quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Inflação alta não aceita desaforo – Zeina Latif

O Globo

Enquanto o mercado procura âncoras, ou sinais de que o governo teme a aceleração da inflação, em um mar revolto, Lula queima ancoradouros

Chega a ser frustrante voltar ao tema da macroeconomia de curto prazo. Mas há novos elementos que demandam atenção: a inflação ganha rigidez e a Fazenda prepara uma reação, no caso, medidas para a contenção de gastos. O reconhecimento do problema tem muito valor, mas a resposta poderá ser tímida à luz da grande deterioração da credibilidade do governo.

A primeira barreira é enfrentar o fogo amigo, em um contexto de conflito interno no partido e com a tensão pré-eleitoral já dando as caras. A divergência não se resume à ideologia quanto ao papel do Estado na economia e à disciplina fiscal. Trata-se também de disputa política.

Além disso, para alguns ministros faz mais sentido lutar por suas pastas, para se preservarem politicamente, do que aceitar os cortes que visam conter a inflação.

Em um cenário eleitoral muito incerto para 2026 — o que foi acentuado pelo resultado das eleições municipais —, cada um busca defender sua viabilidade política individualmente. Já a inflação alta é problema que cai em outro colo, no caso, do ministro Haddad e do presidente.

Lula, por sua vez, não terá como colocar a culpa da inflação no Banco Central, mesmo este sendo independente. Esse é um tema pouco acessível ao eleitor mediano. De quebra, ao criticar a atual gestão, o presidente passa a imagem de que o próximo BC será seu parceiro na gestão da economia.

O presidente precisará arbitrar o conflito. Não se trata de apoiar um ou outro lado do partido, mas de fazer seu cálculo político para chegar em 2026 com elevada aprovação. Isso independentemente de ser ou não candidato à reeleição. Afinal, provavelmente ele valoriza o objetivo de resgatar sua biografia.

Já discuti neste espaço que a estratégia de expansionismo fiscal do governo — gasta-se mais agora, colhe-se os frutos eleitorais e, depois da eleição, lida-se com as consequências dos excessos cometidos — envolve muitos riscos. Ainda que, por vezes, as consequências do desequilíbrio fiscal tardem a se manifestar, há ingredientes a antecipar a fatura, complicando a vida do presidente em 2026.

Primeiro, como já amplamente apontado, Lula inverteu a lógica usual de iniciar mandato de forma conservadora e gastar munição ao final, visando à competitividade eleitoral. Ele começou seu governo inflando gastos. O taxímetro da inflação já está rodando.

Segundo, as muitas falas ruidosas do presidente não cessam. Atacar o “mercado” provavelmente não traz ganhos políticos que compensem as consequências sobre os preços de ativos, especialmente depois do desastre econômico no governo Dilma. Vale o ditado “gato escaldado tem medo de água fria”.

Um exemplo foi ameaçar mudar a meta de inflação, o que não ocorreu, mas alimentou a crença de que o próximo presidente do BC, Gabriel Galípolo, não perseguirá a meta de 3%.

Enquanto o mercado procura âncoras — ou sinais de que o governo teme a aceleração da inflação — em um mar revolto, Lula queima ancoradouros. Como apontou Marcos Lisboa, aqueles que acreditaram na responsabilidade fiscal do governo e apostaram na inflação na meta e na queda dos juros ficaram na mão, sofrendo perdas em seus investimentos. Recuperar a confiança dos players machucados vai custar mais.

Terceiro, as leituras de inflação recente acenderam luzes vermelhas. Não é apenas por estar acima da meta (inclusive do intervalo superior de 4,5%), mas por ter se espalhado na cesta de consumo e por apresentar maior rigidez.

Pior, há ainda combustível para queimar, a julgar pelo ritmo de aumento dos salários e pelo comportamento da inflação de bens finais no atacado, que costuma ser repassada ao varejo.

A inflação no atacado, que já foi aliada, está escorregando para cima. Com pressão de custos, ainda que modesta em comparação a momentos passados, a inflação ao consumidor — inclusive de serviços — ganha força.

A inflação teimosa também se torna mais sensível a choques, não aceita desaforo.

O risco inflacionário virou certeza inflacionária, ainda que não caiba falar em descontrole.

O reconhecimento tardio da necessidade de conter gastos, a demora na sua evolução, os muitos ruídos e o desafio político poderão resultar em um esforço longe do necessário para aliviar o trabalho do BC no controle da inflação.

A inflação alta precisa entrar para valer, com o devido peso, no cálculo político de Lula.