domingo, 29 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Liderança global de Lula entrou em declínio

O Globo

Passagem por Nova York mostra que passou o tempo em que o presidente encantava as plateias

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez o possível na semana passada para se projetar como liderança global em Nova York. Discursou na abertura da Assembleia Geral da ONU, participou de reunião do G20, disparou críticas contra seus desafetos Benjamin Netanyahu e Volodymyr Zelensky, manteve encontros bilaterais com Pedro Sánchez, Cyril Ramaphosa e Gustavo Petro, defendeu reformas na governança global e foi conversar até com representantes de agências de risco, na tentativa de melhorar a nota do Brasil.

Não dá para negar seus esforços. Mas Lula está longe de alcançar os resultados que gostaria. A verdade é que, em seu terceiro mandato, ele é conhecido no exterior, mas não é mais o líder popular que já foi um dia. Um termômetro disso é uma pesquisa recente do Pew Research Center, com dados recolhidos entre janeiro e abril em cinco países da América Latina: ArgentinaChileColômbiaMéxico e Peru. Os resultados mostram que é baixa a confiança latino-americana em Lula fazer o que é certo em termos de política externa. Nem no próprio continente ele consegue atrair a simpatia da maioria.

Os que mais confiam em Lula são os argentinos (das respostas, 40% foram positivas e 49% negativas). Os mais críticos são os chilenos (62% de respostas negativas), seguidos de mexicanos (60%), peruanos (55%) e colombianos (53%). As respostas são coerentes com a inclinação recente à direita na América do Sul, marcada pela ascensão do argentino Javier Milei à Casa Rosada. Em relação ao Brasil, em contraste, a percepção é positiva. Os argentinos têm a visão mais favorável do país (59% de respostas positivas), seguidos de peruanos (58%) e colombianos (55%) A pesquisa também foi feita nos Estados Unidos. Os americanos são mais reticentes com relação ao Brasil que os latino-americanos: 47% têm imagem favorável e 46% desfavorável.

Sobre as pretensões de liderança global brasileira, os americanos são céticos: a maioria dos entrevistados (64%) acha que a influência do país no mundo se manteve a mesma nos últimos anos, e 16% acham que ela enfraqueceu. O Brasil está mais fraco no cenário internacional para 33% dos chilenos, 20% dos argentinos, 25% dos colombianos e 23% dos peruanos.

É provável que haja nas respostas um reflexo dos quatro anos do governo Jair Bolsonaro, cuja política externa transformou o Brasil em “pária internacional”. Mas são evidentes também os efeitos das trapalhadas diplomáticas de Lula na reação às guerras na Ucrânia e no Oriente Médio. O sonho de ser um líder global, mais uma vez manifestado na ONU, leva Lula a se lançar em missões impossíveis diante da projeção do Brasil no mundo, com evidentes limitações na sua influência externa.

Tampouco na América Latina Lula tem obtido resultados dignos de nota. Sua deferência inexplicável à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela fez fracassar a tentativa de mediar uma saída para a crise desencadeada pela fraude nas eleições de julho. Até a Argentina de Milei, importante parceiro comercial do Brasil e segunda economia do Mercosul, ele tem procurado manter à distância, apesar da integração entre as duas economias. A passagem de Lula por Nova York deixou evidente aquilo que a pesquisa já mostrava: passou o tempo em que Barack Obama chamava Lula de “o cara” e ele despertava a simpatia de todos como liderança global.

Elos políticos na Amazônia mostram dificuldade de combater garimpo ilegal

O Globo

Sucesso de candidatos envolvidos em violações de leis ambientais desafia autoridades em Brasília

Reportagens do GLOBO na região de Itaituba (PA), uma espécie de capital do garimpo a 1.200 quilômetros de Belém, mostram o efeito perverso da mineração ilegal na política. Nas campanhas eleitorais, candidatos disputam os votos de quem considera a preservação do meio ambiente um empecilho a seu sustento. Quem é fiscalizado ou multado por algum organismo ambiental inclui a penalização em seu currículo de político. As eleições municipais nas áreas de garimpo têm uma importância adicional: no Pará, são as prefeituras que concedem autorização para explorar ouro, e não o estado como no resto do país.

A cidade de Novo Progresso ganhou o noticiário nacional no famigerado “dia do fogo”, quando fazendeiros, em protesto contra a fiscalização, se reuniram para “limpar” um pasto com um incêndio florestal. O prefeito, Gelson Dill (MDB), acredita que sua eleição em 2020 se deveu, em parte, a uma multa de R$ 4 milhões recebida do ICMBio durante a campanha. Empresário madeireiro, Dill foi punido por desmatar 174,5 hectares. “Tomou multa do Ibama, já ganha voto”, afirmou. Foi eleito, recorreu, venceu na contestação e agora tenta a reeleição.

Em São Félix do Xingu, cidade de 65,4 mil habitantes, a 985 quilômetros de Belém, o prefeito João Cleber (MDB), também candidato à reeleição, foi denunciado numa ação cível pelo Ministério Público Federal, no ano passado, sob a acusação de ter usado recursos públicos para reformar uma estrada clandestina dentro da Terra Indígena Apyterewa. Com isso deve ter ganhado votos. A mesma ação denuncia o diretor da Funai que avalizou a reforma da estrada dentro da reserva, sob o argumento de que há distritos e vilas na região. O MPF refutou e esclareceu que a tal estrada leva à fazenda de um dos invasores do território indígena.

Em Jacareacanga, com 24 mil habitantes, 1.640 quilômetros distante de Belém, a Prefeitura é disputada por duas candidaturas com a participação de indígenas mundurucus, cuja reserva cerca o município. Há divisões na etnia com relação à exploração de ouro, mas nenhum candidato defende a proibição. O atual prefeito, Sebastião Aurivaldo Pereira Silva (MDB), conhecido como Valdo do Posto, tem como vice Valmar Kabá, seu cabo eleitoral. Em 2022, Kabá foi condenado a quatro anos de prisão em regime semiaberto por ter liderado um protesto violento contra policiais federais que participavam de uma operação contra o garimpo ilegal na região. Foi preso, deixou o cargo por um período e tenta agora a reeleição.

É imperativo combater o garimpo ilegal, atividade que contribui para o desmatamento e contamina os rios com mercúrio. Mas as autoridades em Brasília precisam saber que nada é simples na Amazônia. Os garimpos estão ligados a uma cadeia de conexões políticas impenetrável para quem vive noutras regiões. O Estado brasileiro não parece preparado para enfrentar essa realidade.

Eleição americana reúne ideias econômicas perigosas

Folha de S. Paulo

Propostas de Trump e Kamala podem elevar déficit público já alto e protecionismo, com consequências globais nefastas

O quadro eleitoral dos Estados Unidos permanece indefinido, sem vantagem clara para Donald Trump ou Kamala Harris. Parece evidente, no entanto, que nenhuma das duas candidaturas se mostra disposta a enfrentar o déficit explosivo do governo, talvez a principal ameaça hoje para as economias americana e mundial.

O tema do rombo orçamentário —que deve ficar em US$ 1,9 trilhão (ou 7% do Produto Interno Bruto) neste ano, mesmo com a economia próxima do pleno emprego— é crucial porque seu crescimento poderá elevar, nos próximos anos, os riscos de uma crise de confiança no maior centro financeiro global.

O quadro é ainda mais incerto no caso de vitória de Trump, que promete cortar impostos e elevar despesas públicas, além de centrar sua plataforma em outras propostas altamente inflacionárias, como o aumento de tarifas de importações e cortes draconianos na entrada de imigrantes.

O republicano quer taxar em 60% todas as compras de produtos chineses e aplicar uma alíquota geral entre 10% e 20% sobre artigos de outros países. Estima-se que o americano médio teria seu gasto anual ampliado em US$ 2.600 neste cenário, em razão de importações mais caras.

A contrapartida prometida, além dos cortes de impostos, é a criação de empregos locais, especialmente nos estados mais afetados pela perda de postos manufatureiros nas últimas décadas —o segmento do eleitorado americano mais suscetível à mensagem de cunho populista.

Do lado de Kamala, as propostas são menos radicais. O déficit também deve aumentar em relação à projeção atual, mas a composição seria diferente. Os democratas querem elevar impostos sobre empresas e os mais ricos para financiar mais gastos.

Não há compromisso com tarifas generalizadas, mas a atual vice-presidente deve manter a linha adotada por Joe Biden, que não apenas manteve a taxação contra a China que fora iniciada por Trump como ampliou restrições na aérea de tecnologia.

A competição geopolítica com Pequim parece um consenso entre os dois partidos. Trump talvez se mostre mais aberto a um acordo, num cenário em que empresas chinesas abram fábricas nos Estados Unidos. Seria uma repetição da pressão sobre empresas japonesas nos anos 1980.

A implementação das plataformas de cada candidato dependerá de outra variável fundamental —se haverá controle de ambas as Casas do Congresso. Até o momento, pesquisas apontam para a probabilidade maior de que o eleito governe com uma delas dominada pelo outro partido.

Alternativamente, o cenário de domínio total republicano aparece nas sondagens como um pouco mais plausível do que o oposto.

Considerando o tensionamento global em alta, a diluição de propostas problemáticas numa administração dividida pode até se tornar um desfecho mais desejável e tranquilizador.

É bom que eleições municipais tenham lógica própria

Folha de S. Paulo

Só metade dos eleitores de Lula vota em Boulos, já apoiadores de Bolsonaro e Tarcísio se dividem entre Nunes e Marçal

Eleições municipais observam uma lógica própria, e São Paulo está aí para prová-lo. Padrinhos políticos com força no plano estadual ou federal têm exercido influência limitada na maior cidade do país.

De acordo com a mais recente pesquisa do Datafolha, a disputa pela prefeitura paulistana se estabilizou com uma trinca na dianteira das intenções de votoRicardo Nunes (MDB), com 27%, Guilherme Boulos (PSOL), 25%, e Pablo Marçal (PRTB), 21%.

Distantes deles aparecem Tabata Amaral (PSB), com 9%, José Luiz Datena (PSDB), 6%, e Marina Helena (Novo), 2%. Assim como no grupo de cima, nesse segundo pelotão houve movimentações apenas irrisórias nas últimas semanas, sem trocas de posições ou saltos nos percentuais.

Essa monotonia, porém, não diz tudo a respeito do pleito; algumas correntes ganharam bastante corpo em águas mais profundas —e é digno de nota que, ainda assim, não tenham abalado a calmaria da superfície.

Tome-se o caso de Nunes. Em maio, 26% dos entrevistados sabiam que o atual prefeito conta com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL); essa parcela avançou a 44%, 15 dias atrás, e agora chegou a 49%. Suas intenções de voto, contudo, não mostraram o mesmo crescimento.

E não mostraram porque paulistanos que escolheram Bolsonaro em 2022 se dividem, em blocos quase iguais, entre Nunes e Marçal —situação que não mudou após o ex-presidente reforçar sua preferência pelo prefeito.

Que Bolsonaro não ocupe nenhum cargo público no momento parece irrelevante para a transferência apenas parcial de simpatizantes. A mesma coisa ocorre entre as pessoas que votaram em Tarcísio de Freitas (Republicanos), que faz campanha mais aberta por Nunes e senta-se na cadeira de governador estadual.

Tampouco se trata de fenômeno restrito à direita, campo que oferece aos paulistanos dois candidatos competitivos na dianteira do pleito. Boulos, principal representante da esquerda na disputa, atrai apenas 49% das pessoas que votaram em Lula (PT) em 2022, enquanto Nunes fica com 19%, e Tabata, com 13%.

Os limites dos padrinhos políticos, portanto, não se dão somente em decorrência da rejeição que possam suscitar, ou então em razão de eventual desconhecimento por parte do eleitorado.

Eleições municipais observam uma lógica própria, e é bom que seja assim. Os problemas das cidades precisam ser debatidos pelo que são, e não pela posição estratégica que possam assumir no xadrez da polarização nacional.

Caneta não reduz violência policial

O Estado de S. Paulo

Portaria do Ministério da Justiça com diretrizes para reduzir letalidade policial serve para dar a Lula uma bandeira política na área de segurança, não para resolver um problema complexo

O governo do presidente Lula da Silva deve editar nos próximos dias uma portaria com novas diretrizes sobre emprego de arma de fogo e abordagem de suspeitos para as Polícias Civis e Militares de todo o País. As diretrizes também serão aplicáveis às guardas municipais, forças constituídas originalmente para a manutenção da ordem urbana, mas que, ao longo dos anos, passaram a ser mais assemelhadas a uma espécie de “polícia ostensiva” em âmbito municipal ao arrepio da Constituição.

O objetivo do governo é reduzir a letalidade policial, historicamente elevada no Brasil. Eis o mérito da proposta do Executivo federal, talvez o único. De fato, é necessário lançar luz sobre esse problema gravíssimo. Dia sim e outro também, vidas são perdidas pelas mãos inábeis e/ou violentas de policiais que, por serem treinados e armados pelo Estado para exercer o monopólio da violência em seu nome, deveriam ser os primeiros a ter o cuidado de usar força letal nas situações estritamente necessárias – e, por óbvio, amparadas por lei.

Em alguns Estados, contudo, violência policial se confunde com a própria atuação policial cotidiana. Não raro, o estímulo à truculência – seja por meio de prêmios salariais por “resultados” para lá de obscuros, seja por leniência na apuração de crimes e abusos – parte das mesmas autoridades que têm por dever legal, funcional e moral garantir que as polícias sob seu comando ajam dentro dos estritos limites legais.

O mérito do governo acaba aí. Por ser um problema de causas multifatoriais, que vão desde a má formação dos policiais para atuar de acordo com as normas de um Estado Democrático de Direito até acobertamento puro e simples, não será por meio de uma canetada de cima para baixo que a violência policial desaparecerá no País. A portaria é politicamente conveniente para Lula, que nunca se notabilizou – como a esquerda em geral – por sua competência para formular e implementar políticas de segurança pública. Peca exatamente por isso.

À luz da Constituição, cabe aos Estados o controle funcional, jurídico e administrativo das Polícias Civis e Militares. A portaria a ser editada pelo governo central, portanto, não gera a obrigação de ser seguida pelos entes federativos. A forma que Lula encontrou de vincular os governadores é condicionar o repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) à adesão às novas diretrizes, como se o problema se resumisse a dinheiro.

O respeito aos direitos humanos e aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos nunca foi o forte de polícias treinadas para proteger o patrimônio e a ordem política antes de tudo. É essa mentalidade que precisa ser modificada para que se materialize um combate ao crime menos violento no Brasil. E sem um envolvimento direto dos governadores por meio de uma concertação política que ultrapasse as barreiras ideológicas e seja orientada pelo melhor interesse público, a portaria não servirá para nada além de dar a Lula um arremedo de “política de segurança” para ele apresentar como “realização” de seu governo em uma eventual campanha pela reeleição em 2026.

A oposição, por sua vez, sobretudo os bolsonaristas, também não contribui para que as polícias passem a agir com mais inteligência, técnica e, sobretudo, respeito aos direitos humanos. Basta ver a reação vocalizada pelo deputado Alberto Fraga (PL-DF), um dos próceres da chamada bancada da bala no Congresso, para quem a portaria é “pura incompetência” de um governo que “entende de segurança pública como um cavalo de tocar piano”.

Ora, a ideia de segurança pública do sr. Fraga e outros bolsonaristas como ele já se provou um desserviço ao País, pois está baseada unicamente em um confronto a qualquer preço que trata a morte de inocentes e criminosos como algo banal, quando não esperado, o que só retroalimenta a violência que apavora milhões de cidadãos País afora.

Ódio e violência nunca foram bons conselheiros. E quando se trata de segurança pública, ideologia política também não haverá de tornar o Brasil um país menos violento.

A Embraer e a retenção de talentos

O Estado de S. Paulo

A volta por cima da Embraer, quase absorvida pela Boeing, prova que inovação traz competitividade, mas investida da rival sobre técnicos brasileiros mostra que é fácil ‘roubar’ cérebros

Os quatro anos que transcorreram desde a abertura da arbitragem entre Embraer e Boeing – com decisão final da Corte Arbitral de Nova York favorável à fabricante brasileira – serviram para demonstrar de forma empírica duas questões: 1) empresas brasileiras que investem pesado em inovação tecnológica atingem nível de excelência para competir em pé de igualdade no mercado global; 2) está cada vez mais difícil reter profissionais gabaritados, em particular na área tecnológica, compelidos a buscar no exterior oportunidades que não encontram no País.

Depois de a Boeing desistir do negócio de US$ 5,2 bilhões – anunciado em 2018 e desfeito em 2020 – que criaria uma parceria desigual, na qual a norte-americana teria 80% e a Embraer, 20%, não tardaram a surgir notícias de cooptação de funcionários altamente qualificados da Embraer pela Boeing. A ponto de uma ação civil pública movida por duas associações da indústria aeronáutica (Abimde e Aiab), com apoio da Embraer, acusar a Boeing de ameaça à soberania nacional ao atrair profissionais com informações sobre projetos, muitas vezes com segredos industriais. A iniciativa foi relatada em reportagem, no ano passado, pelo site econômico InfoMoney.

Em entrevista recente ao Brazil Journal, o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, confirmou que a empresa perdeu, em curto período, mais de 100 engenheiros para a Boeing, o que reconheceu como “muito ruim”. Relatou que há empresas que contratam engenheiros pagando em dólar e euro para trabalhar de casa, no Brasil. “Isso acontece. E com a Boeing aconteceu mais”, afirmou o executivo.

O caso Boeing-Embraer é um recorte específico de um problema maior, mas que serve para ilustrar tanto a questão da competitividade quanto a da formação e retenção de mão de obra. Exceção que confirma uma regra que parece preservar um pacto de mediocridade para a indústria nacional, a Embraer é o exemplo de um bom desenho de política industrial, baseado em capital humano e investimento científico. A empresa opera em simbiose perfeita com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), referência em engenharia, o que já é um diferencial. Hoje, o apoio do governo se resume a financiamentos do BNDES, uma forma justa de contribuir para o desenvolvimento.

Não dá para imaginar o que seria da Embraer se uma política de conteúdo local a obrigasse a comprar equipamentos prioritariamente no Brasil, como o governo Lula da Silva impõe ao setor de petróleo. A escala alcançada pela empresa propiciou a formação de uma indústria de fornecedores a seu redor, mas a fabricante de aviões compra máquinas de toda a parte do mundo e só alcançou o nível atual porque foi exposta à competição internacional.

Depois do malfadado negócio anunciado em 2018, a Boeing entrou em séria crise financeira e de credibilidade devido a falhas técnicas em seus aviões. Já a Embraer recebeu este ano upgrade do banco norte-americano Morgan Stanley, que a elegeu como favorita no setor aeroespacial mundial, quebrando o duopólio de Boeing e Airbus.

As investidas hostis sobre os profissionais da fabricante de aviões é um caso isolado, mas o fenômeno de fuga de cérebros aumentou sobremaneira no País, em especial depois do desmonte da Ciência e Tecnologia na gestão Bolsonaro, e parece ainda longe de ser estancado. Levantamento recente da Fapesp entrevistou 1.200 pesquisadores que emigraram para 42 países para identificar as causas. As principais são, pela ordem: oferta de trabalho ou pós-doutorado no exterior; melhores condições de financiamento para pesquisa; melhor acesso à infraestrutura de pesquisa; e remuneração e qualidade de vida melhores. A maioria deixou o País depois de 2019.

É questão complexa que demanda reação de empresas e, principalmente, do governo. Uma política industrial que incentive a competição é um caminho apontado por especialistas para o Estado estimular investimentos em inovação nas empresas. Mas o que se tem visto, inclusive com a recém-lançada Nova Indústria Brasil, é a insistência no ineficaz espírito protecionista de sempre.

A China espirra

O Estado de S. Paulo

Pequim tenta salvar crescimento, em meio a uma crise que pode afetar o mundo

Para salvar a meta de crescimento de 5% em 2024, a China acaba de anunciar o maior pacote de estímulo econômico desde a eclosão da pandemia de covid-19. Necessárias, as medidas são importantes não apenas domesticamente, mas igualmente para uma economia global extremamente dependente do gigante asiático. No entanto, podem ter chegado tarde e ademais ser insuficientes para salvar não a meta em si, mas a segunda maior economia do mundo como um todo.

O Banco Central da China fez questão de anunciar com pompa e circunstância que reduziu a taxa básica de juros de 1,7% para 1,5%, bem como os limites de compulsório bancário e as taxas sobre hipotecas existentes, numa tentativa de aumentar a liquidez no sistema financeiro e oferecer alívio aos chineses, preocupados, entre outras coisas, com sua empregabilidade – o desemprego entre os jovens em agosto atingiu expressivos 18,8%. Além de medidas de estímulo monetário, também foram anunciadas ações de apoio ao mercado imobiliário, tragado por uma crise aparentemente sem fim.

A China, que em um passado nada distante crescia sempre ao redor dos dois dígitos ao ano, deve ter expansão econômica de 4,7% neste ano, segundo estimativa recém-reduzida pelo Goldman Sachs – outros bancos de investimento seguiram a mesma linha. Trata-se de crescimento decerto invejável para a maioria dos países, mas aquém dos objetivos traçados por Pequim. Ademais, a desaceleração chinesa é um sinal amarelo piscante para exportadores globais, que encontraram destino perfeito na emergente e numerosa classe média do País, que só recentemente passou a comprar itens como carne e café do Brasil e bolsas de grifes europeias – as verdadeiras.

Com desemprego em alta e salários em queda, a classe média chinesa vem cortando gastos, para angústia de exportadores que viram suas receitas se multiplicarem graças ao mercado chinês. E há ainda a caixa de Pandora da crise imobiliária; incorporadoras e governos locais altamente endividados pressionam a viabilidade de inúmeros bancos.

Com problemas em múltiplas frentes, Pequim até recebeu uma ajuda, involuntária é verdade, dos Estados Unidos, após o Fed (banco central americano) surpreender com um corte de 0,50 ponto porcentual nos juros básicos americanos. Mas é preciso muito mais. Já se espera, por exemplo, que as autoridades chinesas anunciem mais reduções de juros até o fim do ano, já que a inflação no país é baixíssima.

Se as medidas recém-anunciadas têm o potencial para garantir o cumprimento da meta de crescimento para 2024, elas passam ao largo dos problemas de fundo da economia chinesa, que em boa parte residem na desesperança dos chineses. Somando-se a classe média que vem cortando gastos, e emitindo sinal de alerta para exportadores globais, à população mais pobre, que não conta com rede de proteção social, os chineses consomem pouco em comparação ao resto do mundo, comportamento agora reforçado por desafios como o aumento do desemprego. Levando-se em conta que diversas economias ao redor do mundo (inclusive a brasileira) dependem da boa saúde da China, um espirro chinês pode significar uma pneumonia global.

Hidrogênio verde em favor do Brasil

Correio Braziliense

É preciso considerar o hidrogênio verde como um fator de crescimento para a economia nacional e instrumento de redução da desigualdade social

O debate sobre as potencialidades do hidrogênio verde indica que, mais do que oportunidades, o Brasil tem enormes desafios para obter ganhos consistentes com essa fonte de energia renovável. O marco regulatório sancionado recentemente é um avanço, mas problemas estruturais, como carência de investimentos, falta de mão de obra e custos de operação, demandam enorme esforço do governo para incentivar essa frente sustentável no setor energético.

Autoridades e especialistas reunidos em evento ocorrido na última quinta-feira, na sede do Correio Braziliense, destacaram a janela de oportunidade que se abre com o hidrogênio verde. Obtido a partir da eletrólise, processo químico que consiste no uso da energia elétrica para quebrar a molécula de água, esse gás se notabiliza por ser uma fonte de energia limpa, diferentemente dos combustíveis fósseis. 

Houve avanços inegáveis do ponto de vista regulatório. A sanção do marco legal do hidrogênio verde, ocorrida no início de agosto, e a aprovação, pelo Congresso Nacional, da política de incentivo para a produção do combustível denotam o esforço das autoridades em criar regras e um ambiente favorável para o investimento nessa nova tecnologia. Sobre o projeto de lei de incentivos, à espera de sanção presidencial, registre-se a autorização para concessão de R$ 18,3 bilhões em créditos fiscais para quem atua na cadeia produtiva do hidrogênio verde. 

Há dois pontos, no entanto, que demandam reflexão, pois dizem respeito a questões estratégicas para o Brasil. O primeiro é o ganho econômico que o hidrogênio verde pode gerar. Há quem defenda que essa fonte de energia renovável, de alto interesse no mercado internacional, sirva para fortalecer a neoindustrialização do país. Nesse sentido, o hidrogênio verde deve ser muito mais do que mais uma commodity na pauta de exportação brasileira. É preciso que essa nova tecnologia represente uma oportunidade para combater a desigualdade social, além de fortalecer a pesquisa e desenvolvimento em território nacional, com geração de emprego no país. É fundamental, pois, que o hidrogênio verde seja orientado para atender, em primeiro lugar, ao interesse nacional, e não às necessidades de grandes mercados consumidores.

O segundo ponto é um desafio comum a diversos setores da economia: a infraestrutura. Em uma das estimativas apresentadas no debate ocorrido nos Diários Associados, calcula-se que o Brasil precisaria investir quase R$ 200 bilhões além do orçado em redes de transmissão de energia renovável para a produção de hidrogênio. "Quem vai pagar essa conta?", perguntou um dos participantes do debate. Um caminho são as instituições de fomento como bancos públicos. Mas investidores privados têm papel relevante nessa questão.

É certo que o Brasil deu passos importantes para o desenvolvimento do hidrogênio verde. Mas, além de atender ao meio ambiente, é preciso considerar essa fonte de energia como um fator de crescimento para a economia nacional e instrumento de redução da desigualdade social. Esses são desafios fulcrais no debate sobre transição energética.

 

 

Nenhum comentário: