Correio Braziliense
Conquistar voto é uma tarefa árdua que
depende de muito trabalho desde o período da pré-campanha. Não tem solução
mágica
Eu quero entrar na rede
Promover um debate
Juntar via internet
Um grupo de tietes de Connecticut
Esses versos são da música Pela Internet,
do genial Gilberto Gil, lançada em 1996, há 28 anos. Ele foi o primeiro artista
brasileiro a transmitir um show ao vivo pela internet. Naquele tempo, a
internet era vista como o grande ambiente para promover debates, conversas,
compartilhar conhecimentos. Com o passar dos anos, o modelo de negócio das big
techs acabou provocando uma deformação do papel inicialmente sonhado.
Como é de conhecimento público, a primeira
utilização das redes sociais diretamente para a ação política foi na campanha
de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos em 2008, uma estratégia
absolutamente decisiva para sua vitória. De lá pra cá, tornou-se obrigatório
atuar nesse universo em qualquer disputa eleitoral.
Outro ponto de inflexão nessa trajetória acontece em 2016, nas campanhas vitoriosas conduzidas pelos estrategistas que assessoraram os defensores do Brexit e a candidatura de Donald Trump, muito bem retratadas no livro Os Engenheiros do Caos, de Giuliano da Empoli. Sobre o tema, reproduzo a seguir o que escrevi na coluna publicada em 6/3/2020:
"O autor consegue identificar aspectos
comuns na forma de atuação desses estrategistas. Destaco três deles:
1) a percepção de que os algoritmos das redes
sociais são baseados na cultura do engajamento e não da intermediação; ou seja,
valem mais as publicações que têm maior número de curtidas e compartilhamentos,
independentemente dos conteúdos;
2) a combinação de formas de comunicação que
tanto exploram as emoções negativas das pessoas e grupos quanto são capazes de
mostrar seu lado festivo e libertário por meio do escárnio; afinal, como pontua
o autor, nada mais devastador para a autoridade que o impertinente, que a
transforma em objeto do ridículo;
3) a compreensão de que, a partir da ação em
massa nas redes sociais, a política deixa de ser centrípeta para ser
centrífuga, substituindo a lógica "direita x esquerda" pela lógica
"povo x elites"; ou seja, a ideia é trabalhar os extremos a partir da
revolta e da frustração latentes nas sociedades".
Desde então, a batalha política nas redes
passou a ser baseada nessa característica e nada indica que teremos alterações
significativas em curto prazo. Posto isso, qual será a dimensão da influência
das redes sociais nas eleições de outubro próximo?
Como expus na coluna do mês passado, a
resposta a essa questão não é uniforme e dependerá do perfil dos municípios.
Certamente, naqueles 212 com mais de 100 mil eleitores, o papel das redes terá
maior peso, com um verdadeiro enxame de publicações associadas aos polos que
têm hegemonizado 90% do eleitorado nacional.
Porém, com base na minha experiência nos
últimos anos, na relação profissional com especialistas que se dedicam a atuar
nessa seara, elenco a seguir algumas questões que costumam angustiar candidatos
e candidatas, especialmente para cargos no Legislativo.
Primeira questão: qual a taxa de conversão em
voto decorrente do trabalho nas redes sociais? Bem, até hoje ninguém consegue
ter uma resposta segura. E, a meu ver, a razão para isso não é fruto de
eventual falta de competência técnica, mas simplesmente porque somente os
responsáveis pela construção e gestão dos algoritmos saberiam responder, ou
seja, as big techs.
Segunda questão: ter grande número de
seguidores é imprescindível? Há casos de candidatos que tinham muito pouco
seguidores, mas conseguiram se eleger. Por outro lado, muitos candidatos com
volume expressivo de seguidores converteram pouco mais de 10% em votos e não se
elegeram. Posso afiançar que, também nesses casos, não temos disponíveis
informações definitivas.
Terceira questão: um grande volume de
visualizações de vídeos é caminho para uma votação expressiva? Aqui, há uma
sutileza para a qual muita gente não dá a devida atenção. É comum ver
candidatos e equipes comemorando um número gigantesco de visualizações, mas se
esquecem de verificar o tempo que as pessoas ficam assistindo. Na maioria dos
casos não passam dos primeiros 3 segundos!
Conquistar voto é uma tarefa árdua que
depende de muito trabalho desde o período da pré-campanha. Não tem solução
mágica. Minha recomendação a candidatos e candidatas é: atuem nas redes sociais
com apoio de profissionais competentes, mas, sem gastar sola de sapato,
dificilmente obterão a tão sonhada vitória.
No fim de março, trataremos de outro tema
palpitante para quem se envolve com política eleitoral: campanha em rádio e TV
ainda tem peso?
*Orlando Thomé Cordeiro, Consultor em estratégia
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