É cara a conta do uso da máquina na
campanha
Valor Econômico
O Congresso, ao aprovar a chamada PEC das
Bondades permitiu que Bolsonaro atropelasse a legislação eleitoral
A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) falava
a uma plateia de 22 prefeitos paraibanos e beneficiários de programas
habitacionais, em março de 2013, quando proferiu uma frase que ficou famosa:
“Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição, mas, quando se está no
exercício do mandato, temos de nos respeitar, pois fomos eleitos pelo voto
direto”. Neste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PL) deu nova dimensão à
declaração.
Naquela ocasião, é preciso recordar, Dilma
estava envolvida numa campanha antecipada. Em seu discurso, buscou destacar que
seu governo sempre respeitara os políticos de partidos da oposição, a despeito
das paixões eleitorais. Em mais um deslize verbal, no entanto, acabou dando
munição a adversários.
Mas a ex-presidente não falou nada de
diferente do que sempre ocorreu em disputas eleitorais. E, de fato, fez-se o
diabo naquele pleito. Os impactos fiscais foram sentidos por vários anos.
Hoje, vive-se uma situação perigosamente semelhante. Foi o que mostrou o Valor Fiscal na semana passada. De acordo com a reportagem, as medidas lançadas pelo governo federal para aumentar despesas sociais em pleno período eleitoral tiveram impacto direto de pelo menos R$ 68 bilhões nos cofres públicos somente neste ano. E com um agravante: a tendência é que as medidas deixem um rombo para as contas públicas em 2023, num momento em que o país precisará rediscutir um novo marco fiscal.
Em meio a uma crescente preocupação com a
inadimplência, outros R$ 87 bilhões foram oferecidos em créditos para as micro
e pequenas empresas, que puderam também renegociar R$ 20 bilhões em dívidas
tributárias. Já os beneficiários do Auxílio Brasil tiveram a permissão para
tomar empréstimos consignados usando o benefício como garantia, com as
operações chegando a R$ 1,8 bilhão. Além disso, trabalhadores receberam a
oportunidade de sacar R$ 30 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS).
O impacto no ano que vem é dado como certo.
Isso porque, nas últimas semanas, foram anunciadas medidas com impacto futuro.
Um exemplo é o pagamento do 13º do Auxílio Brasil para mulheres, em 2023, no
caso de vitória de Bolsonaro no próximo domingo. Em outra frente, será também
permitido o uso de parcelas a receber do FGTS para obtenção do financiamento da
casa própria, algo que os bancos só esperam colocar em prática em 90 dias.
Se reeleito, o presidente também terá que cumprir
a promessa de elevar o Auxílio Brasil de R$ 405 para R$ 600. O gasto adicional
a ser encaixado na proposta orçamentária seria de R$ 52 bilhões. A desoneração
de combustíveis já consta do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023,
a um custo de R$ 52,9 bilhões.
Integrantes do governo defendem que o
Brasil teve um ganho estrutural de arrecadação nos últimos anos, o que abriria
espaço para cortes de impostos. No entanto, o futuro das contas públicas é uma
incógnita.
É inegável que essas ações ajudaram a
melhorar a avaliação de Bolsonaro. Por isso, não surpreende a informação de que
na campanha do presidente existe a expectativa de que ocorram novos anúncios
nos próximos dias. O foco permaneceria em medidas que facilitem o acesso a
linhas de crédito e na área tributária.
Diante desse cenário, fica difícil refutar
que Bolsonaro colocou, sim, a máquina para trabalhar por sua reeleição. E ela
está a todo vapor.
O Congresso Nacional tem responsabilidade
por esta situação. Ao aprovar a chamada PEC das Bondades, que reconheceu um
estado de emergência, permitiu que Bolsonaro atropelasse a legislação
eleitoral. Sem ela, por exemplo, seria impossível a criação de benefícios para
caminhoneiros. Mas, talvez, a explicação seja a brecha que também foi criada para
o pagamento de emendas parlamentares ao Orçamento durante a eleição.
Feito o estrago, a oposição também não reagiu a tempo. Temendo um efeito eleitoral negativo se contestasse na Justiça algo que beneficia os eleitores, sobretudo os mais pobres, fez cálculos políticos e acabou decidindo não recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Se isso foi um erro tático, o resultado das eleições irá demonstrar. O que se deve continuar esperando, contudo, é uma atuação mais assertiva por parte do Ministério Público Eleitoral.
O Globo
Nunca tantos brasileiros estiveram sem
renda do trabalho, dependendo de auxílios do governo para sobreviver
Nunca se trabalhou tão pouco no Brasil.
Pelos números compilados pelo sociólogo Rogério Barbosa, da Uerj, 38,7 milhões
— população equivalente à do Canadá — vivem em lares sem nenhuma renda do
trabalho. “Isso significa que estão vivendo exclusivamente de rendas
assistenciais, de estratégias precárias e de previdência de baixa remuneração”,
afirmou Barbosa ao GLOBO. Não há como considerar normal uma situação dessa
natureza.
Depois da pandemia, o quadro se agravou. Recursos que muitos auferiam na informalidade não voltaram aos mesmos patamares. Estes empobreceram e agora têm vínculos ainda mais frágeis com o mercado de trabalho. Numa faixa de 2% da população, estão 4 milhões que não recebem nenhum tipo de remuneração. Esse percentual nunca havia chegado a tal nível, o dobro do que era em 2012. Estão nesse grupo os que não contribuíram para a Previdência o suficiente para se aposentar ou não têm idade nem preenchem as condições necessárias para receber o Benefício de Prestação Continuada, o BPC (ter mais de 65 anos e comprovar ser incapaz de se sustentar sem o auxílio).
Parte da causa dessa tragédia social está
na economia que, quando cresce, cresce pouco, sem gerar empregos e renda na
medida que as famílias precisam. Mesmo no mercado informal. O Brasil precisaria
de um crescimento estável na faixa de 4% ao ano para reativar os investimentos
na economia e gerar empregos de qualidade.
O empobrecimento da população se dá de
várias formas. Muitos perderam o pouco capital que tinham, “coisas simples,
como uma barraca, um carrinho de pipoca, para conseguir se manter ou pelo menos
alugar”, na descrição do economista Naercio Menezes Filho, diretor do Centro de
Pesquisa Aplicada do Insper e professor na USP.
Há questões mais complexas, nem por isso
menos graves. Menezes chama a atenção para as mudanças no mercado de trabalho.
Tarefas simples, repetitivas e manuais são cada vez mais substituídas por
máquinas e sistemas de inteligência artificial. “Os empregos formais estão
sendo criados para tarefas não repetitivas que exigem capacidade de negociação
e análise”, afirma.
Ele cita o setor de centrais de atendimento
telefônico, onde atendentes vêm sendo substituídos por robôs. O avanço
tecnológico já afeta o emprego no Nordeste, para onde foram grandes centrais em
busca de mão de obra farta e barata. Com o avanço da automatização, a região
passou a perder essa vantagem na atração de certo tipo de empresas. Hoje, 25,7%
da população nordestina vive em domicílios sem renda de trabalho e, dos
ocupados, 57,1% estão na economia informal.
Esse cenário social de extrema dificuldade
é o argumento mais convincente em favor da melhoria da qualidade do ensino
público básico e da execução da reforma do ensino médio. É preciso investir em
cursos profissionalizantes que capacitem a mão de obra para as novas exigências
do mercado de trabalho, sem deixar de lado, obviamente, a qualidade do ensino
nas universidades. Não há escapatória
Racismo contra Seu Jorge em clube gaúcho
precisa ser punido com rigor
O Globo
Apenas a punição exemplar dos agressores
poderá ajudar a evitar que tais episódios repugnantes se repitam
Os ataques racistas abjetos sofridos pelo
cantor Seu Jorge depois de um show no clube Grêmio Náutico União, em Porto
Alegre, precisam ser devidamente investigados, e seus culpados punidos de forma
rigorosa. Trata-se de mais uma demonstração de quão insidioso e persistente é o
racismo na sociedade brasileira.
Não há outra explicação para parte da
plateia que foi assistir ao espetáculo pelas qualidades artísticas ter, de uma
hora para outra, começado a vaiar o cantor, gritando “macaco” e imitando
grunhidos dos símios, comportamento repugnante, infelizmente ainda frequente
nas arquibancadas de alguns jogos de futebol na Europa ou na América do Sul. O
governador do Rio Grande do Sul, Ranolfo Vieira Júnior (PSDB), pediu desculpas
públicas ao cantor em nome dos gaúchos — o mínimo que poderia fazer — e
garantiu isenção e celeridade nas investigações a cargo da Delegacia de Combate
à Intolerância (DPCI) e do Departamento Estadual de Proteção a Grupos
Vulneráveis (DPGV).
O presidente do clube, Paulo José Kolberg
Bing, usou a velha e inaceitável estratégia de culpar a vítima. De acordo com
Kolberg, a reação racista foi resultado de um “gesto político” de Seu Jorge. Na
verdade, ao apresentar o jovem instrumentista Pedrinho da Serrinha, de 15 anos,
o cantor comentou que, quando se olha para um garoto de 15 anos e ele é branco,
continua-se vendo um adolescente, “mas muitas vezes, quando a gente olha para
um adolescente negro de 15 anos, a gente pensa em redução da maioridade penal”.
Ora, Seu Jorge tem o direito a ter e a expressar a opinião que quiser sobre o
assunto. O mínimo a exigir da plateia que pagou para assistir a seu show é um
comportamento civilizado e respeitoso. Kolberg tentou, mas não conseguiu
justificar o injustificável —é impossível.
Desde 1951, racismo e injúria racial são
punidos no Brasil em sucessivas formulações da lei, até com cadeia se assim
decidir o juiz. São crimes inafiançáveis e imprescritíveis. Mesmo que ainda
falte, segundo juristas, base legal mais sólida para punir o racismo implícito
e sutil, a legislação é mais que suficiente para dar conta de aberrações como a
que vitimou Seu Jorge.
As agressões a Seu Jorge são simplesmente inadmissíveis. Não podem ficar apenas registradas como mais uma demonstração explícita de racismo. A reação dos procuradores e juízes que se debruçarem sobre o caso precisa servir de exemplo. Só a punição rigorosa a todos aqueles que participaram da barbárie ajudaria a evitar que casos do tipo se repitam e a deixar claro que, no Brasil, é intolerável qualquer tipo de racismo .
Distorção eleitoreira
Folha de S. Paulo
Salto do número de famílias de só uma
pessoa evidencia falhas no Auxílio Brasil
A brutal intervenção eleitoreira promovida
por Jair Bolsonaro (PL) na economia e na despesa pública teve como principal
medida, sem dúvida, o aumento do Auxílio Brasil. Se a ampliação da assistência
social era um imperativo do pós-pandemia, o improviso e o oportunismo de
Executivo e Congresso gerou distorções graves que vão desafiar a próxima
gestão.
Para início de conversa, sobressai o
impacto orçamentário. Só a elevação repentina do benefício de R$ 400 para R$
600, que o candidato promete estender indefinidamente se reeleito, já acarretou
dispêndio de R$ 10,9 bilhões adicionais desde agosto, segundo levantamento do
portal UOL.
Não para por aí. Somem-se na súbita
prodigalidade o aumento precipitado de beneficiários, os empréstimos
consignados da Caixa vinculados aos pagamentos futuros, auxílios para
caminhoneiros, taxistas e aquisição de gás.
Ninguém sabe ao certo como o futuro
presidente, qualquer que seja, cobrirá o rombo crescente. O Orçamento para 2023
enviado ao Legislativo não dá conta do atual gasto assistencial, enquanto
outras áreas prioritárias, como educação e ciência, vivem sob ameaça de cortes
de verbas.
O caráter açodado das medidas ocasiona
outro problema: a desorganização do Cadastro Único, ferramenta indispensável na
modernização da assistência social prestada pelo Estado brasileiro. Talvez o
melhor exemplo desse desvio esteja na explosão recente do número de famílias
unipessoais.
O aumento inaudito foi objeto de reportagem
do jornal Valor Econômico. Unidades familiares com uma só pessoa passaram de
3,78 milhões, em julho, para 5,32 milhões, em setembro. Compunham 15,2% do
cadastro em novembro de 2021; hoje são nada menos que 25,8%.
Não existe explicação demográfica
imaginável para tamanho salto. A razão mais plausível é o desenho descuidado
das sucessivas mudanças introduzidas pelo governo Bolsonaro no antigo Bolsa
Família, turbinado como Auxílio Brasil.
Criou-se um piso de pagamento que não
considera o número de integrantes da família. Em outras palavras, um incentivo
claro para que a composição das famílias se fragmente de modo artificial, para
não dizer fraudulento.
Seria tão fácil quanto de um moralismo
vazio incriminar pelo expediente famílias que mal sobrevivem com até R$ 210 de
renda por pessoa. Cabe ao poder público fechar brechas para a deturpação e a
perda de eficiência de políticas sociais, mas não há como esperar mais que
descaso de um governo que neste momento só tem olhos para os impactos
eleitorais.
Crença e voto
Folha de S. Paulo
Democracia deve aceitar influência da
religião, mas preservar o Estado laico
Em pesquisa do Datafolha, 49% dos eleitores
brasileiros dizem dar muita importância à religião ou à fé do candidato na hora
de definir seu voto, o que ajuda a explicar a exploração incessante
do tema por Jair Bolsonaro (PL) e os esforços tardios de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) para reduzir a desvantagem no meio evangélico.
Quem tomar o dado pelo valor de face terá
motivos para temer que se enfraqueça no Brasil a laicidade do Estado. Existem,
de fato, razões para inquietação, mas o panorama talvez não seja tão sombrio.
O primeiro ponto a destacar é que o
processo de definição do voto não é transparente nem para o próprio eleitor.
Pouca gente dirá que são os índices de inflação que determinam seu voto, mas
estudos mostram que o ritmo dos preços é um dos fatores que, isoladamente, mais
influenciam o eleitor.
Valores, embora não possam ser descartados
como elemento definidor do sufrágio, costumam aparecer com mais saliência num
segundo momento, quando o eleitor elabora uma racionalização para seu voto. Aí
surgem explicações mais elevadas, como a crença, os imperativos éticos, o
altruísmo.
Mesmo que a religião não ocupe um lugar tão
central na definição do voto quanto a leitura sem filtros do dado do Datafolha
pode sugerir, não há dúvida de que a questão religiosa vem, pleito a pleito,
ocupando mais espaço nos embates políticos. Parte disso se deve ao crescimento
das igrejas evangélicas.
Religiões em busca de arregimentar adeptos
não raro apostam numa retórica mais veemente, às vezes até agressiva, que não
fica limitada ao terreno da teologia —invadindo também a pauta de costumes e a
política.
Idealmente, questões religiosas não
deveriam vazar para a discussão política. "Dai, pois, a César o que é de
César, e a Deus o que é de Deus" (Mateus 22:16-22). Na prática, porém, a
democracia, para manter-se democrática, precisa aceitar as influências da
religião.
O que a democracia pode e deve exigir de
todos é que aceitem a laicidade do Estado como cláusula pétrea da Constituição.
Se os cidadãos têm o direito de professar a crença que preferirem, o poder
público tem o dever de manter-se neutro em relação a todos os credos,
majoritários ou minoritários, e também à ausência de crença.
Os religiosos são os principais interessados em preservar esse arranjo, pois é a única garantia de que o credo hoje dominante não venha a ser perseguido amanhã se a demografia religiosa mudar.
E Bolsonaro venceuO Estado de S. Paulo
Mesmo que perca a eleição, Bolsonaro conseguiu o que queria: degradar o debate público. Há 20 anos, Lula teve que garantir estabilidade econômica; hoje, jura que não fechará igrejas
A exemplo do que ocorreu na disputa presidencial
de 2002, o petista Lula da Silva se viu novamente obrigado a apresentar uma
carta pública para debelar resistências à sua candidatura e criar um ambiente
de confiança diante da perspectiva de sua vitória no próximo dia 30. Mas a
diferença entre os dois casos é gritante: se há 20 anos Lula teve que se
comprometer com a estabilidade econômica, um tema que interessava a todo o
País, agora o petista teve que jurar, numa Carta Compromisso com
Evangélicos e Evangélicas, que não pretende fechar igrejas nem perseguir
cristãos, como o acusa o presidente Jair Bolsonaro.
Trata-se de um assunto totalmente fabricado
pelo bolsonarismo, sem qualquer conexão com a realidade nem, muito menos, com o
interesse nacional. Ainda assim, o debate eleitoral, que deveria estar voltado
para a discussão dos reais problemas do País, foi capturado por essa falsa
polêmica, graças ao terrorismo religioso promovido por pastores evangélicos
alinhados a Bolsonaro.
Assim, ainda que perca a eleição do próximo
dia 30, Bolsonaro pode se considerar um vitorioso: degradou miseravelmente o
debate público, conduzindo-o para o campo da desinformação sistemática e do
vale-tudo, onde o bolsonarismo joga em casa. Ungido por sua formidável máquina
de agitação e propaganda como o “messias” que salvará os cristãos da
imoralidade esquerdista, Bolsonaro foi dispensado de explicar os inúmeros erros
de seu governo e de dizer o que pretende fazer nos próximos quatro anos. Ao
tentar manter os eleitores em transe místico, esse falso profeta escapou do
julgamento moral sobre sua criminosa transformação do Estado brasileiro em
máquina a serviço de seus interesses eleitorais.
Ao contrário do que a litania bolsonarista
pretende fazer supor, no entanto, o apocalipse não está próximo, e há um país
com muitos problemas a ser governado. Comparar o Brasil de 2002 ao Brasil de
2022 é reconhecer que o País mudou muito e, ao mesmo tempo, continua
essencialmente o mesmo. Os desafios econômicos e sociais são quase idênticos há
20 anos, e incluem a necessidade de reformas estruturantes, políticas sociais
consistentes e o equilíbrio fiscal como condições para o crescimento. Nenhum
desses temas, no entanto, foi discutido com profundidade durante a campanha
neste ano. Pelo contrário: o baixíssimo nível prevaleceu, para deleite dos
fanáticos bolsonaristas que vibram com a falta de decoro e decência de seu
“mito”.
Problemas muito palpáveis e visíveis, como
o avanço da miséria, o retorno da fome, o aumento da inflação e o pífio
crescimento econômico – legados do governo Bolsonaro –, cederam lugar a
discussões falso moralistas baseadas em desatinos, como o fim da família, a
ameaça de fechamento de igrejas, a legalização das drogas, a liberação do
aborto e a imposição de banheiros unissex para crianças em escolas, assuntos
que nem sequer fazem parte das atribuições da Presidência da República. Incapaz
de sensibilizar os pobres que votam em seu adversário, mesmo depois de ter
movido mundos e fundos para tentar comprar seus votos, restou a Bolsonaro
apelar para o “terreno das crenças e das paixões”, como bem notou Vinícius do
Valle, diretor do Observatório Evangélico, em análise no Estadão.
Houve quem tenha avaliado que Lula, se
efetivamente quisesse conquistar o voto dos evangélicos, deveria ter
apresentado tal carta há muito mais tempo. De fato, um político que almeja ser
o líder de uma frente ampla, como é o caso do petista, precisa fazer acenos a
todos os segmentos da sociedade, em especial àqueles que lhe são hostis. A
resistência do petista em ceder a esses apelos, no entanto, é compreensível,
ainda que as pesquisas indiquem que essa atitude possa ter lhe custado votos. A
mera existência desse manifesto aos evangélicos, que incluiu a citação
explícita de passagens bíblicas e a defesa reiterada da liberdade religiosa que
Lula nunca atacou nem ameaçou, é a prova cabal de que Bolsonaro capturou a
pauta nacional, transformando a eleição em “Juízo Final”.
Segurança climática, direito fundamental
O Estado de S. Paulo
PEC 37, que garante o direito à segurança
climática na Constituição, pode fazer das tragédias climáticas páginas de um
triste passado de descaso com proteção do meio ambiente
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
37/2021, que eleva a segurança climática à condição de direito fundamental dos
cidadãos a ser assegurado pelo texto constitucional. Trata-se do primeiro, mas
importantíssimo passo dado pelo Congresso para aproximar o Brasil dos países
civilizados, ou seja, das nações que, por não negarem as pesquisas científicas,
adotaram o combate às mudanças climáticas como uma das pautas prioritárias da
agenda global no século 21.
De acordo com o texto aprovado pela CCJ, a
PEC 37/2021 insere a garantia da segurança climática aos brasileiros em três
artigos da Constituição. A proposta altera o caput do artigo 5.º, incluindo “o
meio ambiente ecologicamente equilibrado e a segurança climática” no rol dos
direitos fundamentais, ao lado do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade.
No artigo 170, é acrescido o inciso X para
fixar a “manutenção da segurança climática, com garantia de ações de mitigação
e adaptação às mudanças climáticas” como um dos princípios da Ordem Econômica e
Financeira Nacional.
Por fim, a PEC 37/2021 acrescenta um inciso
(VIII) no parágrafo 1.º do artigo 225 para estabelecer, expressamente, a
obrigação da administração pública de “adotar ações de mitigação das mudanças
climáticas e adaptação a seus efeitos adversos, com vistas a assegurar o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
O avanço da tramitação da PEC 37/2021 na
Câmara dos Deputados premia a resiliente mobilização de organizações da
sociedade civil que, ao longo de muitos anos, trabalham para que o Estado adote
políticas públicas mais efetivas para a proteção do meio ambiente e da
biodiversidade.
A Constituição é a materialização do pacto
social. Portanto, consagrar a segurança climática no texto constitucional como
um dos direitos fundamentais dos cidadãos significa dizer que a sociedade, por
meio de seus representantes eleitos, entendeu se tratar de um bem comum
imprescindível; e que os governos, nas três esferas administrativas, devem
promover, na medida de suas responsabilidades, políticas públicas voltadas à
sua consecução.
A bem da verdade, direitos fundamentais
garantidos pela Constituição são reiteradamente violados no País, das mais
diversas formas e nas mais distintas situações. Isso não significa, contudo,
que garantir a segurança climática no texto constitucional seja apenas uma
formalidade, nem tampouco uma espécie de “prestação de contas” do Poder Legislativo
a todas as organizações da sociedade civil sem potencial para gerar resultados
práticos. Estabelecer a segurança climática como um direito fundamental que
paira muito acima das vontades de governantes de turno, sem dúvida, será uma
grande conquista civilizatória dos brasileiros. O texto constitucional vincula
governo e sociedade.
“A aprovação dessa PEC traz fundamentação
muito importante para as demandas judiciais e extrajudiciais”, disse ao Estadão Suely
Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
Para a especialista, a aprovação da PEC 37/2021 “vai lastrear avanços nas
diversas políticas públicas referentes à questão climática, envolvendo
mitigação e adaptação, e por isso temos de comemorar o avanço desse processo”.
Esse é o mesmo entendimento de Mauricio
Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), para quem “a PEC
37/2021 é relevante e avança com políticas de proteção ambiental no Brasil, em
consonância com os esforços globais contra as mudanças do clima”.
A proposta ainda precisa ser aprovada em
plenário por 3/5 dos deputados e 2/3 dos senadores, em dois turnos de votação
em cada Casa Legislativa. É fundamental para os brasileiros, da atual e das
futuras gerações, que a PEC 37/2021 siga esse bom caminho até a promulgação. Na
prática, tragédias climáticas como as ocorridas neste ano no Rio de Janeiro, em
Pernambuco e na Bahia, sem falar no desmatamento e na mineração ilegais,
poderão fazer parte de um triste passado de descaso com a proteção ambiental.
Desrespeito aos idosos
O Estado de S. Paulo
Aposentados e pensionistas continuam sendo vítimas de assédio por parte de instituições financeiras
Aposentados e pensionistas no País inteiro,
como noticiou recentemente o Estadão, continuam sendo vítimas de assédio
por parte de instituições financeiras com a oferta de empréstimos consignados
“já aprovados”. Só quem passou pela experiência sabe o grau de aborrecimento
que dezenas de telefonemas e mensagens, às vezes em um único dia, são capazes
de provocar. Sem falar em golpes de todo o tipo praticados por criminosos que
tentam tirar proveito da boa-fé dos idosos.
Ora, a lei do mercado não é a lei da selva.
Logo, já passou da hora de o governo federal, os bancos, as Polícias, a Justiça
e os órgãos de defesa do consumidor darem um basta nessa realidade que tira o
sossego de tanta gente. Iniciativas isoladas ajudam, mas não resolvem. Dada a
dimensão do problema e o número de atores envolvidos, claro está que somente
uma resposta coordenada terá êxito, o que, sem dúvida, exigirá maior
protagonismo do governo federal.
O ponto de partida é garantir o sigilo dos
dados dos segurados da Previdência Social. Como registrou o Estadão,
instituições financeiras e criminosos têm acesso a informações confidenciais,
incluindo o valor dos benefícios e o montante que pode ser comprometido nos
empréstimos. Inúmeros casos de assédio começam dias após a concessão da
aposentadoria ou da pensão pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Não
raro, o segurado fica sabendo que seu benefício foi liberado por quem, do outro
lado da linha, está lhe oferecendo crédito.
“Eles sabem tudo sobre a gente”, disse
ao Estadão o aposentado Adão Alves de Souza, de 71 anos. “Tem pelo
menos 50 números bloqueados no meu celular, mas não adianta, pois mudam de
telefone o tempo todo.” Até quem acionou o serviço “Não perturbe”, da Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel), conta que continuou sendo
importunado.
Desde 2020, segundo a Federação Brasileira
de Bancos (Febraban), está em vigor a chamada Autorregulação do Consignado, com
a participação de 32 instituições financeiras. Um dos objetivos é o combate ao
assédio comercial. Outro, a qualificação dos correspondentes bancários, como
são chamadas as empresas autorizadas pelo Banco Central a prestar serviço para
as instituições financeiras. Aqui há uma brecha a ser investigada: milhares de
agentes sem contrato formal e remunerados por comissão atuam nos
correspondentes bancários, com acesso aos dados de cada cliente.
Os empréstimos consignados, por óbvio, foram um avanço: sem risco de inadimplência, os bancos cobram juros mais baixos, o que em tese beneficia aposentados e pensionistas. Esse importante segmento do mercado bancário, no entanto, precisa de maior regulação e fiscalização por parte do setor público e do setor privado. O assédio desenfreado a idosos, agravado pela ação de criminosos, demanda soluções urgentes e articuladas. Iniciativas pontuais, promessas e boas intenções não bastam. É preciso atacar o problema nas suas diversas frentes. E agir com o devido rigor.
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