domingo, 7 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Nova reforma da Previdência se tornou inadiável

O Globo

Estudos constatam explosão de benefícios, déficit crescente e um sistema insustentável

Passados cinco anos da última reforma da Previdência, está clara a urgência de outra. É preciso examinar pontos que passaram por correções suaves ou não foram alterados. É o caso da diferença na idade de aposentadoria de homens e mulheres, dos regimes especiais de servidores públicos, da aposentadoria rural ou dos benefícios assistenciais. A indexação de reajustes ao salário mínimo — que consumirá com o tempo todos os ganhos fiscais da última reforma — contribuiu para chamar a atenção para os desequilíbrios previdenciários. Mas, em razão da inexorável realidade demográfica, eles são maiores e mais profundos.

Um novo estudo de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstra o tamanho do problema. No início deste século, o regime do INSS que atende aos trabalhadores da iniciativa privada (RGPS) arrecadava receitas equivalentes a 84,7% das despesas. De lá para cá, o buraco só fez aumentar e, no ano passado, a arrecadação foi de apenas 65,9% dos gastos. Buscar o equilíbrio aumentando somente a alíquota de contribuição é irrealista. Atualmente, o empregado paga entre 7,5% e 14% do salário. Pelas estimativas do estudo, para custear o RGPS, a alíquota deveria ser de 36%. Um sistema com déficit progressivo é, por definição, insustentável.

Olhando para frente, a situação tende a piorar. Nos próximos 26 anos, a proporção de contribuintes ficará na melhor hipótese inalterada, enquanto a de idosos deverá dobrar. Os reflexos do envelhecimento da população nas contas da Previdência não são projeções distantes. Nos dez anos entre 2012 e 2022, os contribuintes cresciam 0,7% ao ano, enquanto os benefícios pagos subiam 2,2%. Reportagem do GLOBO revela que, desde os anos 1980, a expectativa de sobrevida de quem se aposenta aumentou 3,6 anos para homens e 5,3 anos para mulheres, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV). Não haverá como manter as mesmas idades de aposentadoria tendo de pagar mais ao longo do tempo

Uma das boas notícias recentes foi o aumento dos empregos com carteira assinada. Com risco menor de processos trabalhistas em razão da reforma de 2017, as empresas passaram a formalizar mais funcionários. A mudança tem reflexos positivos no cofre da Previdência, mas seria ingênuo supor que equilibrará as contas. Os pesquisadores do Ipea pensaram num cenário hipotético em que todo o setor informal passasse a contribuir para o INSS. Para financiar aposentadorias, pensões e Benefício de Prestação Continuada (BPC), o desconto mensal do salário teria de ser de 25,6%.

A Previdência existe para garantir o sustento na velhice, não para compensar a deficiência de programas sociais ou para corrigir distorções não previdenciárias. Outras políticas públicas devem ser criadas para atender aos mais necessitados. No livro recém-lançado “A reforma inacabada — o futuro da Previdência Social no Brasil”, os economistas Fabio Giambiagi e Paulo Tafner propõem uma nova rodada de mudanças. Constatam que há compromissos demais para dinheiro de menos. O Brasil precisa fazer escolhas inadiáveis. Quanto mais cedo as fizer, menos dolorosas serão.

Regulação do mercado de carbono é essencial também para coibir fraudes

O Globo

PF desbaratou quadrilha que negociou R$ 180 milhões em créditos fraudados na Amazônia

Os estelionatários não poupam sequer empresas que buscam créditos de carbono para compensar suas emissões de gases do efeito estufa. Em junho, a Polícia Federal (PF), no âmbito da Operação Greenwashing, prendeu o empresário Ricardo Stoppe Junior, que atuava no mercado de créditos de carbono lastreado em terras da União griladas na Amazônia. De acordo com a PF, ele esteve em dezembro na COP28, em Dubai, onde negociou R$ 180 milhões em créditos de carbono fraudados. O esquema dos estelionatários, segundo as investigações, se apropriou ilegalmente de 537 mil hectares na Amazônia — área equivalente à do Distrito Federal — por meio de certificados falsos e da inserção de registros fraudados em cartórios e órgãos públicos.

A gravidade do golpe expõe a lacuna que ainda persiste na regulamentação dos negócios com créditos de carbono, essenciais para financiar projetos de conservação ambiental. Ainda à espera de aval do Congresso, o mercado de carbono opera apenas de forma voluntária e informal. Empresas que, por suas características — donas de áreas de florestas naturais ou reflorestadas —, comprovem capturar mais carbono da atmosfera do que emitem obtêm saldo positivo para vender a quem não consegue compensar suas emissões. Em razão dos acordos internacionais que imporão tetos às emissões, será fundamental oficializar a compra e venda desses créditos como forma de incentivar a redução.

A descoberta da quadrilha que fraudava créditos chama a atenção para a necessidade de maior vigilância nos negócios relacionados à preservação ambiental. Ela contava com a conivência de pelo menos dez servidores públicos do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e da Secretaria estadual das Cidades e Territórios. Entre eles, dois ex-secretários de estado. Segundo a PF, outro envolvido no esquema é ex-superintendente do Incra no Amazonas, no cargo até fevereiro de 2023. Ele é acusado de ter ajudado a quadrilha a retificar a matrícula de um terreno usado para o golpe.

Há fartas gravações de conversas entre os denunciados. Num desses áudios, que constam do relatório da PF a que o GLOBO teve acesso, eles combinam o pagamento de propina, depois confirmado pelo registro de uma movimentação de R$ 139 mil em dinheiro. Uma empresa fantasma em nome do filho de outro servidor do Incra movimentou R$ 5,5 milhões em três anos. A quadrilha também usava áreas griladas para legalizar madeira retirada ilegalmente de reservas indígenas e de regiões protegidas. Ao todo, provocou prejuízos de R$ 606 milhões.

Por ser vital a conservação ambiental, é imperioso que os mecanismos de financiamento de projetos sustentáveis não sejam desacreditados por golpes como os dessa quadrilha com atuação no Amazonas. A regulamentação eficaz do mercado de carbono é fundamental não apenas para criar incentivos à redução das emissões, mas também para coibir fraudes do tipo.

Nunes recebe boas notícias, mas é cedo

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra prefeito à frente de Boulos no 2º turno; outros postulantes e líderes nacionais podem afetar disputa

A mais recente pesquisa do Datafolha sobre a eleição paulistana trouxe boas notícias para o prefeito Ricardo Nunes (MDB). Muito ainda pode acontecer, entretanto, nos três meses que faltam para o primeiro turno da disputa.

Nunes se mantém tecnicamente empatado com Guilherme Boulos (PSOL) na liderança da corrida, repetindo sondagens anteriores. No cenário que considera todos os candidatos, o primeiro tem 24%, e o segundo, 23% das intenções, invertendo as cifras da sondagem realizada no final de maio.

É na simulação de um segundo turno entre os dois, a primeira conduzida pelo instituto, que está o melhor resultado para o emedebista. Ele marca 48%, a uma distância considerável dos 38% do adversário. Outros 12% inclinam-se a votar em branco ou nulo, e 2% não souberam responder.

Em boa parte, a vantagem pode ser explicada pela maior rejeição a Boulos entre os paulistanos. Um terço (33%) do eleitorado local declara que não votaria nele em nenhuma hipótese; não mais de 24% dizem o mesmo sobre o prefeito.

Por fim, a gestão municipal, embora não desperte números dignos de entusiasmo, voltou a merecer uma melhora da avaliação dos entrevistados. É considerada boa ou ótima por 31%, ante 26% em maio, e ruim ou péssima por 22%, abaixo dos 25% apurados antes.

Numa metrópole tradicionalmente pouco satisfeita com governantes e em momento de renovação de lideranças, a disputa deste ano tende a ser acirrada —embora ainda distantes dos primeiros colocados, outros postulantes se mostram capazes de influenciá-la.

À direita, Pablo Marçal (PRTB) tem 10% das intenções no cenário com todos os candidatos e busca o voto bolsonarista. Nesse campo, Nunes tenta o equilibrismo de contar com o apoio do PL de Jair Bolsonaro sem se deixar contaminar pela rejeição elevada ao ex-presidente no eleitorado da cidade.

O apresentador José Luiz Datena (PSDB) marca 11%, mas sua permanência na corrida é colocada em dúvida. Entre seus eleitores declarados, 52% preferem Nunes no segundo turno, enquanto 33% apontam Boulos. O tucano também já esteve cotado para vice na chapa de Tabata Amaral (PSB).

Ela, de discurso moderado, tem 7% das intenções, e seus apoiadores pendem mais para o psolista (56%) que para o emebebista (33%) numa segunda rodada de votação.

Restam ainda os movimentos dos dois principais líderes nacionais, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), abertamente engajado na candidatura de Boulos, e Bolsonaro. Será lamentável se o urgente debate em torno dos desafios da metrópole der lugar a um mero confronto de bandeiras ideológicas.

Recado iraniano

Folha de S. Paulo

Teocracia perde eleição, mas não há sinal de relaxamento do regime autoritário

O moderado Masoud Pezeshkian foi eleito presidente do Irã na sexta (5) com 53,6% dos votos em uma eleição marcada pelo desalento dos iranianos aptos a votar. Sua vitória sobre o candidato dos aiatolás, o linha-dura Saeed Jalili, é tão significativa quanto a não participação de metade do eleitorado.

Parece improvável que o novo governo possa abalar a estrutura da teocracia xiita. No entanto o contexto das eleições evidencia a pressão por relaxamento do regime.

Pezeshkian saíra vencedor na votação ainda mais esvaziada de 28 de junho, mas, como não obteve o mínimo de 50% dos votos, foi necessário um segundo turno.

Aiatolás já lidaram com presidentes eleitos sob bordões de reforma do regime e de reaproximação com o Ocidente. Não teriam dificuldade de lidar com outro, se as circunstâncias não tivessem mudado.

O nervo exposto do governo autoritário está na massa de cidadãos descontentes com a economia combalida e as opressivas regras morais, cooptada pelo chamado ao boicote às urnas.

Pezeshkian, nesse sentido, pode ser usado pelos teocratas se sua gestão amalgamar o apoio de minorias étnicas, reduzir a insatisfação popular com a perda do poder de compra nos últimos anos e rever normas exorbitantes, em particular as impostas às mulheres.

Um voo mais ambicioso seria abrir algum veio de diálogo com o Ocidente sobre a retomada do acordo nuclear firmado em 2015, visando a eliminação das sanções internacionais que prejudicaram a economia do país.

Mas, embora o presidente iraniano tenha a prerrogativa de orientar as políticas econômica e exterior, não há dúvidas de que caberá ao líder supremo, Ali Khamenei, as decisões cruciais nesses setores. E não se vê, até o momento, nenhuma perspectiva de mudança de rota por parte do aiatolá.

Fato é que a teocracia saiu derrotada do pleito. Khamenei reprimiu os protestos de 2022 e 2023 com brutalidade. Se ignorar o recado das urnas, ao menos há alguma chance de estimular a oposição popular ao regime autoritário que há décadas subjuga os iranianos, notadamente as mulheres.

Casa de futricas

O Estado de S. Paulo

Lula diz que pode ‘dormir tranquilo’, pois Rui Costa na Casa Civil impede que outros ministros lhe deem ‘rasteira’. Isso revela o grau de desconfiança que impera no governo

O presidente Lula da Silva disse “dormir tranquilo” com o ministro-chefe da Casa Civil que tem. Em meio à verborragia sem filtros que exibiu em recente viagem à Bahia, Lula encontrou um modo singular de defender o titular da pasta e, em tese, seu principal auxiliar no Palácio do Planalto, o ministro Rui Costa. Ao atribuir méritos à Casa Civil, desabonou os demais ministros, embora sem citá-los nominalmente, e expôs a natureza das relações na Esplanada dos Ministérios. Um assombro.

“A presença do Rui na Casa Civil, e a equipe que ele montou, é a certeza de que posso dormir toda noite tranquilo que ninguém vai tentar me dar uma rasteira”, disse o presidente, durante discurso em Feira de Santana. Para Lula, tanto Rui Costa quanto a secretária executiva do Ministério, Miriam Belchior, são úteis porque “nenhum ministro conta uma mentira” sem ser desmentido por ambos. “É por isso que muitas vezes vocês ouvem que há divergência entre Rui e outros ministros”, emendou.

O ex-governador da Bahia tem sido objeto frequente de críticas de colegas ministros, é visto com ressalvas por muitos deputados e senadores em meio às dificuldades do governo na articulação política com o Congresso, está no epicentro de algumas das decisões mais questionáveis do governo e se tornou um dos principais personagens daquilo que os franceses chamam de politique politicienne – as futricas palacianas. Algumas vezes, há de fato choques de opinião que ecoam visões distintas, o que é natural num governo de coalizão multipartidária. Outras vezes, menos republicanas, revela-se tão somente o desencontro de ambições e de interesses.

Seja como for, a declaração de Lula escancara a desconfiança que impera na relação do presidente com seus auxiliares – e quem conhece as entranhas do poder sabe a disposição de ministros e assessores para tentar driblar a força dissuasória e de comando que um presidente da República tem, omitir falhas, direcionar escolhas e se proteger do chefe. Sobretudo ante um chefe como Lula, que se vê acima do bem e do mal e explora as divergências internas para exercer seu poder como um árbitro ungido pelo Espírito Santo. Em muitos casos, porém, são problemas que não se restringem ao universo petista: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso incluía esse item na gaveta de problemas com os quais precisava lidar no exercício do cargo e no que chamava de “solidão do poder”.

Há, contudo, singularidades na Casa Civil lulopetista e dizem respeito tanto à natureza da pasta quanto à competência frágil para cumprir o que lhe cabe. Como em outros governos – do PT ou não – a Casa Civil costuma ser considerada o ministério mais importante no Palácio do Planalto, pela atribuição de coordenação dos outros ministérios e pelo braço político que exerce. É um trabalho bastante próximo do presidente – literalmente, inclusive: a pasta fica um andar acima do gabinete presidencial. Na prática, o ministro ajuda o presidente a desempenhar suas atribuições. Numa ponta, tem perfil administrativo, avaliando e monitorando o trabalho de outras pastas e órgãos governamentais; noutra ponta, tem perfil de articulação política; entre uma e outra, exerce a tarefa de articular políticas públicas para executar obras estratégicas de infraestrutura.

Em todas as pontes, porém, é evidente a baixa eficácia da Casa Civil de Lula. No front político são fartos os exemplos de fracasso do governo nas negociações com o Congresso. No administrativo, basta lembrar as sucessivas demonstrações de inépcia na condução das políticas prioritárias para o País. Em ambos, a Casa Civil tem sido um esteio seguro para que Lula seja Lula: aquele que ora dá bronca indireta nos demais ministros, ora faz valer seu apetite intervencionista, como se vê nas polêmicas envolvendo a Petrobras.

Seja assegurando o rumo correto do governo e evitando a dispersão de iniciativas e prioridades, seja concentrando-se na articulação política, uma Casa Civil eficaz garante a tranquilidade necessária ao presidente da República. Permite a ele um sono tranquilo, portanto, mas não pelas razões informadas por Lula da Silva, mais preocupado em evitar rasteiras de ministros e em colher dividendos eleitorais do que melhorar o País. No fim das contas, quem não dorme tranquilo é o Brasil.

O legado controverso de Lira e Pacheco

O Estado de S. Paulo

Presidentes da Câmara e do Senado protagonizaram a defesa da democracia e de importantes projetos, mas a verdadeira ‘marca’ da gestão de ambos talvez seja a distorção do Orçamento

Às vésperas do recesso parlamentar, que começa no próximo dia 17, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) correm contra o tempo, como mostrou o Estadão, para aprovar projetos de lei que lhes sirvam como “marca” de suas gestões à frente da Câmara e do Senado, respectivamente. Um e outro podem descansar, pois essa tal marca a que tanto almejam já é lamentavelmente conhecida por todo o País. O grande legado de Lira e Pacheco no comando das Casas Legislativas é a consolidação do orçamento secreto, engendrado em conluio com o ex-presidente Jair Bolsonaro e revelado por este jornal em maio de 2021.

Sob a liderança de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, o Poder Legislativo acumulou um poder inaudito na Nova República sobre a disposição dos recursos do Orçamento da União pela via mais torpe possível. Numa espécie de parlamentarismo tropical, ao expressivo empoderamento político-financeiro do Congresso em relação ao Poder Executivo, por meio do orçamento secreto, jamais correspondeu uma responsabilização política pelas escolhas feitas pelos deputados e senadores. E nem poderia corresponder, pois essas escolhas são desconhecidas. O mistério é a essência do orçamento secreto, uma evidente perversão do processo orçamentário, que, sob a premissa da transparência, é o ponto nevrálgico de qualquer democracia que se pretende séria.

É de justiça reconhecer, como este jornal já sublinhou no tempo oportuno, que, durante alguns dos momentos mais dramáticos do trevoso mandato de Bolsonaro, o Congresso, ao lado do Supremo Tribunal Federal (STF), serviu como firme barreira de contenção à razia bolsonarista em não poucas esferas da administração pública. Ademais, projetos de lei e Propostas de Emenda à Constituição de importância capital para o País também foram aprovados ao longo desses quatro anos em que Lira e Pacheco, respectivamente, terão presidido a Câmara e o Senado. A aprovação da reforma do sistema tributário, um projeto ansiado pela sociedade havia mais de três décadas, é apenas o exemplo mais eloquente de um bom trabalho liderado pelos dois.

Mas, ora, se é de “marca” que se está tratando, não há outra senão o orçamento secreto. Afinal, outras legislaturas e outros presidentes das Casas Legislativas já legaram ao País marcantes avanços legais. Mas nenhum ousou se assenhorar do Orçamento da União com tamanha ambição, desrespeito à Constituição e às decisões do STF e, não menos importante, descaso pelo interesse público.

No caso de Lira, em particular, seu legado à frente da Câmara é ainda mais pernicioso. Além da operação do orçamento secreto como moeda de troca para barganhas para lá de suspeitas, registre-se em seu nome a quase anulação do papel exercido pelas comissões temáticas da Casa para o bom debate público. Aprovando requerimentos de “urgência” estapafúrdios, autorizando votações remotas sem necessidade e criando a torto e a direito os tais “grupos de trabalho” com deputados escolhidos a dedo por ele, Lira controlou a agenda da Câmara com poderes praticamente imperiais. Como se isso não bastasse, uma de suas primeiras medidas no cargo foi acabar com o chamado “kit obstrução”, cerceando a democrática manifestação das minorias.

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco traçaram planos políticos arrojados para o momento em que deixarem seus cargos e “baixarem à planície”, como se costuma dizer em Brasília. Lira, que cogita concorrer ao Senado em 2026 por Alagoas, não dá um passo sem calcular o impacto de suas ações na eleição que definirá seu sucessor, em fevereiro do ano que vem. Consta que Pacheco, por sua vez, pretende disputar o governo de Minas Gerais nas próximas eleições.

Pode ser que ambos venham a ser bem-sucedidos em seus objetivos. Mas, se isso vier a ocorrer, terá sido a despeito da avacalhação que promoveram na gestão do Orçamento – um quadro fiel da grave crise da democracia representativa no Brasil.

O temor dos cientistas

O Estado de S. Paulo

Deputados dão aval a corte de dinheiro na Fapesp, o que preocupa pesquisadores sérios

Não sem razão, cientistas paulistas andam preocupados. A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) ignorou apelos de pesquisadores e aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 com a possibilidade de corte de até 30% das verbas para pesquisa. Se depender dos deputados estaduais, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) poderá perder até R$ 600 milhões no próximo ano.

Com potencial de impacto imediato, esse tipo de proposta – já aventada em gestões passadas, mas sem tamanho sucesso como o obtido até aqui – embute riscos futuros para São Paulo e o País. Patrimônio paulista, assim como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Fapesp recebe, conforme a Constituição do Estado, 1% dos tributos para destinar recursos à pesquisa.

Obviamente, o juízo político para a alocação do dinheiro público é uma prerrogativa dos Poderes constituídos. Cabe ao Executivo propor as regras orçamentárias e, com ajuste, aval e escrutínio do Legislativo, levá-las a cabo. Mas mudanças dessa envergadura, mesmo sendo a Fapesp uma instituição com recursos em caixa, exigem debate e planejamento, para que se eleve a qualidade da produção do conhecimento, não o contrário.

O risco de um eventual corte na Fapesp ocorre porque o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), conforme revelado pelo Estadão, colocou um dispositivo na LDO para permitir remanejamentos. Para isso, foi invocada a Desvinculação das Receitas dos Estados e Municípios (DREM), prevista desde 2016 na Constituição Federal e que autoriza o uso de dinheiro carimbado para outras finalidades até 2032, o que, de fato, desengessa o Orçamento público e libera recursos para prioridades emergentes.

No entanto, pesquisadores de renome, como a geneticista Mayana Zatz, tentaram demover os deputados de chancelar a medida. A diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP esteve na Alesp, apresentou argumentos pela preservação do orçamento da Fapesp – em torno de R$ 2 bilhões por ano – e explicou a importância da instituição. Como se vê, a iniciativa não surtiu efeito.

Passada a votação, Zatz expôs seu maior temor, em entrevista à GloboNews: “Nós estamos extremamente preocupados com o futuro da pesquisa. O dinheiro que está na conta da Fapesp é um dinheiro comprometido. O grande diferencial da Fapesp é fazer pesquisa em longo prazo”, afirmou. A cientista citou, ainda, projetos que exigem anos de estudo na medicina e agropecuária. Apesar de Tarcísio dar sinais de que não pretende cortar verbas, Zatz enfatizou que nada impede que um próximo governador o faça. Eis o perigo.

O financiamento da pesquisa exige reforma – não açodamento –, com propostas de diversificação de fontes de recurso, como o setor privado, e a valorização de pesquisadores por metas alcançadas. Em um cenário de incertezas, não à toa o Brasil assiste à fuga de cérebros. Não serão cortes, por sua vez, que trarão resultados.

Mercado da beleza sem controle

Correio Braziliense

Assim como existem normas muito claras para a divulgação de substâncias lícitas, é evidente que a popularização de procedimentos estéticos exige um enquadramento regulatório e maior fiscalização

As recentes mortes de dois jovens submetidos a procedimentos estéticos evidenciam a existência de um mercado livre de qualquer fiscalização de autoridades sanitárias ou de entidades de classe ligadas à saúde. Em junho, o empresário Henrique Silva Chagas, de 27 anos, morreu em São Paulo após uma sessão de peeling de fenol no rosto. Na semana passada, em Brasília, Aline Ferreira da Silva, de 33 anos, perdeu a vida após aplicação nos glúteos de polimetilmetacrilato, substância conhecida como PMMA, de uso altamente específico e controlado — e não recomendado para tratamentos estéticos. 

Como já escrito nesta página, em Beleza a qualquer preço (05/07), a disseminação dessas práticas de alto risco para a saúde pública denota uma inadmissível lacuna e leniência das autoridades. É urgente que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e os conselhos regionais e Federal de Medicina, entre outras entidades, adotem medidas rigorosas e inequívocas para limitar ao máximo o uso dessas substâncias de potencial tão nocivo para a saúde, bem como impedir que vigaristas e desqualificados matem ou causem graves lesões em pacientes interessados em algum procedimento estético. 

O horror cometido em clínicas de estética revela outra face sombria, ainda pouco debatida pela sociedade brasileira: a presença das redes sociais no mercado da vaidade. Em São Paulo, a dona da clínica responsável pelo peeling fatal é conhecida como Natalia Becker, com mais de 200 mil seguidores em uma rede social e um espaço livre para explorar um mercado no qual exibir um corpo esculpido ou um rosto harmonizado significa popularidade, fama e dinheiro. 

Não se trata aqui, por óbvio, de demonizar a indústria da beleza. É atividade econômica relevante, responsável por milhões de empregos e capaz de contribuir para o bem-estar da sociedade. O que se discute são os desvios, os excessos e as condutas criminosas que contaminam esse mercado. Nesse ponto, é importante refletir, mais uma vez, sobre a responsabilidade das redes sociais. É inegável que elas exercem um apelo cada vez maior em tempos em que muitos estão mais preocupados em exibir uma bela estampa do que compartilhar um conteúdo de qualidade. 

No Congresso Nacional, onde se empurra com a barriga a regulação das redes sociais, muito se fala sobre o perigo das fake news, em particular no contexto político-eleitoral. Passa em silêncio, contudo, a discussão se é preciso, por exemplo, proibir qualquer propaganda ou divulgação de procedimentos ou tratamentos à saúde nas redes sociais. Contar com a boa fé de charlatães e o excesso de confiança do paciente tem se revelado uma temeridade, particularmente em uma sociedade que tanto valoriza o mercado da vaidade. 

Assim como existem normas muito claras para a divulgação de substâncias lícitas — como medicamentos, cigarros e bebidas alcoólicas —, é evidente que a popularização de procedimentos estéticos exige um enquadramento regulatório e maior fiscalização. A permissividade reinante nas redes sociais abre um terreno fértil para aproveitadores e sacripantas, ao mesmo tempo em que coloca em risco o legítimo direito da pessoa de querer se enxergar mais bonita — desde que permaneça saudável e viva.

 

 

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