Musk deve cumprir ordens, mas STF não pode extrapolar
O Globo
Liberdade de expressão não justifica que
redes sociais fujam a suas responsabilidades jurídicas
A reação do ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF),
à recusa do empresário Elon Musk em
cumprir decisões judiciais para remover contas e publicações ilegais de sua
rede social X e em indicar um representante legal para responder por suas
decisões no Brasil apresenta pontos extremamente controversos. O primeiro foi
notificá-lo por meio de um post em rede social, o próprio X. Que farão agora os
oficiais de justiça diante da árdua tarefa de notificar alguém que evita ser
encontrado? Usar as redes sociais do cidadão? Cabe tal procedimento em nosso
sistema de justiça ou a inovação valerá apenas para ministros do Supremo?
É verdade que Musk acabou dando ciência à notificação, ao respondê-la de modo grosseiro. Mas o certo teria sido enviar uma carta rogatória, a que o comum dos mortais tem de recorrer quando depara com situação semelhante. O segundo ponto, ainda mais heterodoxo e esdrúxulo, foi o congelamento das finanças de outra empresa controlada por Musk, a Starlink, que nada tem a ver com o X e oferece serviço essencial de internet por satélite em regiões remotas — a medida é tida como ilegal por juristas respeitados. É certo que chegar a Musk é difícil, mas, por moroso que seja o processo, ele tem de ser feito dentro da lei. Espera-se que o plenário do STF corrija esses desvios. Nenhum ministro deve ser considerado imune a erros ou dono da palavra final.
Diante da reiterada arrogância de Musk, não
restou alternativa senão suspender o X no país, para que o Brasil pudesse
exercer sua soberania. Mas estipular multas para usuários que acessem a rede
usando programas de redes privadas (conhecidos como VPN na sigla em inglês)
extrapola todos os limites do razoável. Os excessos flagrantes de Moraes,
contudo, em nada mudam a obrigação de Musk respeitar as ordens da Justiça, como
qualquer empresário sério.
O argumento mais usado pelas plataformas
digitais quando querem descumprir ordens judiciais ou se esquivar da
responsabilidade pelo que circula em suas redes é alegar a defesa da liberdade
de expressão dos usuários. Porém essa postura libertária, que não se restringe
a Musk, está em xeque no mundo todo. A União Europeia investiga o X há sete
meses, com base na recente Lei de Serviços Digitais, sob a acusação de não ser
transparente e de alimentar a desinformação. O processo pode gerar uma multa de
até 6% do volume total de negócios da empresa.
Na França, o russo Pavel Durov, criador do
Telegram, conhecido pela obstinação contra ordens das autoridades de vários
países — basta lembrar a dificuldade que foi enquadrá-lo na legislação
eleitoral brasileira em 2022 —, foi detido, sob a acusação de recusar-se a
colaborar com investigações sobre tráfico de drogas, pornografia infantil,
lavagem de dinheiro e outras violações à lei. Foi indiciado por cumplicidade em
12 crimes, teve de pagar fiança de € 5 milhões para ser libertado e está
proibido de deixar o país. Defensores de Durov, entre eles Musk, o consideram
um mártir da liberdade de expressão.
É sintomático que Musk se diga libertário,
mas critique democracias como França, Reino Unido e, sim, Brasil, que tentam
regular a selva em que as redes se transformaram. Na Índia, país que enfrenta
um preocupante recuo democrático, ele acatou todas as determinações para
remover conteúdos e contas de jornalistas que incomodavam o regime do premiê
Narendra Modi. Na Turquia, respeitou a ordem para reduzir o alcance de tuítes
críticos ao governo autoritário de Recep Tayyip Erdogan.
Nos Estados Unidos, onde a lei é mais
tolerante com discursos considerados criminosos noutros países, as plataformas
precisam tomar cuidados. Durante a pandemia, Facebook e Instagram cederam a
pressões do governo e reduziram o alcance de conteúdos criticando o fechamento
de escolas. Na campanha eleitoral de 2020, suprimiram postagens com denúncias
envolvendo Hunter Biden, filho do então candidato Joe Biden. Em carta recente,
porém, Mark Zuckerberg se disse arrependido de ter cerceado os usuários em ambas
as ocasiões.
Cada um desses casos deve ser avaliado por
seus próprios méritos e circunstâncias. É verdade que, em certas situações, a
Justiça pode se exceder ao tentar controlar crimes cometidos por meio das
plataformas — e isso é lamentável. Mas elas não podem usar tais excessos ou a
defesa da liberdade de expressão como pretextos para fugir a suas
responsabilidades. A mídia tradicional, mesmo em democracias centenárias,
sempre foi regulada sem prejuízo às liberdades. Por que as digitais não podem
ser?
Liberdade de expressão é valor cardeal em
qualquer democracia, mas não se trata de direito absoluto. O uso do meio
digital para cometer crimes precisa ser coibido, e eventuais exageros da
Justiça podem ser atribuídos a um regime jurídico ainda leniente demais com as
plataformas. No Brasil, a aprovação do PL das Redes Sociais, há anos parado no
Congresso, traria uma contribuição enorme ao deixar claro que Musk, Durov,
Zuckerberg ou qualquer controlador de rede social têm um dever que vai muito
além de discursos defendendo a liberdade de expressão. Até lá, o país estará à
mercê de empresários arrogantes e decisões judiciais improvisadas.
Elon Musk não está acima da lei
Correio Braziliense
O que está em jogo não é mais uma questão pontual, é a autoridade das instituições democráticas do país, ameaçadas de desmoralização por um empresário que se coloca superior a elas
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou a suspensão da rede social X do Brasil com base na legislação vigente. A empresa é obrigada por lei a manter um representante no Brasil, mas se recusou a fazê-lo no prazo de 24 horas, como havia determinado o ministro. A decisão é uma consequência natural da forma inaceitável com que o empresário Elon Musk, dono da rede, se recusou a cumprir a ordem judicial. Nenhum brasileiro está acima da lei. Porém, o magnata sul-africano se coloca superior às instituições do país.
O prazo dado por Moraes para a nomeação de um representante legal no Brasil havia terminado na quinta-feira, à noite, mas Musk pagou para ver, preferiu escalar o confronto com o Supremo e ainda atacou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O empresário fechou o escritório da X no Brasil em 17 de agosto porque, supostamente, Moraes havia ameaçado prender seu representante legal. Em resposta, a X disse que não retiraria do ar os perfis de conteúdo golpistas e ataques às instituições, com o argumento de que as decisões seriam "ilegais".
A empresa Starlink Holding, por sua vez, recorreu ao STF, nesta sexta-feira, contra a decisão de Moraes que bloqueou as contas bancárias da firma no Brasil em razão de seus ativos serem do mesmo dono da X. Como a plataforma não tem representante legal no país, o ministro quer garantir o pagamento de multas aplicadas à rede social — o valor ultrapassa R$ 18 milhões. A Starlink alega que não era parte do processo judicial e que seus ativos foram bloqueados "sem justificativa plausível".
Até o momento, a Justiça só conseguiu bloquear R$ 2 milhões em recursos da X. Segundo Moraes, é "numerário muito inferior aos valores atuais da multa, que continua sendo ampliada em virtude da permanência do descumprimento de ordem judicial". Ao fundamentar sua decisão, o ministro do Supremo afirmou que ficou configurada a existência do chamado "grupo econômico de fato" entre X Brasil, Starlink Brazil Holding e Starlink Brazil Serviços de Internet. Moraes entende que a responsabilidade solidária das empresas componentes de um mesmo grupo econômico é reconhecida no direito brasileiro.
O Brasil é o único país em rota de colisão com Musk. A União Europeia já acusou o empresário de violar a legislação do bloco. Austrália, Inglaterra, Índia e Turquia também já determinaram a retirada de perfis e postagens por parte do X, o que gerou atritos com o empresário. No caso brasileiro, porém, envolvido diretamente em disputas de natureza ideológica, Musk escalou a crise, a ponto de o X ser retirado do ar.
O que está em jogo não é mais uma questão pontual, é a autoridade das instituições democráticas do país, ameaçadas de desmoralização. Com todo o poder de que dispõe, Musk procura caracterizar o Brasil como um país de regime autoritário na opinião pública mundial, a pretexto de defender a liberdade de informação, mas é um empresário engajado na política norte-americana, principalmente na campanha de Donald Trump, e simpático às forças de extrema-direita no mundo.
Ajuda com dinheiro público
aos sindicatos
Folha de S. Paulo
Com decisão de risco
patrocinada pelo governo, entidades poderão gerir verbas bilionárias do FAT
para incentivar emprego
É alarmante a decisão do
Conselho Curador do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) de autorizar que sindicatos e
centrais sindicais administrem projetos voltados para ações de incentivo ao
emprego.
Tais ações são hoje
implementadas no âmbito do Sistema Nacional de Emprego (Sine) do Ministério
do Trabalho e
custeadas por recursos do FAT, cujo orçamento em 2025 será de R$ 118,5 bilhões,
dos quais R$ 57,2 bilhões para custeio do seguro-desemprego e
outros R$ 30,6 bilhões para o pagamento do abono salarial.
A infraestrutura pública
atual conta com 1.434 unidades no país, de tamanho e escopo de serviços
variados, entre eles qualificação profissional, laboratório de informática,
fomento ao empreendedorismo e auxílio na busca de vagas no mercado.
A resolução do conselho cria
um projeto-piloto de dois anos em que a gestão de novas unidades poderá ser
feita por sindicatos e outras organizações da sociedade civil.
Na prática, mesmo em fase
inicial, abre-se espaço para que as organizações recebam uma fatia dos recursos
do FAT, gerido por comissão tripartite com membros de governo federal, centrais
sindicais e confederações patronais.
O colegiado também aprovou a
inclusão de emendas parlamentares nas fontes de custeio, um convite a alocações
sem critério.
Não é difícil imaginar a
multiplicação de pontos de atendimento, sem parâmetros claros ou coordenação,
já que provavelmente serão facilmente bancados pelos novos aportes a partir do
ano que vem.
Fica a clara impressão
de favorecimento
às centrais e aos sindicatos —uma compensação
pelo fim do imposto sindical, que o governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) não
conseguiu restaurar. Adiante passarão a contar com uma nova fonte de recursos
de natureza pública, cujo grau de transparência está por ser verificado.
Além de favorecer o
clientelismo, a decisão ameaça reduzir a efetividade dos programas com a
dispersão do atendimento e provável falta de coordenação.
O sistema de atendimento já
tem capilaridade, em que gestores locais de estados e municípios tomam parte na
oferta de serviços e na prestação de contas.
Tais riscos precisam ser
monitorados desde já, enquanto o projeto inicial não se converte em ação
definitiva. Deve-se sempre operar para fortalecer a rede de prestação dos
serviços e por maior efetividade dos programas com potencial de criar emprego e renda. Mas
fazê-lo de forma clientelista enfraquece a atuação pública.
Em vez de criar um mercado
cativo para interesses sindicais, o melhor seria coordenar as políticas do Sine
com outros programas governamentais, em especial o Bolsa Família,
de modo a ampliar as chances de que os beneficiários atuais encontrem trabalho.
Refúgio prejudicado
Folha de S. Paulo
Governo não deve compensar dificuldades com
restrições aos que pedem proteção
Desde segunda (26), estão em vigor novas
regras estabelecidas pelo Ministério da
Justiça que proíbem
pessoas em trânsito e sem visto de requisitar refúgio no Brasil.
Assim, o governo federal tenta dar conta do alto número de pedidos.
Essa é uma solução equivocada, no entanto, já
que restringe o direito de cidadãos estrangeiros, que alegam estar sob
perseguição no país de origem, de solicitarem proteção internacional no país.
Por óbvio, não se trata de trivializar o
volume migratório desafiador. Só entre janeiro e julho deste 2024, a Polícia
Federal afirma ter recebido mais do que o dobro de pedidos de
refúgio (9.082) registrados em todo o ano passado (4.239).
No mesma segunda (26), havia 576 viajantes
inadmitidos no aeroporto de
Guarulhos, que dispõe de uma sala com capacidade para apenas 20
pessoas nessa situação, segundo um defensor público.
Em que pese a dificuldade da situação, não é
a primeira vez que o país recebe muitos migrantes, como se viu nos casos de
venezuelanos e haitianos. No ano passado, o Comitê Nacional para os Refugiados organizou
uma força-tarefa para processar 138 mil solicitações.
Agora, porém, entre restringir pedidos ou
aperfeiçoar o atendimento para lidar com o crescimento da demanda, o governo
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
escolheu punir, pela própria ineficiência, o púbico que deveria proteger.
A repatriação forçada fere a
legislação ao confundir migrantes com refugiados. Enquanto os
primeiros podem ser repatriados caso não possuam visto, de acordo com a Lei de
Migração de 2017, os outros são especialmente amparados pela lei brasileira de
refúgio de 1997.
Cabe ao poder público brasileiro aumentar a
capacidade de processar pedidos com rapidez, bem como combater, com uso de
inteligência e cooperação internacional, o tráfico de pessoas.
A mera restrição à entrada de estrangeiros que requisitam refúgio em nada resolve o problema; pelo contrário, agrava-o, ao indicar que o Brasil não cumpre seu dever.
A escalada autoritária do Supremo
O Estado de S. Paulo
Suspensão do X é a culminação de um inquérito
eivado de truculência. Se quer mesmo defender a democracia, STF deveria
reconsiderar esses processos típicos de um estado de exceção
O ministro Alexandre de Moraes ordenou a
suspensão da rede social X em todo o Brasil, por sistemático desrespeito a
ordens judiciais. Tomada isoladamente, a decisão está correta: ordens judiciais
podem ser contestadas, mas jamais descumpridas. A suspensão da rede social,
malgrado ser medida extrema, foi o meio escolhido pelo ministro Moraes para
fazer valer a determinação da Justiça. Dito isso, esse desfecho é a culminação
de uma escalada autoritária por parte do ministro Moraes, num processo eivado
de abusos a título de defender a democracia – e tudo aparentemente corroborado
pelos demais ministros do Supremo, sob a gritante ausência da
Procuradoria-Geral da República.
Antes de mandar suspender a rede social X,
Moraes ordenou o bloqueio de bens da Starlink, uma empresa fundada por Elon
Musk, a pretexto de quitar as multas do X, do qual Musk também é acionista
majoritário. Essa flagrante ilegalidade, que comporta tremendos riscos para a
segurança jurídica e para os investimentos no Brasil, é mais um dos danos
causados pelo destempero de Moraes, que, em nome de sua autoatribuída missão
salvacionista, está triturando o devido processo legal.
Há alguns dias, Musk decidiu fechar o
escritório brasileiro do X porque, segundo ele, Moraes ameaçara com prisão a
então representante, por se recusar a cumprir ordens de suspensão de perfis.
Dias depois, Moraes intimou Musk a indicar um novo representante legal do X no
Brasil, sob pena de suspensão de suas atividades no País.
Sim, há leis no Brasil, como as que exigem o
cumprimento de ordens judiciais e a presença de uma representação legal no País
para empresas que aqui fazem negócios. Uma empresa como o X deve responder por
seu descumprimento. Mas há ritos também.
Já a citação, feita em uma postagem pelo
perfil do STF no próprio X, é no mínimo exótica. O caminho regular para intimar
alguém no exterior é através de carta rogatória oficiada ao país de residência
do alvo da ordem judicial. A ilegalidade do bloqueio de recursos da Starlink,
por sua vez, é incontroversa. O X e a Starlink pertencem a empresas distintas,
com acionistas diversos, e para cobrar de uma empresa o valor da dívida de
outra, ainda que tenham o mesmo dono, seria necessário comprovar a existência
de fraude.
Mandando às favas a prudência procedimental
em favor da espetacularização, Moraes semeia vento – e o Brasil colhe
tempestade.
Para agravar a situação, há um vício de
origem em todo esse processo: ele nem sequer deveria estar sob a jurisdição do
Supremo. Mas o caso é só mais um dos vícios da verdadeira Caixa de Pandora que
são os inquéritos secretos, intermináveis e onipresentes conduzidos por Moraes.
Inquéritos têm de ter prazo para acabar, ser
transparentes e ter objeto determinado. Mas, atribuindo-se uma espécie de juízo
universal de defesa da democracia, o ministro multiplica exceções a essas
regras, e já determinou suspensões de contas em redes sociais, afastamentos de
autoridades, censuras a empresas e veículos de comunicação, multas
exorbitantes, confisco de passaportes, apreensões de celulares, quebra de
sigilos bancários e telemáticos, detenções em massa e prisões preventivas
intermináveis. Em tese, medidas extremas como essas são possíveis no
ordenamento jurídico. Mas devem ser fundamentadas e, exceto em casos
excepcionais, públicas. Nada disso pôde ser verificado, porque os inquéritos
correm em sigilo, e, em grande parte, à revelia do Ministério Público, a
instituição responsável por investigar e denunciar crimes.
A complacência do plenário do STF com esse
“estado de coisas inconstitucional” é intolerável. Acumula-se sobre a Corte uma
grossa nuvem de suspeição. A Procuradoria-Geral da República é omissa.
O Supremo, como instância máxima do
Judiciário, deveria ser o guardião da Constituição, da segurança jurídica, das
liberdades fundamentais, da liberdade econômica e da pacificação social, mas
hoje é um dos maiores adversários de tudo isso. Se está mesmo interessado em
defender a democracia, o Supremo deveria reconsiderar esses processos dignos de
um estado de exceção.
Mais uma afronta à responsabilidade fiscal
O Estado de S. Paulo
Num gesto para prefeitos perdulários, Câmara
enfraquece a Lei de Responsabilidade Fiscal ao retirar gastos com terceirização
do limite de despesas com pessoal de Estados e municípios
A Câmara dos Deputados aproveitou uma semana
esvaziada em Brasília para cometer mais um atentado contra a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF). Em uma votação remota, os deputados aprovaram um
projeto de lei complementar que retirou os gastos com terceirização e com
organizações da sociedade civil do limite de despesas com pessoal previsto na
LRF.
A LRF estabelece balizas vinculadas à receita
corrente líquida (RCL) dos entes federativos para conter a despesa total com
pessoal. O teto é de 60% da RCL para a União e de 50% para Estados e
municípios.
Embora os limites tenham sido mantidos, o
texto aprovado muda a forma de calculá-los. Contratos terceirizados com
empresas e organizações sociais para limpeza urbana e gestão de hospitais –
que, por óbvio, incluem a contratação de profissionais para a prestação dos
serviços – deverão ser contabilizados à parte por Estados e municípios, como
prestação de serviços especializados.
O projeto de lei foi apresentado em 2012 e
chegou a ser arquivado pela Câmara, mas ressuscitou em abril deste ano já com
um requerimento de urgência, pedido que permite pular etapas de tramitação nas
comissões e pautar a proposta imediatamente em plenário para discussão e
votação.
O tema não estava no radar de ninguém até ser
incluído na ordem do dia nesta semana, mas esse tipo de manobra não ocorre sem
acordo. E, na votação, ficou muito claro que havia. Todos os partidos e blocos
orientaram suas bancadas a votar favoravelmente ao texto, Novo e PL abriram mão
dos requerimentos de retirada de pauta que haviam apresentado e o governo não
fez o menor esforço para barrá-lo.
O texto foi aprovado por 370 votos a 15, bem
mais que os 257 necessários. Muito ocupado com as articulações para sua
sucessão, o presidente Arthur Lira (PP-AL) nem sequer apareceu na Câmara nesta
semana, o que de forma alguma significa que não estivesse ciente do que ocorria
no plenário sob o comando de seu aliado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).
Municípios que ultrapassam os limites de
gastos com pessoal têm os repasses de verbas federais e estaduais suspensos e
são proibidos de contratar novos financiamentos. Retomá-los requer medidas
duras, como a redução de despesas com gastos com cargos comissionados e de
confiança e a demissão de servidores sem estabilidade.
Tais restrições são essenciais para garantir
o cumprimento dos limites. Mas muito mais fácil que cumprir a lei é driblá-la
por dentro, ainda que com argumentos risíveis. No parecer preliminar, a
relatora, Nely Aquino (Podemos-MG), considerou que a matéria era meramente
normativa e afirmou que a proposta não implicava renúncia de receitas ou
aumento de despesas.
Se não tinha sustentação técnica, não faltou
apoio político à proposta, evidentemente abraçada pela Confederação Nacional
dos Municípios e pela Frente Nacional dos Prefeitos. Na parca discussão que
houve na Câmara, os deputados reclamaram do Supremo Tribunal Federal (STF), que
teria alterado o entendimento sobre a forma de contabilização de despesas com
pessoal e, consequentemente, motivado a Secretaria do Tesouro Nacional a editar
uma portaria com a norma.
Ora, nunca houve tal mudança. O STF e o
Tesouro apenas cobravam o cumprimento ipsis litteris da lei, enquanto
prefeitos se aproveitavam de uma lacuna normativa para não cumprir suas
obrigações. Não satisfeitos, eles finalmente convenceram os deputados a mudar a
legislação. O texto ainda precisa ser aprovado pelo Senado, mas nada indica que
terá dificuldades por lá, sobretudo em ano eleitoral.
Não é a primeira que o Congresso facilita a
vida de administradores irresponsáveis, e nada indica que será a última. As
reflexões sobre o aniversário de 30 anos do Plano Real mostraram que o fiscal
se tornou a parte mais frágil do tripé macroeconômico.
Próximo de completar 25 anos, a Lei de
Responsabilidade Fiscal é um exemplo de que, no Brasil, existem leis que pegam
e leis que não pegam. Revogá-la seria um escândalo, mas isso não impediu que
ela fosse desfigurada. Assim, todos podem ser perdulários sem abandonar a pose
de responsabilidade.
Ditadores ‘muy amigos’
O Estado de S. Paulo
Ataques dos companheiros Nicolás Maduro e
Daniel Ortega dão ao Brasil chance de repensar amizades
O fogo amigo disparado por aliados
estrangeiros de Lula da Silva anda intenso nos últimos dias. O ditador da
Nicarágua, Daniel Ortega, que não faz muito expulsou o embaixador brasileiro
Breno de Souza Brasil Dias da Costa de Manágua, agora acusa o governante
brasileiro de se alinhar aos Estados Unidos e de querer representar os
interesses “ianques” na América Latina. As declarações delirantes de Ortega,
grande aliado de Nicolás Maduro, foram motivadas pelo fato de o Brasil não ter
reconhecido a vitória do ditador venezuelano no arremedo de eleição
presidencial por ele encenado no mês passado. Aliados de conveniência, a quem o
Brasil só é interessante se lhes passa a mão na cabeça, Ortega e Maduro
desafiam a percepção de que “o Brasil voltou”, como apregoado pelos petistas
após a vitória eleitoral sobre Jair Bolsonaro, cuja Presidência havia
transformado o País em pária internacional. Se “o Brasil voltou”, então é bom
que essa volta seja acompanhada de uma atualização da visão de mundo do líder
petista, bem como dos aliados de quem se cerca. O fogo “muy amigo” de Ortega e
Maduro lhe dá ao menos a oportunidade de livrar-se de más companhias.
Não deixa de ser irônico que o governo
petista, prisioneiro da visão de mundo da guerra fria e da luta de classes,
seja acusado de ser subserviente aos EUA, como devaneia Ortega, para quem Lula
é um intermediário dispensável, do qual não precisa caso queira falar com o
Vaticano – o regime nicaraguense vem perseguindo padres, o que teria motivado o
papa Francisco a pedir que o brasileiro intercedesse junto a Ortega em favor
dos religiosos. Após expulsar o embaixador brasileiro da Nicarágua, Ortega não
deixou ao Brasil outra opção que não aplicar o princípio de reciprocidade e
expulsar a representante nicaraguense Fulvia Patricia Castro Matus. Agora
ex-amigo, Ortega ataca até a credibilidade de gestões anteriores do petista,
evocando casos de corrupção e o fantasma da Lava Jato.
Com a Venezuela, a relação é mais complexa.
Maduro também é mau amigo, e afastar-se dele, que não dispensa oportunidade de
debochar da diplomacia brasileira e de suas iniciativas, é prudente, sem que se
deixem de lado as relações com o país, com o qual o Brasil compartilha
fronteira e problemas. Por ora, contudo, embora acerte em não reconhecer a
vitória de Maduro, o Brasil insiste em ideias sem sentido, como a realização de
uma nova eleição, sugestão reiterada pelo petista, o que só comprova que o presidente
precisa oxigenar sua visão de mundo. Com Lula na Presidência, o Brasil
realmente “voltou”, mas para ser ridicularizado por ditadores outrora tratados
como companheiros.
Ainda há tempo de recuperar a credibilidade perdida, ainda mais quando se tem a pretensão de liderar o mundo democrático, como Lula anunciou que fará, aproveitando os encontros internacionais que o Brasil sediará nos próximos meses. O primeiro passo para isso é reafirmar, sem ambiguidades, que o Brasil, malgrado negocie e dialogue com todos os países do mundo, se sente mais à vontade com democracias e defende o direito dos povos de todo o mundo de serem livres. Não é tão difícil.
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