O
momento exige iniciativas que melhorem a qualidade e eficiência das políticas
de saúde
Em
agosto do ano passado o Estado publicou
três editoriais sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), a única tábua de salvação
ao alcance da maioria da população brasileira diante da ameaça da pandemia de
covid-19. Mais recentemente, em 8 de dezembro, o jornal voltou à carga, citando
uma pesquisa de orçamento familiar do IBGE segundo a qual quase dois terços dos
brasileiros dependem exclusivamente do SUS.
Não
é nada trivial que um jornal de porte nacional e com o prestígio do Estado dedique sua
principal plataforma de opinião a dar destaque ao mesmo tema. Tampouco é
trivial um veículo com firme tradição de apoio às políticas de austeridade
fiscal empenhar-se em defender o financiamento de uma rede estatal que compete
com a rede privada. Pode-se constatar, nas opiniões defendidas nesses editoriais,
um pragmatismo que lembra a frase de Deng Xiaoping sobre ideologia e vida real:
não importa a cor do gato desde que ele cace o rato.
Até
hoje o rato continua personificando a peste, mas o desafio sanitário enfrentado
pelos brasileiros é de outra ordem, não se reduz ao vírus, pois afeta, além da
saúde, a economia, a organização social e o desenvolvimento humano de toda uma
Nação.
O
SUS é “seguramente uma das maiores conquistas civilizatórias da sociedade
(brasileira) no século passado”, porque retira o sistema de saúde do País da
lógica de mercado e o torna direito fundamental. Um direito que em nenhum país
do mundo o sistema privado foi capaz de garantir.
De que modo um país com dimensões continentais e em plena retração econômica, em meio a uma crise política de dimensões graves, poderia oferecer um sistema de saúde universal e gratuito que fosse também de qualidade?
Outras
duas perguntas estão estampadas no título deste artigo: haveria futuro sem o
SUS? O que resultará do teste de estresse a que o SUS está sendo submetido
pelas demandas extraordinárias, para as quais teve de improvisar em grande
parte, e pelas inseguranças de uma gestão submetida a seguidas mudanças de
ministro, em plena crise de confiança e de visões opostas sobre o valor da
vida, do conhecimento e da ação governamental?
Tomo
a liberdade de tentar responder, escorado em minha experiência de atividade
pública na área de saúde, em que me orgulho de ter contribuído para a
consolidação do SUS, seja em termos regulatórios e financeiros, seja expandindo
sua atuação em tratamentos de doenças específicas, acesso a medicamentos e
equipamentos de alta complexidade. Vejo que há dois caminhos para isso, a via
legislativa e a das políticas estratégicas.
O
momento exige maior sensibilidade do Congresso para iniciativas que melhorem a
qualidade e a eficiência das políticas de saúde. Há bons projetos de lei em
pleno andamento, como o que autoriza a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) a adotar termos de ajuste de conduta como alternativa a penalidades a
serem aplicadas pela infringência de normas a responsáveis pela produção e
comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária. Isso
permitiria corrigir os problemas sem recorrer a custosos procedimentos legais,
economizando tempo para a agência e incentivando a melhoria do serviço prestado
em hospitais, comércio de medicamentos e outros.
Outro
exemplo é o projeto de lei que impede a concessão de patentes sem anuência
prévia da Anvisa, mediante comprovação de que os medicamentos não prejudicam a
saúde pública nem comprometem a sustentabilidade das políticas de acesso a
medicamentos estratégicos no âmbito do SUS.
Quanto
às políticas estratégicas, o combate à pandemia de covid-19 é um caso exemplar
de consolidação de qualidade, economicidade e eficiência do SUS. As autoridades
brasileiras tinham de antemão condições favoráveis para combater a pandemia,
destacando-se a de dispor de um sistema de saúde de alcance universal,
gratuito, cobrindo desde o atendimento médico, do mais simples ao mais
complexo, até o desenvolvimento de pesquisa e a distribuição gratuita de
medicamentos essenciais. E que acumulou ao longo de décadas uma bem-sucedida
experiência de campanhas nacionais de vacinação.
Porém
essas vantagens de nossa gestão da saúde pública não se converteram
automaticamente em mecanismo capaz de planejar e gerir uma máquina de guerra de
combate a um desastre das proporções da pandemia de covid-19. A começar por
planejamento estratégico, elaboração de políticas, implementação de gestão da
crise provocada pela pandemia, que vai muito além de seus aspectos sanitários.
Por falta de planejamento e de senso estratégico, o Ministério da Saúde deixou
que a má condução da gestão orçamentária, em pleno novo surto de covid-19,
levasse o SUS a reduzir drasticamente a disponibilidade de UTIs e de
equipamentos de ventilação, alegando falta de verbas.
Enquanto
isso, o governo federal, com a outra mão, promete renunciar a receita
tributária para benefício de um grupo de seus aliados. Falta de planejamento,
incompetência da gestão orçamentária ou prevaricação pura e simples?
*Senador (PSDB-SP)
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