Para
Renan Calheiros, “só a política dirá o que é possível fazer”
A
“velha política” enfrentou revezes na eleição que consagrou Jair Bolsonaro e o
bolsonarismo. Notórios caciques foram varridos das urnas, enquanto outros se
enroscaram na Lava-Jato.
Mas
o mundo dá voltas, e dois anos depois, são os velhos caciques que voltam a dar
as cartas e ditar o ritmo do jogo.
Eleito
com a bandeira da antipolítica, o presidente Bolsonaro nem titubeou: quando o
cerco apertou, com a abertura de três inquéritos no Supremo Tribunal Federal
(STF) que emparedam a ele e seus aliados - e tendo a prisão de Fabrício Queiroz
como estopim -, ele repetiu seus antecessores e escolheu o lado certo onde se
acomodar.
O
presidente seguiu a máxima preconizada pelo decano dos decanos na política, o
ex-presidente do Senado e do MDB Jader Barbalho: “Caititu, se andar fora do
bando, vira comida de onça”. Em bom português: isolamento em política é
sentença de morte.
É
por isso que Bolsonaro uniu-se à velha política, e a velha política uniu-se a
Bolsonaro.
A
sequência de jantares entre autoridades dos últimos dias é a prova de que a
lição de Jader não prescreveu: ninguém quer ficar à deriva. Na batalha naval,
navio que sai da esquadra é o primeiro a ser abatido.
Ontem
o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas abriu a casa para
um jantar de tentativa de reconciliação entre o ministro da Economia, Paulo
Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), num esforço coletivo
para evitar o naufrágio da agenda econômica num cenário de caos fiscal.
É
certamente singular que os idealizadores do evento sejam o senador Renan
Calheiros (MDB-AL), três vezes presidente do Senado, e o ex-senador e ministro
do TCU, Vital do Rêgo.
“Qualquer
crise tem que ser resolvida com conversa. Só a política dirá o que é possível
fazer”, disse Renan à coluna, sobre os arrufos entre Guedes e Maia.
Renan
é professor, enquanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), virou
seu aluno nas coxias. Egresso do baixo clero, Alcolumbre elegeu-se com o
discurso de que mudaria “tudo isso que está aí”. Caiu nas graças do “Muda,
Senado”.
Menos
de um ano depois, assim como Bolsonaro, caminhava de braços dados com os
decanos do Senado. Porque, ao fim e ao cabo, “quem sabe, faz”. Política não é
ofício para amadores. E o próprio “Muda, Senado” está em declínio.
Renan
perdeu a eleição para o quarto mandato à frente do Senado, mas não perdeu a
destreza na articulação. Depois de um período de isolamento forçado em sua
fazenda em Murici, Alagoas, para fugir da pandemia, e após submeter-se a uma
cirurgia para retirada de nódulo benigno do rim em São Paulo, Renan é navio que
retornou à esquadra.
O
ex-presidente do Senado estava perdendo terreno para seu adversário histórico
em Alagoas, o líder do Centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL) - pule de dez do
Planalto para a sucessão de Rodrigo Maia na Câmara. Como num jogo de tabuleiro,
Lira vem expandindo seus domínios: depois de se instalar no gabinete presidencial,
abriu espaço para que seu correligionário, o deputado veterano Ricardo Barros,
se consolidasse na liderança do governo.
O
decano Renan, num piscar de olhos, reagiu e agora se articula para virar
patrono da reconciliação de Guedes e Maia.
Depois
da alta hospitalar, Renan e a senadora Kátia Abreu (PP-TO), uma de suas fiéis
aliadas - e voto declarado na reeleição de Alcolumbre -, reuniram-se com Guedes
no último dia 24. Sondaram o terreno para a reconciliação.
Foi
preciso esperar a recuperação de Maia, em isolamento compulsório pelo
coronavírus. (Olha a onça!)
Ultrapassado
o risco de transmissão da covid-19, Renan e Vital encontraram-se com Maia no
último sábado. Receberam o sinal verde do presidente da Câmara para organizar o
jantar com Paulo Guedes. Bruno Dantas, ligado a Renan, seria o anfitrião.
Maia
foi receptivo ao encontro com Guedes. Como mostrou o Valor hoje, interessa a
Maia dar fôlego à agenda de reformas em seus últimos meses no comando da Casa.
A reforma tributária votada, ao menos na Câmara, é a ambição de Maia.
“É
uma briga inútil, não serve pra nada, é perde, perde”, definiu Renan, em
conversa com a coluna, sobre o entrevero entre Maia e Guedes. “Eu me coloquei à
disposição para selar as pazes”, disse o senador, esclarecendo que tudo que lhe
interessa é uma “agenda mínima de reformas, com responsabilidade fiscal”.
Guedes
e Maia nunca se bicaram. Mas a política fabrica relações para as quais Deus
torce o olho. Em novembro de 2018, antes da posse de Bolsonaro, Guedes declarou
que bastava dar “uma prensa” no Congresso para que a reforma da Previdência
fosse aprovada. De lá para cá, foi uma sucessão de aspas desastradas. Mas a
política é feita com pragmatismo, e não com o fígado.
Por
isso, há esperança de reconstrução das relações após o jantar de ontem
idealizado por Renan. “Espero que a conversa seja produtiva”, emendou o
senador.
A
pauta-desejo de Renan contempla a reforma tributária, a eliminação de
“subsídios ineficientes e de salários acima do teto no setor público”, uma
alíquota diferenciada para quem ganha acima de R$ 50 mil. “Só a politica pode
fazer esses balizamentos”, defendeu Renan.
Discípulo
de Jader Barbalho, nem Bolsonaro quis saber de isolamento, com medo de virar
comida de onça. Somente na última semana, ele jantou duas vezes com o
ex-presidente do STF Dias Toffoli. Uma das refeições foi na residência do
ministro Gilmar Mendes.
Com
três inquéritos assombrando a família Bolsonaro, o presidente quer andar em
bando também no Supremo Tribunal Federal. Um deles será a despedida do decano
Celso de Mello do STF, que relata o caso.
Mello
sustenta que Bolsonaro tem de prestar depoimento pessoalmente à Polícia Federal
porque é investigado na denúncia formulada pelo ex-ministro Sergio Moro.
Significa na prática impor um constrangimento ao presidente da República.
Nessa conjuntura, expoentes da ala extremista, como Olavo de Carvalho e Sara Winter, protestaram nos últimos dias contra os movimentos de Bolsonaro para outras bandas. Olavo e Sara que se cuidem: vão virar comida de onça.
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