federativo proposto pelo ministério da economia, terá que ser discutido na tramitação dessa reforma.
Ao fazer questão de esclarecer que a ameaça de cartão vermelho feita por Bolsonaro não se referia a ele, o ex-superministro Paulo Guedes mostrou toda sua fragilidade e expôs seu secretário. Vem sendo desidratado aos poucos por um Bolsonaro que se preocupa mais com a reeleição do que com o equilíbrio fiscal de seu governo.
A tentativa de anistiar as igrejas evangélicas do que devem à Receita Federal, num momento em que o país está quebrado, é uma demonstração clara de seus interesses prioritários. O presidente está receptivo a algum assessor econômico que lhe apresente uma solução mágica para chegar mais perto do eleitor de baixa renda.
O ministro Paulo Guedes diz que acredita no faro político do presidente. Resta saber se o populismo de Bolsonaro é compatível com as reformas necessárias. A opinião pública, como um imenso VAR, está atenta a esse jogo bruto.
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