Valor Econômico
Sem mandato e inelegível, proposta de anistia
de Bolsonaro é inviável
O bolsonarismo é um fenômeno que começou nas
redes sociais e tomou as ruas. Líder de forte apelo popular, mais uma vez Jair
Bolsonaro demonstrou força ao atrair milhares de pessoas vestidas de verde e
amarelo no ato de ontem na Avenida Paulista.
Convocados logo após as ações da Polícia
Federal no âmbito da Operação Tempus Veritatis, que investiga a participação do
ex-presidente, integrantes de seu governo e membros das Forças Armadas no
planejamento de um golpe e na organização dos atos democráticos de 8 de janeiro
de 2023, seus apoiadores marcaram presença em peso.
O evento contou ainda com a participação de políticos bolsonaristas, além dos governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), Romeu Zema (Novo), Ronaldo Caiado (União Brasil) e Jorginho Melo (PL).
O filósofo Marcos Nobre tem uma imagem feliz
para explicar o bolsonarismo. Para o presidente do Cebrap, a força do
ex-presidente está nas redes, numa espécie de “partido digital” que arregimenta
milhões de seguidores fiéis, mobilizados diariamente por todo tipo de
postagens, de fake news a incitações de ódio contra seus adversários.
Quando chegavam as eleições, porém, Bolsonaro
sempre precisou se apresentar como um candidato normal, com partido, número de
urna e presença no horário eleitoral. Para Nobre, Bolsonaro agia como hacker do
sistema político, tomando para si a estrutura de partidos pré-existentes, aos
quais se filiava por oportunismo e em função das exigências da legislação
eleitoral. Foi assim com o PSL em 2018 e com o PL em 2022.
É bem verdade que havia uma simbiose nessa
inoculação do bolsonarismo na estrutura dessas legendas. Tanto o PSL (hoje
União Brasil) de Luciano Bivar quanto o PL de Valdemar da Costa Neto turbinaram
em centenas de milhões os recursos a que têm direito nos fundos partidário e
eleitoral graças aos votos recebidos pelos candidatos associados a Jair
Bolsonaro.
Nas eleições de 2018, o PSL de Bolsonaro
elegeu 52 deputados federais, três senadores, três governadores e dois
vice-governadores. Quatro anos depois, menos da metade (apenas 27) acompanhou o
presidente na sua mudança para o PL. Uma parte significativa (16) permaneceu no
União Brasil, após a fusão do PSL com o DEM, e o restante dispersou-se em
diversas outras agremiações: PP (5), Republicanos (3), PSC, PSDB e PTB (dois
cada) e mais Patriota, Pros e PSD (um candidato cada).
Alguns argumentam que essa dificuldade de
Bolsonaro fazer com que seus apoiadores originais de 2018 o acompanhassem na
migração para o PL não é sinal de fraqueza, mas antes uma estratégia de
consolidar o bolsonarismo como um movimento multipartidário de direita, que
seria assim mais poderoso do que restrito a um simples partido único, como é o
PT de Lula ou foi o PSDB de Fernando Henrique Cardoso.
Em 2022, porém, Bolsonaro deu provas de que
ainda tem capacidade de atrair políticos de todo o espectro do centro à extrema
direita. Apesar da tentativa fracassada de se reeleger como presidente, seu
novo partido, o PL, fez uma bancada de 99 deputados federais (a maior da
Câmara), dois governadores (RJ e SC) e oito novos senadores.
Entre os eleitos pelo PL em 2022, Bolsonaro
trouxe consigo 25 antigos correligionários do PSL, enquanto 26 políticos
eleitos já estavam na legenda de Valdemar no pleito anterior. Numa evidência da
força de atração política de Bolsonaro, o restante dos novos detentores de
mandato eletivo (54) chegou ao PL proveniente de vinte outras siglas, do Novo
ao PDT e ao PSB.
Não há clareza se essa dispersão do
bolsonarismo em várias legendas se deve a uma tática previamente pensada de se
constituir como uma força política suprapartidária ou por uma debilidade em se
organizar institucionalmente como um partido, já que a tentativa de criar o seu
Aliança pelo Brasil fracassou.
Em qualquer das hipóteses, a resistência do
bolsonarismo em se estruturar institucionalmente no Congresso diz muito sobre a
derrota eleitoral de 2022 e a tentativa felizmente fracassada de se manter no
poder por meio de um golpe. E terá implicações sobre o seu futuro político.
No ato de ontem na Paulista, além de procurar
demonstrar que ainda detém força política mesmo derrotado nas urnas e sendo
alvo de ações no STF, Bolsonaro fez um apelo aos deputados e senadores
presentes em busca de anistia para os envolvidos nos atos antidemocráticos - o
que acabaria beneficiando a si próprio.
Se a intenção é essa, hoje não há condição
política para a aprovação de um projeto dessa natureza no Congresso. O
bolsonarismo hoje não conta com muito mais do que cem cadeiras na Câmara dos
Deputados. Além disso, sem mandato e declarado inelegível até 2030, Bolsonaro
não detém nem sequer perspectiva de distribuir cargos e orçamento para os
políticos do Centrão em troca de uma adesão à proposta de anistia.
Muito pelo contrário: a contar pela presença
de Tarcísio, Zema e Caiado no palanque de Bolsonaro ontem, não faltam
interessados em arrebatar para si a massa de eleitores que lotou ontem a
Avenida Paulista.
Ironicamente, hoje é o bolsonarismo que corre
o risco de ser hackeado por outros políticos de direita.
*Bruno Carazza é professor associado da
Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do
sistema político brasileiro”
Um comentário:
Pois é.
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