Folha de S. Paulo
Não são apenas os fatores econômicos que
levam as pessoas a se manifestarem
A partir da manifestação convocada por Jair
Bolsonaro (PL) para este domingo (25), na avenida Paulista, dei-me
conta de que políticos e lideranças sociais têm conseguido levar cada vez mais
pessoas às ruas. Na última década, o Brasil tem testemunhado um aumento no
número e na escala de protestos. Desde 2013, vimos movimentos estudantis,
greves e protestos contra e a favor dos governantes do momento ou em torno de
outras figuras políticas destacadas.
Esse panorama não é exclusividade brasileira, conforme apontado pelo estudo de Davide Cantoni e outros autores, que contou com assistência do pesquisador brasileiro William Radaic. A pesquisa analisou dados sobre 1,2 milhão de eventos de protesto em 218 países, cobrindo um período de 1980 a 2020. Esse volume de informação não só destaca sua onipresença como fenômeno mundial como aponta para a complexidade de suas causas e consequências. Através da análise estatística e do exame de literatura existente, desvendaram os padrões subjacentes aos atos, explorando tendências temporais, padrões geográficos e a relação com variáveis econômicas e sociais.
Os resultados revelaram padrões empíricos
significativos que, juntos, fornecem uma compreensão mais profunda sobre os
protestos não só no Brasil mas no mundo. Primeiramente, verificou-se uma
mudança de curso durante a Primavera Árabe, um período em que tanto democracias
quanto regimes autoritários vivenciaram um aumento nos movimentos.
Observou-se que grandes eventos políticos
podem catalisar ondas de protesto que, através das redes sociais, ultrapassam
as fronteiras nacionais e remodelam o cenário político em outras localidades.
Isso ressalta o caráter
"contagioso" dos protestos, pelo qual a ação em um país pode inspirar
movimentos similares em outros, destacando a interconexão global das causas
sociais e políticas.
Economia x Valores
Contra a intuição comum, os resultados
mostraram que o desempenho econômico de um país não está diretamente ligado à
frequência de manifestações. Em vez disso, são os valores individuais que mais
influenciam a decisão de aderir ou não a esse tipo de evento.
Esse achado reforça a ideia de que as
motivações para protestar vão além da mera insatisfação econômica, englobando
uma gama mais ampla de fatores ideológicos e culturais relacionados à
identidade individual.
Nesse sentido, podemos refletir sobre como o
Brasil se insere nesse contexto global de protestos. Embora saibamos que
fatores econômicos podem ter influenciado alguns atos, em especial o "Fora
Dilma", vale prestar atenção no peso dos valores e do senso de
pertencimento, conforme relatado na pesquisa.
O apelo de figuras carismáticas, como o
próprio Jair Bolsonaro, se dá pela conexão com pessoas que não se sentem
representadas pelas instituições vigentes a partir de alguns princípios. Fica o
questionamento: como podemos atender parte desses valores sem cair numa
armadilha antidemocrática?
Olhar para experiências e evidências
estrangeiras pode ajudar na construção de soluções.
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