Para
que a história não se repita
Com seu livro de memórias recém-lançado pela Fundação Getúlio Vargas, o general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército entre 2015 e 2019, atirou numa coisa e acertou em outra.
Se
ele pretendeu reforçar a ideia de que as Forças Armadas não se metem em
assuntos políticos pelo menos desde o fim da ditadura militar de 64, conseguiu
exatamente o contrário.
Em
abril de 2018, às vésperas de o Supremo Tribunal Federal aceitar ou não um
pedido de habeas-corpus que poderia libertar Lula preso em Curitiba, Villas
Bôas postou no Twitter:
“Asseguro
à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os
cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz
social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões
institucionais. Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às
instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das
gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses
pessoais? Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o
anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à
Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas
missões institucionais.”
À
época foi dito que Villas Bôas apenas refletia o ânimo dos seus companheiros de
farda. Antecipava-se a possíveis manifestações raivosas de subordinados. Não
queria perder o controle da tropa.
Por
isso ou por aquilo, intimidado, o Supremo negou o habeas-corpus por 6 votos
contra 5 e manteve a prisão de réu condenado em segunda instância. Lula
continuou encarcerado.
Foi o general, que é portador da ELA, doença degenerativa do sistema nervoso, que procurou a Fundação Getúlio Vargas interessado em dar seu depoimento para a posteridade.
E
o fez ao longo de 13 horas, repartidas em cinco dias, em conversa amena
conduzida pelo professor e pesquisador Celso de Castro, autor de diversos
livros sobre a temática militar.
Castro
deixou-o falar sem contestá-lo nenhuma vez e sem pedir maiores detalhes sobre
os fatos relatados. É de supor, portanto, que o general só falou o que quis,
conforme planejado.
Villas
Bôas conta que a mensagem postada no Twitter de advertência ao Supremo não foi
obra exclusivamente sua, mas também do Alto Comando do Exército.
“Sentimos
que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse”, diz
Vilas Bôas. Não diz que “coisa” era, nem como ela poderia se manifestar. Uma
rebelião? Uma tentativa de golpe?
Mas
como, se o Exército e as demais armas são apolíticos como diz e repete o
general ao longo do seu depoimento? Como, se são fielmente cumpridoras do papel
que lhes reserva a Constituição?
A
primeira versão da mensagem foi escrita por seu estafe e sob sua orientação,
sendo submetida depois aos integrantes do Alto Comando do Exército residentes
em Brasília.
Em
seguida, ela foi transmitida aos demais comandantes de área para que a
endossassem ou sugerissem ajustes. Recebidas as sugestões, a mensagem ganhou
sua redação definitiva.
Jair
Bolsonaro respirou aliviado quando leu a mensagem no Twitter. Era deputado
federal e há pelo menos dois anos estava em campanha como aspirante a candidato
a presidente
Neste
governo, Villas Bôas, general da reserva, é assessor do Gabinete de Segurança
Institucional da presidência da República. Ao empossá-lo, Bolsonaro emitiu
todos os sinais de que lhe é grato.
Por
quê? Talvez porque Villas Bôas respaldou sua candidatura à reboque de generais
e de soldados que já o apoiavam. Cada quartel foi uma célula de Bolsonaro, e
não será diferente em 2022.
O
chefe das Forças Armadas, segundo a Constituição, é o presidente da República.
É ele, e somente ele, quem em nome delas pode falar sobre temas políticos de
repercussão geral.
Aos
comandantes das três armas – Exército, Marinha e Aeronáutica -, cabe falar
sobre assuntos administrativos e aqueles diretamente afeitos aos cargos que
ocupam.
A
fala de Villas Boas não foi a de um chefe que se dirige aos seus subordinados.
Foi um pronunciamento em nome do Exército e a propósito do momento político que
o país atravessava em 2018.
Não
faltou provocação (“Quem realmente está pensando no bem do país e das gerações
futuras?”). Nem ameaça (O Exército “se mantém atento às suas missões
institucionais”).
Militar
não é igual a civil. O que os distingue não é só a farda que um veste e o outro
não. Militar tem acesso a armas pesadas, pilota brucutu, maneja tanques e é
treinado para matar.
O
que um deles fala, soa diferente do civil que diga o mesmo. Porque um tem a
força capaz de pulverizar literalmente quem quer que seja. O outro, só a força
da palavra.
Não é apenas a saúde dos brasileiros que está ameaçada pelo vírus que o governo Bolsonaro ignorou o quanto pôde. A saúde da democracia segue sob ameaça.
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