O Globo
A agenda nociva da extrema direita em questões vitais, como o meio ambiente, mostra que os dilemas do mundo atual só serão enfrentados na democracia
A grande batalha, aqui e no mundo, neste
momento da História, é a democrática. Esquerda e centro que não entenderem isso
perderão, com reflexos na vida do planeta. A direita moderada que relativizar
seus valores e se aproximar da extrema direita, por conveniência ou cálculo
político, estará fortalecendo a corrente antidemocrática que avança em vários
países. Só na democracia será possível enfrentar os difíceis dilemas do mundo
como o extremo climático, a inclusão dos mais vulneráveis, a adaptação da educação
à revolução tecnológica. A agenda dos extremistas de direita negligencia todas
as questões vitais e ainda ameaça o pacto social que nos levou à democracia.
Os exemplos estão em toda a parte. Os franceses da esquerda e do centro têm hoje a chance de, unidos, vencerem a extrema-direita. Nos Estados Unidos, pior do que as demonstrações de fragilidade de Joe Biden, que parecem evidentes, é a falha da institucionalidade americana da qual eles tanto se orgulhavam. Nos últimos dias, Donald Trump colheu mais frutos dessa fraqueza da democracia e avançou para o seu objetivo. O sistema eleitoral, pensado pelos pais fundadores, é indireto e menos democrático do que o de outros países. Por outro lado, prometia blindar o sistema contra aventureiros. Foi assaltado por um aventureiro e quase sucumbiu. Agora aceita correr risco de novo.
No Brasil, houve mais empenho do que nos
Estados Unidos em punir os que se envolveram na tentativa de golpe de
Estado. Jair
Bolsonaro está inelegível e pode terminar o ano indiciado em
vários processos, mas toda a direita hoje é caudatária do candidato a caudilho.
Ela não se separou do discurso que envolveu a aventura bolsonarista. Os
candidatos a ocupar o espaço do ex-presidente estão deixando claro que são
leais àquele ideário. Não estão abrindo uma divergência, não estão fazendo
reparos aos métodos e objetivos de quem tentou armar um golpe de estado no
país. Igualam-se e colocam a República em perigo.
A esquerda precisa escolher melhor as
batalhas que vai lutar e entender qual é o perigo principal. Nos últimos dias,
o presidente Lula encantou
parte de seu partido com os ataques ao presidente do Banco Central, à autonomia
do BC, e ao “mercado”. Mas de todas as suas palavras resultou o que? Alta do
dólar. Esse é o canal pelo qual as especulações e expectativas encontram o
mundo real. Um BC autônomo é melhor para a estabilidade da economia. O que
exatamente poderia acontecer se vingasse uma proposta de revogar a autonomia?
Haveria uma desconfiança dos agentes econômicos, em geral, e não apenas dos
operadores do mercado financeiro, no compromisso do BC de agir contra a
inflação, o que levaria a mais inflação.
No Congresso, há sempre o risco de um projeto
ruim sair da gaveta a qualquer momento e ser aprovado. Acabamos de ver a
maneira sorrateira com que algumas propostas retrógradas avançam. Mesmo
na Reforma
tributária, que é um evidente avanço, o risco é acabar se aceitando
o absurdo de reduzir o imposto sobre armas de fogo. Seria o preço a pagar pela
reforma, dizem os pragmáticos. Mas é aceitável que o governo Lula faça uma
reforma que, por imposição da bancada da bala e do PL, acabe reduzindo o
tributo sobre armas de fogo?
A democracia é um valor em si. Mas é também
porta para outros avanços. O Pantanal arde, o pampa submerge, rios amazônicos
vão perdendo água, o lençol freático encolhe. Quem tem a proposta de proteção e
regeneração do meio ambiente, atitude de ouvir a ciência e compromisso de
redução das emissões de gases de efeito estufa são as forças progressistas. A
direita, principalmente a extrema que nos governou por quatro anos, deixou
absolutamente claro que o seu projeto é continuar liquidando o patrimônio ambiental
brasileiro.
A corrupção precisa ser combatida. Porque do
contrário parte da opinião pública será capturada pelo discurso do falso
moralista. Empresários amigos não podem ter desconto nas multas que se
comprometeram a pagar por terem confessado atos ilícitos, não podem ser
recriados os cenários que levaram a atos lesivos aos interesses públicos, os
erros da Lava Jato não invalidam o projeto de combater a corrupção e aumentar a
transparência. Errar nisso será altamente danoso. O pacto democrático exige
mais estratégia, melhor escolha de alvos e noção do perigo.
2 comentários:
Muito bom! Como afirma a colunista: "A direita, principalmente a extrema que nos governou por 4 anos, deixou absolutamente claro que o seu projeto é continuar liquidando o patrimônio ambiental brasileiro."
O criminoso ambiental Ricardo Salles comandou a devastação do nosso patrimônio ambiental promovida pelo DESgoverno Bolsonaro, incluindo o terrível enfraquecimento da legislação ambiental e o desmantelamento da fiscalização dos órgãos ambientais federais.
A Funai era comandada por militares e policiais... Os indígenas foram abandonados, enquanto os invasores das suas terras e os garimpeiros ilegais eram estimulados pelo discurso do GENOCIDA e pelas dificuldades que o canalha colocava para os fiscais ambientais atuarem.
A colunista é sempre precisa em suas análises.
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