Valor Econômico
A confusão de Bolsonaro é tão grande que
vem deixando o PT na posição que melhor representa a disciplina fiscal
Quando a PEC dos Precatórios foi votada na
Câmara, no início do mês, o que mais chamou a atenção de comentaristas e
analistas foi o comportamento de deputados do PDT, do PSB e do PSDB favoráveis
à matéria.
Não sem motivo.
A proposta tem vários significados, quase
todos eles negativos para a economia e ao Judiciário, mas francamente
favoráveis aos interesses estritamente eleitoreiros do presidente Jair
Bolsonaro.
Na dimensão jurídica acabou sendo batizada de “PEC do Calote”. Isso porque estabelece um jeitinho de o governo simplesmente não pagar no prazo adequado indenizações de processos judiciais em que já foi derrotado e não tem mais possibilidade de recursos.
Na esfera econômica, a Proposta de Emenda à
Constituição é vista como o ataque mais violento à regra do teto de gastos,
estandarte da ortodoxia aprovado no governo Michel Temer e que, conforme a
escrita, era para durar 20 anos.
Ainda sobre economia, pode ser interpretada
também como exemplo deletério de quebra de contrato (o das dívidas), pesadelo
de qualquer país que se pretende organizado e confiável para investidores.
Do ponto de vista social, a PEC simboliza o
enterro do Bolsa Família, aquele que talvez possa ser classificado como o mais
robusto, eficiente e sofisticado programa de combate à pobreza na história do
país. Isso porque o governo a vinculou à criação do substituto - e duvidoso -
Auxílio Brasil de R$ 400.
E no âmbito político, é vista como uma boia
de salvação eleitoral de Bolsonaro em 2022, quando tentará a reeleição. Além da
propaganda advinda da criação do Auxílio Brasil, casuísmo descarado mesmo, a
PEC lhe dará margem para fazer gastos que vão muito além do programa que
pretende substituir o Bolsa Família.
Os oposicionistas PDT e PSB deram os votos
decisivos para a aprovação da PEC em primeiro turno na Câmara. A matéria passou
por 312 a 144, uma estreitíssima margem de quatro votos a mais que o mínimo de
308 necessários.
O caso do PDT (15 votos favoráveis ante 6
contrários) foi tão constrangedor que motivou o ex-ministro Ciro Gomes a
decretar uma suspensão temporária de sua pré-candidatura à Presidência. Ciro
ameaçou desistir da eleição de 2022 se os parlamentares de seu partido não
mudassem de comportamento no segundo turno de votação na Câmara. Atendido,
retomou a pré-campanha.
Já o PSDB ficou exposto por ser,
historicamente, a agremiação que mais levantou a bandeira da responsabilidade
fiscal. Embora os três presidenciáveis da sigla - João Doria, Eduardo Leite e
Arthur Virgílio - tenham se manifestado contrários à PEC, o projeto
bolsonarista que implode o teto de gastos e tende a gerar uma bola de neve de
dívidas judiciais recebeu 22 votos tucanos no primeiro turno e apenas 6
contrários.
As contradições desses três partidos
chamaram tanto a atenção que acabaram ofuscando o comportamento do PT nesse
episódio.
Com uma bancada de 53 deputados federais,
bem maior que as do PDT, PSB e PSDB, a sigla do ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva votou inteiramente contra a PEC.
Dos 53 parlamentares petistas, 44 votaram
“não” no primeiro turno, nenhum deles votou “sim”. Outros nove se ausentaram.
No segundo turno, quando a PEC foi aprovada
no plenário com margem um pouco mais elástica, foram 52 “nãos” do PT e apenas
uma ausência.
A confusão que tem sido promovida pelo
governo Bolsonaro é tão grande que acabou deixando o PT na posição que melhor
representa a responsabilidade fiscal.
Esse aspecto foi realçado alguns dias
depois quando Bolsonaro, em mais um gesto de desprezo ou afronta ao discurso de
sua equipe econômica, afirmou que o espaço fiscal aberto pela eventual
aprovação da PEC também deveria ser usado para dar reajuste salarial a todos os
servidores públicos.
Em que pese o PT ter o funcionalismo como
parte importante de sua base eleitoral - uma relação histórica com diversos
sindicatos envolvidos -, líderes do partido não pouparam críticas ao anúncio do
presidente.
A ideia foi classificada por petistas como
“oportunista” e “eleitoreira”. Era o PT, mais uma vez, colocado na posição mais
fiscalista. De defensor da disciplina com o gasto público.
Embora o desfecho ainda não seja conhecido
- a PEC tramita agora no Senado com razoáveis chances de ser alterada -, a
história dessa proposta bolsonarista continua produzindo contradições.
Quando foi aprovada na Câmara, o ex-juiz
Sergio Moro, ex-ministro de Bolsonaro, ainda não havia se filiado ao Podemos e
escancarado seu projeto de tentar chegar à Presidência da República.
Nesta semana, entre encontros, almoços e
jantares em Brasília, Moro resolveu dar umas palavrinhas sobre a PEC.
Como ex-juiz, seria muito estranho vê-lo
defendendo uma norma que legaliza o não pagamento de dívidas judiciais, ainda
que oriunda de um governo do qual ele participou. Nesse aspecto, Moro não
decepcionou. Falou contra.
Ao defender um projeto alternativo no
Senado, disse que não é possível “compactuar com o desemprego dos trabalhadores
brasileiros e gerar situações ainda mais difíceis [à população] sob o argumento
de que isso seria necessário para combater a pobreza”.
Faltou combinar com o pessoal de seu
próprio partido.
No primeiro turno da votação na Câmara,
cinco dos dez deputados do Podemos votaram a favor da PEC dos Precatórios. Sem
eles, a norma que, nas palavras de Moro, compactua com o desemprego e gera
situações ainda mais difíceis, não teria sido aprovada. Outros quatro
integrantes da sigla votaram conta, um não compareceu.
O 5 a 4 no âmbito do Podemos também expõe a
falta de coesão na pequena legenda. Inexistência de unidade entre os que, em
tese, eram para ser os mais entrosados torna qualquer projeto eleitoral
ambicioso mais difícil.
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