Correio Braziliense / Estado de Minas
O confronto aberto de
Bolsonaro com o Supremo e o TSE, a propósito da segurança das urnas
eletrônicas, é uma armadilha que precisa ser desarmada
O ex-ministro da Defesa Raul Julgmann, em
artigos, entrevistas e lives, vem reiterando a necessidade de o Congresso
debater a questão militar no Brasil, para definir claramente a política de
Defesa Nacional, o papel das Forças Armadas, suas relações com a sociedade e os
limites da participação dos militares da ativa na administração pública. Esse
debate está na ordem do dia, protagonizado por estudiosos e militares da
reserva, em razão das atitudes e declarações golpistas do presidente Jair
Bolsonaro e da presença de grande número de militares no seu governo, muitos
dos quais da ativa.
As intervenções militares na vida política
republicana foram frequentes: 1889 (Proclamação da República), 1893 (Revolta da
Armada), 1922 (os 18 do Forte), 1924 (Revolução em São Paulo e início da Coluna
Prestes), 1930 (a Revolução), 1935 (a Intentona), 1937 (o Estado Novo), 1945
(deposição de Vargas), 1954 (suicídio de Getúlio), 1954 (Memorial dos
coronéis), 1955 (a “Novembrada”, deposição de Carlos Luz e Café Filho), 1956
(Jacareacanga), 1959 (Aragarças), 1961 (tentativa de impedimento de Goulart),
1963 (revolta dos sargentos), 1964 (deposição de Goulart), 1968 (AI-5).
Essas intervenções nunca tiveram um caráter moderador; a maioria atalhou ou afrontou a democracia, sendo derrotada. As que foram vitoriosas, quase sempre, arrastaram a cúpula militar para aventuras políticas e resultaram em regimes autoritários. Atos institucionais, fechamento do Congresso, cassação de mandatos e decretos-lei não têm esse caráter moderador. Foram obra do chamado “partido fardado”, que agora o presidente Jair Bolsonaro tenta ressuscitar, como um náufrago do passado.
O “partido fardado”, na definição de
Oliveiros S. Ferreira, “é mais estado de espírito que organização”. Existiu até
o governo do general Emílio Médici, como se fosse obra de quem buscasse, em
diferentes momentos, “aglutinar os que se consideravam os reais defensores da
ordem (um Estado bem-ordenado) e dos valores que as Armas haviam inscrito em
suas almas, devendo agir contra qualquer governo que os ameaçasse.”
No contexto de sucessivas derrotas
eleitorais do regime militar, o que matou o “partido fardado” foi a hierarquia.
A lei de Castelo Branco sobre as promoções e o decreto-lei da “expulsória”
consagraram o princípio do chefe. A demissão do general Sylvio Frota do
Ministério do Exército pelo presidente Ernesto Geisel foi a sua morte. Alguns
setores mais radicais ainda tentaram uma reação, no governo Figueiredo,
inclusive por meio de atentados terroristas, como a bomba do Rio Centro, no Rio
de Janeiro, mas fracassaram. A partir da eleição de Tancredo Neves, em 1985, os
governos civis não mais precisaram se preocupar com os militares e sua visão da
ordem, nem com a preservação dos valores castrenses. Até a formação do atual
governo.
Armadilha
Após a vitória eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro formou seu Estado-Maior com os
generais da reserva e da ativa que o apoiaram. Diante das consequências, alguns
se afastaram e têm se manifestado publicamente contra as atitudes do presidente
da República. Bolsonaro tenta empregar as Forças Armadas na disputa política, o
que é ilegal, não apenas para a sua reeleição, mas para mudar a natureza do
regime político consagrado pela Constituição de 1988, o que é uma aventura
golpista. Esses objetivos estão cada vez mais claros, em suas atitudes e
declarações.
Um pequeno grupo de generais, liderado pelo
atual ministro da Defesa, general Braga Netto, compartilha desses propósitos e
tensiona a alta hierarquia das Forças Armadas, principalmente do Exército.
Entretanto, a recidiva do “partido fardado” esbarra, novamente, na existência de
leis e regulamentos, além de uma cadeia de comando constituída por critérios
profissionais de antiguidade e de meritocracia. Nem por isso, porém, a questão
deve ser subestimada.
Bolsonaro já demitiu um ministro da Defesa
e os comandantes das três Forças; Braga Netto endossa o radicalismo do
presidente da República e constrange os chefes militares. Nesse aspecto , o
confronto aberto de Bolsonaro com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), a propósito da segurança das urnas eletrônicas, é uma
armadilha, que pode ser desarmada pela Câmara, ao enterrar a polêmica sobre o
voto impresso.
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