Desapego
pela regulação sugere que bloco apenas acumula créditos para cobrar de Guedes
em breve
O
novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) escolheu o projeto que dá
autonomia ao Banco Central para marcar sua estreia na condução da mesa diretora
da Casa. Convém cautela, porém, com o zelo demonstrado pelo Centrão na
regulação dos mercados.
Se
a preocupação é blindar o Banco Central das interferências políticas dos
governantes de plantão, falta explicar por que o cuidado não é extensivo à
Agência de Vigilância Sanitária, a mais importante das reguladoras de mercado
no Brasil da pandemia. Quem lidera a pressão para submeter a Anvisa aos
caprichos do lobby da vacina russa é o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR),
outro integrante do núcleo duro do Centrão.
Difícil
imaginar onde bateria o dólar hoje se a Câmara dos Deputados resolvesse, por
exemplo, acrescentar um artigo ao projeto aprovado pelo Senado estabelecendo
prazo para o Banco Central intervir no câmbio quando a moeda americana
disparar. Foi mais ou menos isso que fez a MP 1003/2020. Deu prazo não para a
Anvisa analisar mas para aprovar o uso emergencial de vacinas cinco dias depois
de protocolado o pedido para a análise da agência.
Ricardo
Barros, o deputado que liderou a aprovação da medida provisória no formato que
melhor convém à empresa que pretende trazer a Sputnik V ao Brasil, comandou o
Ministério da Saúde no governo Michel Temer. Foi um teste de resiliência para o
SUS, mas não se ouviu, durante aquele governo, o então ministro dizer que
“enquadraria” a Anvisa.
A
pressão desmedida sobre a Anvisa aconselha ceticismo em relação à lua de mel de
Lira com a equipe econômica do governo e os investidores que nela ainda creem.
Lira pinçou, da extensa pauta de prioridades do governo federal, um dos
projetos menos polêmicos para sinalizar boa vontade com Guedes & cia. A
pergunta que cabe fazer agora, dado o desapego do Centrão pela boa regulação do
mercado, é onde o bloco quer chegar.
É simples. Lira acumula créditos para cobrar lá na frente. Se alguém comemora a aprovação do projeto de autonomia do BC na Câmara é porque ainda não se deu conta de que a cobrança desta fatura vai tornar a vida dos autônomos mandatários do banco um inferno.
Não
faltam evidências de que esta cobrança imporá um custo fiscal difícil de
carregar. Não porque o Brasil não possa se endividar, mas porque o faz sem rumo
nem sinal de onde pretende chegar. E apesar disso, tem a anuência dos juízes e
bandeirinhas em campo, como foi o caso na manobra que permitiu jogar para 2021
gastos de até R$ 40 bilhões do Orçamento de guerra não executados no ano
passado.
Se
o fizeram em 2020, voltarão a fazê-lo este ano quando o novo comando do Congresso
sinaliza que quer acochambrar tudo, do auxílio emergencial aos novos gastos de
Estados com a pandemia e até uma segunda rodada de suporte às empresas. Tudo na
modalidade de “crédito extraordinário”.
A
Constituição é clara. Trata-se de um recurso a ser usado em caso de
imprevisibilidade e urgência. Numa pandemia, prever esses gastos deveria ser a
rotina, não a exceção. Por isso, deveriam estar contidos na Lei Geral do
Orçamento, cuja comissão mista foi instalada ontem. Para isso, no entanto, os
novos gastos teriam que cumprir as regras fiscais e abrir espaço com uma
tesourada que ninguém no Centrão ou no Palácio do Planalto quer dar. Vai que
alguém lembra dos R$ 9 bilhões reservados para as quatro novas fragatas da
Marinha.
A
fatura não para por aí. O Centrão não desistiu dos bancos públicos. Falhou na
tentativa de arrebanhar a presidência do Banco do Brasil, mas ainda cobiça
diretorias e não apenas no BB, mas na Caixa Econômica Federal e até no BNDES.
Se alguém acha que assim também é demais, basta ver o que se passa com a
Anvisa.
Bolsonaro
ainda não decidiu se vai acatar o pedido do presidente da Anvisa para vetar o
jabuti do Centrão na MP, mas a permanência de Ricardo Barros na liderança do
governo sugere que o presidente da República começou a campanha pela reeleição
na oposição.
A
julgar pelo desempenho em campo de seus adversários, vai querer fazer olé com o
chapéu alheio. Rodrigo Maia levou o cesto de roupa suja do seu time para a
beira do Lago Paranoá e o PSDB se consome em disputas internas entre um
governador impopular em seu próprio Estado e um deputado com contas a prestar
na Justiça.
O
PT fulanizou a pré-campanha antes da hora e o bloco dos excluídos do
bolsonarismo hoje se dedica mais às fusões partidárias e à sobrevivência das
nanolegendas do que a saber por que, num país que gastou R$ 524 bilhões no
combate à covid-19 em 2020, faltam oxigênio, medicamentos, UTIs e sobra energia
para o lobby das vacinas.
É
natural que Bolsonaro queira antecipar a campanha. Tem duas razões para
fazê-lo. Primeiro porque é bom nisso. Depois porque, tendo terceirizado o
governo para o Centrão, resta-lhe ocupar o vácuo da oposição. Já disse que
gostaria de ver a mãe vacinada. O próximo passo é entrar na fila para virar
jacaré. Mais um pouco e se vacina contra a derrota em 2022.
A
dúvida é saber por que os adversários se deixam pautar. É a covid-19 e a crise
econômica que mantêm Bolsonaro na defensiva, não a campanha eleitoral. É claro
que os partidos precisam discutir alianças, fusões, nomes, estratégias, mas não
com a bola em campo.
O
maior flanco de Bolsonaro é a pandemia e é dela que ele vai tentar primeiro se
livrar. Vai entregar o ministro da Saúde aos leões. Depois se insurgirá, como o
fez no início da pandemia, contra prefeitos e governadores a quem delegará a responsabilidade
pelo genocídio. A sanção com ou sem vetos da MP das vacinas indicará o papel
que assumirá frente ao Centrão.
O
segundo maior flanco do presidente é a economia. O déficit público, que caminha
para R$ 800 bilhões, é uma bomba de efeito retardado. No filme que o Brasil já
viu antes, explode assim que passa a reeleição.
É este o esquema tático de uma pelada de várzea que frustrará a plateia. O presidente jogou a isca da sucessão presidencial antecipada, a oposição engoliu e o Centrão, por enquanto, governa. Arthur Lira e seu bloco, porém, jogam em todas as posições, menos na de carregadores de caixão.
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