Revista Veja
Passa da hora de aqueles que se julgam com
aptidão e preparo suficientes para concorrer à Presidência apresentarem aos
brasileiros uma agenda de trabalho
Faz uns bons dias, praticamente um mês, que
o país — ou parte dele — não é compelido a cerrar fileiras diuturnas em defesa
da democracia. A mola propulsora desse tipo de discussão anda
temporariamente desativada desde que o presidente da República foi convencido a
afastar o dedo da tomada antes de se queimar completamente.
Nesse interregno de relativa paz
institucional, abriu-se espaço para o que de fato interessa aos 213 milhões de
brasileiros, entre os quais 147 milhões de eleitores: a vida real, com suas
aflições cada vez mais agudas em tempo de crises e carestia.
Enquanto Jair Bolsonaro se abstém de criar
confusões em lives, tuítes e cercadinhos, o Brasil tem a chance de se
concentrar no que importa. Olhando para o futuro de horizonte próximo, pois do
presente não há muito ou quase nada a esperar de um governante que desconhece o
significado da palavra governar.
Portanto, passa da hora de aqueles que se
julgam com aptidão e preparo suficientes para concorrer à Presidência daqui a
um ano apresentarem aos brasileiros uma agenda de trabalho. Pauta concreta sem
enfeites nem fantasias. Coisa de gente grande, ciente da gravidade da situação
de um país há muito paralisado e hoje caminhando com rapidez ao retrocesso.
O que vemos, no entanto, não é nada parecido com um esforço de inspiração e de transpiração para mostrar aos brasileiros o rumo da recuperação do crescimento e da confiança, notadamente dos jovens cujo maior sonho hoje é se qualificar não para contribuir, mas para deixar o Brasil em busca das oportunidades que aqui lhes são negadas.
Descontados os residentes nas bolhas
lulista e bolsonarista, um enorme contingente de cidadãos com toda a certeza
adoraria ouvir coisas para além do “fora, Bolsonaro” ou esperar algo mais que
uma simples, e ilusória, promessa de volta a um passado desprovido de boas
ofertas referidas na realidade atual.
“Pretendentes a presidente não dialogam com
a sociedade e deixam de fora da agenda as aflições reais do país”
O ex-presidente Luiz Inácio da Silva, do
alto de seu favoritismo nas pesquisas de intenção de votos para 2022, nada tem
oferecido a esse eleitorado. Não dialoga com a sociedade, não diz qual é seu
plano se for eleito, sequer vai às manifestações de rua. Enquanto justifica a
ausência com o desejo de não dar caráter eleitoral aos atos, dedica-se em tempo
integral a reuniões de caráter eleitoral.
Na verdade, o projeto de Lula é não se
expor, na tentativa de ganhar a eleição por gravidade. Não reforça protestos,
pois a ele interessa que Bolsonaro balance, mas não caia. Lembra Tancredo Neves
quando, temeroso de que Paulo Maluf desistisse da disputa no Colégio Eleitoral
de 1985, evitou maiores ataques ao adversário.
Não atuam de modo diferente os políticos e
os partidos interessados em atrair os eleitores que não aderem (ou gostariam de
não aderir) nem Lula nem a Bolsonaro. Estão se mexendo, é fato, em busca de uma
ou mais candidaturas alternativas. Movimentação, contudo, voltada para os respectivos
umbigos.
Ciro Gomes ocupa-se de uma briga com o PT
que resvala nas vias de fato. O PSDB gasta toda a sua energia na resolução das
divergências internas, que, tudo indica, não serão sanadas com a realização das
prévias para escolher o candidato, seja quem for o vencedor.
Ao centro direcionado à direita, PSD cuida
da própria vida em busca de robustas adesões, enquanto DEM e PSL estão voltados
à organização de uma fusão. As outras forças, MDB, PP, PL e companhia, gravitam
de um lado a outro no aguardo do que melhor lhes aprouver segundo suas
expectativas individuais.
Em suma, a cena das forças pretendentes a
governar o Brasil está dominada por projetos de poder. Planejamentos
necessários no ambiente político-eleitoral, mas eles não são maiores, muito
menos podem ser vistos como mais importantes que a dolorosa realidade das
pessoas largadas à própria sorte.
Assim como os dois ilusionistas que ora
atraem as atenções eleitorais, os demais aspirantes a presidente não abrem
diálogo com um público infinitas vezes maior que aquele presente às
manifestações. Limitam-se a bater na tecla dos desmandos e incompetências do
governo em curso e, aqui e ali, dar umas estocadas no PT.
Agora, de conversar com o país sobre como
pretendem enfrentar, amenizar e superar as dores da espinhosa vida da gente
brasileira, suas excelências à direita, ao centro e à esquerda não querem
saber.
Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759
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