Valor Econômico
Passagem desastrosa do presidente por Roma
indica piora em sua imagem no exterior
O presidente Jair Bolsonaro teve uma
passagem desastrosa no G20, no fim de semana em Roma, a ponto de alguns
perguntarem se não teria sido melhor ele ter seguido o exemplo do russo
Vladimir Putin e do chinês Xi Jinping e ficado mesmo no Palácio da Alvorada. A
cara do Brasil no exterior é seu presidente, e a percepção sobre Bolsonaro
pareceu só piorar.
Em Roma, além das imagens mostrarem um
presidente praticamente ignorado por seus colegas no G20, Bolsonaro tampouco
foi chamado para outro evento de líderes, esse organizado pela Casa Branca. O
governo dos Estados Unidos deixou de fora o Brasil de um encontro para tratar
das disrupções nas cadeias globais de abastecimento, para buscar soluções a
esse problema que entrava a economia global e tem provocado alta de inflação em
diferentes regiões do mundo.
Logo depois da cúpula do G20, o presidente
Joe Biden promoveu uma espécie de cúpula paralela “sobre resiliência da cadeia
de abastecimento mundial” no mesmo centro de convenções La Nuvola. Isso foi
quase ao mesmo tempo em que, a 15 quilômetros dali, o presidente Jair Bolsonaro
fazia um passeio pelo centro de Roma marcado por agressão de seguranças a
jornalistas.
Participaram do evento de Biden a União Europeia e 14 países “like-minded” (com disposição e propósitos semelhantes), conforme os termos da Casa Branca: Austrália, Canadá, Alemanha, Indonésia, Índia, Itália, Japão, México, Coreia do Sul, Cingapura, Espanha e Reino Unido. Além da Holanda e da Republica Democrata do Congo, que tinham acompanhado o G20 como convidados da Itália.
Dos membros do G20, não participaram
Brasil, China, Rússia, Argentina, África do Sul, Arábia Saudita, Turquia e
França. No caso do Brasil, o Valor confirmou
que o governo sabia do encontro, mas não recebeu convite dos americanos. Quanto
aos outros, fontes não responderam se houve convite ou não.
Uma alta fonte brasileira minimizou, porém,
o não convite, dizendo que o Brasil não é problema em cadeia de abastecimento,
“ao contrário, o país advoga abertura e tem contribuído com extraordinária
resiliência no suprimento de bens, especialmente agrícolas”.
Mas não se pode ignorar que o não convite
ao Brasil evitou Biden de ser fotografado com Bolsonaro, por exemplo. Em termos
de inquietação sobre as disrupções nas cadeias de abastecimento, elas são bem
reais também no Brasil. Uma das posições do país, que tem uma das inflações
mais altas no G20, levada a Roma foi justamente de defender medidas para ajudar
numa retomada global mais bem coordenada, para evitar os sobressaltos atuais, e
que isso passa por redirecionar recursos para aumentar a oferta e reduzir os
gargalos logísticos.
Os EUA enfrentam dificuldades com as
disrupções no abastecimento mundial que, desde a retomada da atividade
econômica, provocam aumento de preços e alimentam temores de inflação mais
forte e uma possível reação do Federal Reserve (o banco central americano) mais
rápida com subida dos juros.
A inflação nos EUA chegou a 5,4%, na
Alemanha passou de 4,1%. O professor Stéphane Garelli, da Universidade de
Lausanne, nota que mais de 500 navios estavam ao largo de portos no mundo para
serem descarregados, e que as estimativas na Europa são de que o velho
continente necessita de 400 mil caminhoneiros para distribuir as mercadorias.
Ao lado do primeiro-ministro da Índia,
Narendra Modi, do presidente sul-coreano Moon Jae-in, do australiano Scott
Morrison e outros, Joe Biden afirmou que “agora que vimos como essas linhas de
comércio global podem ser vulneráveis, não podemos voltar aos negócios como de
costume”.
O plano americano delineado em Roma é de
promover uma maior cooperação internacional sobre as dificuldades a curto prazo
das cadeias de abastecimento e considerar o fortalecimento e diversificação
desse ecossistema a longo prazo, desde matérias-primas a bens intermediários e
acabados, fabricação, expedição, logística, armazenagem e distribuição.
Para Biden, a cadeia de abastecimento deve
ser diversificada, “para que não dependamos de uma única fonte que possa causar
um fracasso”; segura contra as ameaças naturais e artificiais, incluindo
ataques cibernéticos e criminosos, como os resgates; transparente, para que
tanto o governo como o setor privado possam antecipar e responder melhor aos
problemas, e sustentável, para garantir que as cadeias de abastecimento estejam
livres de trabalho forçado e infantil, e em conformidade com objetivos
climáticos.
O secretário de Estado Antony Blinken e a
secretária do Comércio Gina Raimondo vão organizar uma cúpula no ano que vem que
incluirá companhias, sindicatos e organizações internacionais para continuar
tratando de resiliência das cadeias de abastecimento.
Não está claro se os EUA irão então
convidar o Brasil, até porque a representação dos governos será a nível de
ministros. É preciso levar em conta também que a delegação técnica brasileira
no G20 sempre tem papel ativo. E não foi diferente em Roma. Alguns
participantes confirmaram que representantes brasileiros ajudaram a conciliar
posições em vários momentos e em temas diversos.
O ministro das Relações Exteriores, Carlos
França, e o e secretário de Comércio Exterior e de Assuntos Econômicos do
Itamaraty, embaixador Sarquis J. B. Sarquis, se reuniram com a diretora-geral
da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, tratando da
conferência ministerial que começa no fim do mês em Genebra. A expectativa é de
uma agenda centrada em reforma e revitalização da Organização; entendimento
sobre comércio e saúde; acordo sobre disciplinas para subsídios à pesca; e, com
menor chance, definição de possível plano de trabalho para negociações futuras
em agricultura.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, se
reuniu com a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen. Acertaram trabalhar
mais juntos nas agendas global e bilateral. A proteção da Amazonia foi
levantado por Yellen, numa demonstração da importância que o governo Biden dá
ao tema. Guedes apresentou o plano de crescimento verde.
Também foi confirmado em Roma que o Brasil
vai presidir o G20 em 2024 e com isso sediará naquele ano a cúpula dos líderes.
Isso ocorrerá num novo mandato
presidencial.
*Assis Moreira é correspondente em Genebra.
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