O Globo
Segue em curso no país o meticuloso
desmonte do combate à corrupção. Depois da “flexibilização” da Lei de
Improbidade Administrativa, bem apelidada de lei da impunidade, aprovada no
Congresso Nacional, o mais recente ataque vem por outro flanco. Reduzidos os
possíveis crimes e penalidades praticados por administradores e/ou políticos, a
tentativa agora é limitar e controlar a atividade do Ministério Público, não
por acaso a instituição que investiga e acusa políticos.
Trata-se de uma Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) cuja tramitação dá bem a ideia da ampla frente do
desmonte.
A PEC é de autoria do deputado Paulo
Teixeira (PT-SP). Foi relatada pelo deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), o
partido de Gilberto Kassab, e “tratorada” pelo presidente da Câmara, Arthur
Lira, o chefão do Centrão. “Tratorada” — do verbo tratorar, criado nos
bastidores congressuais — significa pular etapas na tramitação de um projeto,
evitando assim mais debates, inclusive na imprensa.
A PEC deveria ter sido votada na semana passada. Saiu de pauta porque seus autores perceberam que, ainda, não têm os votos necessários (308, por se tratar de emenda constitucional). Mas Lira já garantiu que vota na semana que vem.
Tem aí uma enorme questão moral: podem
parlamentares investigados ou condenados por crimes de corrupção aprovar
legislação que reduz o espectro desses crimes, diminui penas e ainda limita e
controla o trabalho do Ministério Público?
É óbvio que não. Deveria haver algum jeito
de essa falha moral se transformar em impedimento jurídico. Tem como?
Não sei. Mas, desde que o procurador-geral
Augusto Aras matou a Lava-Jato, o pessoal — esse amplo espectro que vai do PT,
demais partidos de esquerda até o bolsonarismo — perdeu toda a vergonha. O desmonte
do aparato de combate à corrupção é meticuloso. Além das novas leis, passa por
ações administrativas e antecipação de posições políticas.
Ainda ontem, foi afastado o chefe da
Superintendência da Polícia Federal em Brasília, responsável por várias investigações
envolvendo o próprio presidente Bolsonaro, filhos e seguidores.
No outro lado do espectro, advogados
ligados a Lula publicaram artigo na Folha de S.Paulo dizendo que Sergio Moro
não tem credenciais éticas para se candidatar a presidente.
Não gostamos de teorias conspiratórias, mas
por que esse artigo logo agora, quando ainda nem se sabe se Moro será
candidato? Estariam tramando alguma inelegibilidade para o ex-juiz da
Lava-Jato?
Sim, também entendo que não faz sentido.
Mas num ambiente político em que réus, investigados ou condenados aprovam
regras em seu benefício, o que mais falta acontecer?
Enquanto isso, no dia em que as mortes por
Covid-19 passam de 600 mil, o presidente Bolsonaro diz que o Brasil foi o país
que melhor lidou com a pandemia. O que deu errado, prosseguiu, foi a ação de
governadores e prefeitos que decretaram medidas restritivas, com autorização do
STF, este também outro culpado.
Disse ainda que a economia vai muito bem —
no mesmo dia em que o IBGE informava: a inflação oficial (IPCA) passou de 10%
ao ano, corroendo o poder de compra da população. No mesmo dia em que a
Petrobras elevou de novo o preço do gás e da gasolina — em boa parte por causa
do dólar muito caro, consequência das incertezas fiscais e políticas geradas
pelo comportamento de Bolsonaro.
E na mesma semana em que fracassou o leilão
de blocos de exploração de petróleo. Dos 92 lotes oferecidos, apenas cinco
foram arrematados, pelo preço mínimo. Nem a Petrobras entrou.
A principal causa do fracasso foi
identificada pelas companhias de petróleo: a oferta de lotes em áreas próximas
de santuários ecológicos e reservas de pesca, regiões onde seria impossível
obter licença ambiental.
O mercado não é burro, sabia disso. Mas o
Ministério do Meio Ambiente achou que estava tudo bem. E prometeu levar metas
ambiciosas para a conferência do clima.
Não dá para acreditar nisso tudo que está
aí. Pois é, mas acontece.
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