Presidente Bolsonaro poderia aprender com experiência britânica dos anos 1950
A experiência recente na área da economia já nos ensinou que a correção monetária não é um remédio milagroso para a inflação, como se imaginou nos anos 1960. Que o endividamento do país em dólares para sustentar importações de matérias-primas leva à moratória, como se viu após os anos 1970. Que o tabelamento também não fulmina o dragão inflacionário, como se constatou nos anos 1980. Que a política de juros na lua extermina investimentos produtivos, como se observou nas últimas três décadas. Que as políticas de transferência de renda, poderoso instrumento de redução de pobreza, não custam tão caro quanto se imaginava, como também se aprendeu neste século. Que o endividamento interno excessivo paralisa a máquina pública. E que o engessamento de despesas por meio de um teto radical não é bala de prata para eliminar a gastança, como estamos descobrindo agora.
Na
política, há aprendizados numerosos. Mas a realidade de hoje no país traz a
lembrança de uma lição dos anos 1950, na Inglaterra. Muito conhecido por já ter
sido retratado várias vezes no cinema e em séries televisivas, esse episódio
parece esquecido agora, embora pudesse ser uma luz para o comportamento de
políticos na atual pandemia.
No
dia 5 de dezembro de 1952, Londres foi coberta pelo chamado Big Smoke, o Grande
Nevoeiro. A névoa durou cinco dias, com redução de visibilidade na cidade para
apenas um metro, paralisação total do sistema de transporte e caos urbano.
O
nevoeiro não era um fog londrino convencional. Mesclava névoa natural com
fumaça produzida pela queima de carvão mineral. Naqueles anos, como o governo
fazia um grande esforço fiscal para pagar os custos da Segunda Guerra, os
ingleses exportavam o carvão de melhor qualidade e usavam no mercado interno
praticamente só o pior produto, com maior quantidade de enxofre e outros
poluentes.
Normalmente,
os poluentes deveriam se dispersar. Mas isso não ocorreu por causa de uma
inversão térmica e deu-se uma forte acumulação de poluentes no ar. Os hospitais
ficaram cheios de pessoas com problemas respiratórios e não tinham capacidade
para atender a todos.
A
reação do astuto então premiê Winston Churchill, já velho e rabugento, foi
desastrosa. Não deu importância ao problema nem liberou recursos extras para
socorrer os cidadãos. “Fog is fog, são atos de Deus e temos assuntos mais
urgentes para nos preocupar”, afirmou.
Churchill
só mudou de opinião ao sofrer pesadas críticas na imprensa alertando o governo
para a gravidade da crise de saúde pública. Passou a visitar hospitais, lançou
um plano de ajuda a doentes e familiares e anunciou grandes investimentos
públicos para equipar clínicas e hospitais da cidade. Assim, recuperou a
popularidade, apesar da omissão inicial e da morte de 12 mil pessoas por
complicações respiratórias.
O
Big Smoke de 1952 é fichinha perto da pandemia de hoje, mas é um bom exemplo.
Se não tem paciência para livros, o presidente Jair Bolsonaro poderia assistir
um dos filmes/séries ambientados nesse momento dramático da Inglaterra. Talvez
o exemplo o ajude a abandonar a posição negacionista em relação ao drama
sanitário do país de hoje, com quase 150 mil mortos pela covid-19 - ele chegou
a dizer que “ficar em casa é para os fracos”, ofendendo milhões de pessoas
voluntariamente isoladas para evitar contaminação pelo vírus. Talvez o ajude
também a mudar posição igualmente negacionista em relação aos incêndios e
devastações de florestas, responsável por transformar o país em “vilão
ambiental” do mundo, expressão usada (para contestá-la) pelo próprio ministro
do GSI, Augusto Heleno.
O
presidente está animado com os efeitos do auxílio emergencial oferecido durante
a pandemia aos mais pobres. Descobriu o óbvio: ao socorrer famílias
necessitadas, ganha-se popularidade. Mas certamente essa popularidade será
passageira por duas razões: não há na atual equipe econômica apoio ideológico
para dar continuidade às políticas de amparo social; não se sabe de onde tirar
recursos para essas ações que agora caíram no gosto presidencial por causa da
reeleição. Seria preciso jogar no lixo a ideia de austeridade fiscal e
comprometer de vez o apoio do mercado financeiro ao governo.
Os
números finais dessa crise sanitária, quando contados em prosa e verso, lá em
2022, ano eleitoral, podem ser só uma névoa, mas capaz de fazer grande estrago
na popularidade de quem não deu importância à perda de 150 mil a 200 mil vidas.
Rumo
das metrópoles
Basta
desse assunto. Uma pergunta: será que as metrópoles vão murchar após a
pandemia?
Classes
médias e ricas de todo o mundo passaram a viver nos arredores, a até 100 km dos
grandes centros, em suas casas de campo ou de praia. Escolas de primeira linha
já estão de olho nesses “balneários” de outrora. No Brasil, a construção civil
está animada, porque os investidores pensam duas vezes antes de deixar dinheiro
aplicado a juros de 2% ao ano. Preferem comprar imóveis. Mas onde? Nos grandes
centros ou em lugares de mais conforto com internet confiável?
Conexão
ruim
Como
o tema mudou para internet, outra pergunta: o que você faz quando cai a
conexão? Elementar, você reinicia o equipamento, mas ela não volta. Você liga
então para a operadora, a mesma da TV a cabo, cujo sinal também caiu.
Aí,
você tem uma longa audiência com uma máquina. Tem pressa, mas a máquina avisa
pausadamente que, por causa da pandemia, a empresa está tendo muitas demandas e
sugere que você tente contato pelo site da operadora. Você não quer ir ao site
por lembrar de experiências ruins, com máquinas dando respostas sem nexo. Quer
continuar na ligação para falar com um mortal? Sim, a máquina, boazinha,
permite, se teclar o 7, mas antes faz uma série de perguntas e chega a um
veredito: “Fiz uma verificação e não encontrei nenhum problema no sinal da sua
região”. E então dá uma dica: “Tire o aparelho da tomada, espere dez segundos e
ligue-o novamente”. Você já fez isso umas dez vezes e não funcionou. Mas você
faz tudo de novo e... não funciona.
Paciência e tolerância são qualidades indispensáveis para usuários brasileiros da internet nesta interminável pandemia. E zooms viraram insuportáveis.
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